quinta-feira, maio 31, 2007

Campa LCD

Há agora imagens e sons ao luar complementando o tradicional festival de fogo-fátuo dos defuntos, uma nova ferramenta para a recordação. Li que no cemitério de Larikshof, em Rhenen, o inventor holandês Henk Rozema criou a primeira campa com uma funcionalidade digital. Trata-se de um LCD onde se pode visionar uma galeria de fotos ou vídeos com mensagens do defunto, só acessível aos familiares através de uma bateria especial.

Agora imaginem esta solução à disposição das grandes nações, honrando os seus heróis. Mausoléus e mausoléus LCD com as verdades dos democratas e as mentiras dos ditadores. E o espectáculo de memórias de milhões de comuns mortais sempre no registo «De mortuis nil nisi bonum». Não é negócio que me interesse a não ser que alguém invente um vinho com sabor a D, clarificado por colagem das minhas cinzas. Cremadinho e higiénico, sim. Saúde!

inveja...do mundo

Que inveja tenho eu de vos ler a escrever, bonito, das coisas que acontecem no mundo e em vocês em simultâneo. Que equivalências afectivas essas que vocês, D e M, me trazem quando eu sei, a correr, as notícias sem vagar sequer para as colar na alma. Sei o mundo mas não o ando a viver. Não me restam assim equivalências e o afago, tenho guardado para outros matérias.

Os meus posts, também eles raros, são assim irreais. Não respiram ofegantes e vibrantes a vida, a partir do mundo. São como braile de quem tactea as palavras para nelas sentir outra realidade e quiça, alguma emoção ou tão só um vento forte.

Apetece-me falar de um livro que me ofereceram. “ Imagens de Praga” de John Banville da colecção O Escritor e a Cidade da ASA. Cabe quase na mão. Tem uma capa bonita e escura, com umas luzes acesas no contracapa. Um ligeiro nevoeiro. E no pouco tempo de ler as primeiras páginas, o arrepio de ter a história a acontecer, ou seja, a chegar a Praga de forma tão igual à forma como a ela cheguei: de comboio, por viena, a atravessar a noite e o mesmo guarda a inspeccionar o passaporte . Ele chegou precisamente dez anos antes de mim. Achei bonito mas não efabulei muito sobre a coincidência. Se calhar devia... a história roubou-me a memória da minha viagem de comboio para me fazer chegar a mim, nesse ponto bonito e longínquo que é Praga em mim.

Confessou-me um amigo que se está a apaixonar. Não tenho vontade de me apaixonar mas aproveitei a confissão para me enfiar na alma ,de quem se apaixona, e simular o prazer de ter a vida tão distante do epicentro do mundo. Simular a ausência de peso e importância com que os contornos das coisas ficam face à paixão. Por uma brisa quente a circular.Num instante o mundo me chamou para uma reunião.

Diz-me L que encontrou D num restaurante num destes dias. Porque não terá sobrado noite para o vinho e para as palavras a copo ? quando paramos o mundo e nos sentamos no tempo ?

Passo a correr, depois de aberta a portada, e a correr penso nos agapantos. É maio, digo por dentro. Sempre soube o maio por eles, mas este ano parecem-me um pouco tardios. Como o verão e a mistura da chuva no cinzento. Mas os agapantos ficaram sempre no fundo das fotografias da minha avó, quando em maio me visitava a casa e a vida. Os agapantos voltam de fundo e a ausência dela, sem retrato, é sentida. Os agapantos agora chegam calados mas trazem-na sempre em maio.

Sondagem


M tocou no ponto da curvatura. Quem ama o que faz agradece a quem proporciona esse bem-estar, passe a sabotagem nas linhas da Linha, o direito e o prazer de servir terceiros, anónimos, passe também a coluna vertebrada das convicções. Fui, hoje como ela, a caminho do trabalho porque gosto do que faço e nenhum Carvalho da Silva e outros nomes menos mediáticos da greve lusitana me podem impedir de ser pelo trabalho feliz.

Catalogados os números do prazer português nesta aferição ferida do «ser feliz sozinho-anti-grevista», estou-me marimbando para as contas do Governo e dos sindicatos. A única margem de erro ou desvio-padrão, se quiseres, é este tempo sondado em milhares de desejos que cumpro quase religiosamente, sentado à espera:

- sondando três jantares marcados na mesa do canto, perto da esplanada da praia fluvial a que tenho ido e que sei, margem de erro, desvio-padrão, cumprirás uma noite com o perfume que trouxeste do último Carnaval em que dançaste descalça, dedos dos pés abertos na areia cumprindo o nosso caminho. O governo diz carinho. O sindicato diz destino.

quarta-feira, maio 30, 2007

o meu dia de greve geral


hoje apeteceu-me abraçar e beijar o condutor de metro que às 9 da manhã guiou, determinada e tranquilamente, duas composições de gente enlatada - eu incluída - através de uma linha, ao que consta, previamente sabotada no seu sistema de comunicações e sinalização, até ao seu trabalho de destino.

depois, durante o dia, pessoas agradeceram-me por eu estar a trabalhar quando precisaram de mim.

acredito que o dia da maioria dos portugueses não foi de serviços fechados, passageiros apeados e ódios fracturantes. mas claro que estas coisas (vontade de abraços, gratidão e serenidade) nunca foram notícia de telejornais.

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ainda os erros nas provas de aferição

isto é admitir que a ortografia não é necessária à vida. que é dela separável. e da leitura, e da escrita. que é uma birra, uma exigência mesquinha de alguns linguistas. que tudo não passa de um jogo: agora vale, agora já não vale (dar erros, interpretar, escrever).

e para quando provas de aferição a estes mandantes?

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terça-feira, maio 29, 2007

Técnica de avaliação

«O Gabinete de Avaliação Educacional justificou hoje a ausência de penalização de erros ortográficos na parte das provas de aferição dedicada à interpretação de texto com a necessidade de se "avaliar separadamente diferentes competências" da língua e "traçar estratégias distintas".»

Fiz a 4ª e a 6ª classe no limbo da democracia de Abril, entre o marcelismo e o PREC e, nesse período revolucionário, onde a viola e a cantiga de intervenção substituiu tantas vezes o rigor da escrita e os cálculos de tabuada em riste, valeu-me a escola de casa.

Depois sucessivas gerações foram submetidas a sucessivos métodos e conteúdos, usando e abusando da escola como um laboratório de egoísmos e extensões de práticas políticas. Perdoem-me os novos encéfalos da avaliação escolar, mas por respeito à minha formação (descuidada, por certo!) e ao trabalho de anos dos meus pais, não consigo compreender a nova técnica. Temo que mais que um ou outro erro ortográfico, isto possa resultar num novo erro pedagógico.


domingo, maio 27, 2007

Taça de Portugal

Contente, claro!

RCTV

Armados de consignas, banderas y pitos los venezolanos se congregaron en la Plaza Morelos para hacer valer sus derechos en la llamada "Marcha del Silencio". Concentración que dio la vuelta al mundo, a través de los diferentes medios internacionales.





Ante el eminente cese de las operaciones del canal pionero de la televisión venezolana, RCTV trae a la pantalla una programación especial en vivo, desde los estudios de Quinta Crespo en los que se podrán revivir los mejores momentos junto a ti.

No sólo los artistas de tu RCTV asistieron a la "Mamá de todas las marchas" de ayer sábado 26 de mayo, sino también figuras de otras plantas televisivas se sumaron a esta lucha para exigir que se respete la libertad de expresión en nuestro país.

Andamos nós a brincar à democracia com delatores na DREN, drenando pessoas porque contaram supostas piadas. Margarida Moreira corre com Charrua. Ao delator, como o nome não aparece anunciado nos artigos que li, chamo-lhe apenas «filho-da-puta», rebaptize-o quem quiser.

Como respiramos democracia, nem sempre lhe damos o devido valor, como não o damos ao ar que respiramos, porque existe simplesmente.

O exemplo de ontem na Venezuela de Hugo Chávez é paradigma de que a liberdade deve ser evocada e vivida todos os dias. Mandou fechar a RCTV num acto só compreensível no mundo dos tiranos, coisa que na América Latina sobra em abundância. Fui à rua, cuspi para o ar e desejo que o vento tenha força suficiente para atravessar o Atlântico, depositando-lhe o cuspo nas trombas na versão “chuva de molha-tolos”. E se o vento for para Norte, ao menos que apanhe o delator sem guarda-chuva.





sábado, maio 26, 2007

livros que me pertencem IV

(Nuno, resolvi hoje o meu problema mas, de qualquer forma, obrigada)

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o caçador de autógrafos

à minha frente na fila para um autógrafo do Francisco estava um senhor que trazia calçados uns sapatos velhíssimos, quase sem meias solas, nos quais haviam sido recortadas várias rodelas, transformando-os numa espécie de sandálias artesanais que deixavam ver umas peúgas brancas por baixo. pensei que aqueles não eram pés de quem lê livros do FJV e depois tive pudor de olhar para cima e de ver a cara e o resto. só vi que foi "Longe de Manaus" o livro que estendeu ao Francisco.

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uma tarde feliz

e lá fomos em excursão familiar inaugurar-nos na 77ª feira do livro do Porto. desta vez levei uma lista de livros que queria olhar olhos nos olhos: eram aí uns 30, claro que muitos não passariam desse primeiro olhar. pelo contrário, alguns não alinhados estavam destinados a aterrar nos meus sacos.

comecei bem: encontrei "Um céu demasiado azul", que não constava da lista mas é o único livro de Francisco José Viegas que me faltava ler e que a ASA finalmente reeditou, a um preço fantástico (até perguntei à menina se não se tinha enganado - não tinha). com este e mais outros dois, "despachei", sem grande esforço, 3 prendas de aniversário em atraso (H: a tua segue em breve pelos correios).

entretanto, os mais pequenos faziam as suas escolhas: tentar convencê-los a trazer livros-livros, e não livros de pintar, de colar, fichas de escola, mini-revistas, etc. a filha encantada a dar um pé de dança com um Obélix que circulava no recinto.

decidi-me depois por alguns da lista: um Amos Oz (que nunca tinha lido até ao livrinho oferecido pelo Público), o "Ofício de viver" (os diários de Pavese cujo último exemplar apanhei na Relógio d'Água por uns apetitosos 7,5 euros) e os "Novos desafios da bioética" que preciso para um trabalho próximo. arrematei ainda um Tabucchi não planeado porque desconhecido ("Está a fazer-se cada vez mais tarde") e resolvi arrefecer os motores dizendo de mim para mim: na terça dou cá um salto sozinha para ver tudo com mais calma.

às 19 horas postei-me em frente do stand da ASA e fui a terceira a pedir um autógrafo ao Francisco que chegou pontualíssimo e sorrindo a quem lhe estendia os seus livros. apetecia-me ter-lhe dito que me faz falta o seu "Livro aberto", minha quase única âncora na TV, ou ter-lhe perguntado se era possível um dia mudar de cidade (para o Porto, claro) a Casa Fernando Pessoa, nem que fosse só por uma temporada, assim uma espécie de férias, uma itinerância limitada. mas não disse quase nada; fico sempre na dúvida se a presença do escritor (ali ou noutro sítio promotor qualquer) não será só porque tem de ser e recuo dentro de mim, pelo menos poupo-o ao frete, penso.

de regresso a casa fiz num instante umas "febras no forno com alecrim e mel" que sairam divinais graças a uma receita da Laranja com canela no seu blog Cinco quartos de laranja. foi o mais feliz dos finais para uma tarde feliz.

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escavações - primitive painters



há palavras, imagens, posts que me devolvem a memória de tesouros perdidos, pérolas que me alicerçam mas já não se viam até alguém remexer o solo e uma faísca se escapar vinda directamente do passado. foi assim outra vez: ao cruzar-me com o PB na Ponte das 3 Entradas lembrei-me da existência deste tema sublime dos Felt com Elizabeth Fraser.

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feira do livro


eu confesso que gosto dela, mesmo assim como ela está este ano: sem eventos de jeito, sem conversas à volta dos livros, quase sem escritores. espero sempre por ela desde que entra o Maio, sonho com ela uns dias antes e durante três semanas vivo numa espécie de exaltação roçando a dependência. deliro só de pensar, todos os dias, que posso lá ir, adiando depois esse prazer e tremendo só de pensar na ruína que me espreita.

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sexta-feira, maio 25, 2007

Lembrança

Ainda consigo oferecer água e sombra. Ás vezes, mais húmus que raiz, ofereço o corpo e acrescento calor para partilhar. O decisivo não é o caminho das nascentes que correm dos olhos ou a copa das mãos com que te protejo do sol. É o acto de oferecer que ainda me espanta e seduz.

Aviso aos utentes

Atenção Srs. Passageiros:
No usufruto doméstico chegam a Coimbra B protestos regulares de não acesso à linha numa das nossas locomotivas – a Internet Explorer.
Ainda no mundo doméstico aconselho o serviço alternativo na locomotiva Mozilla Firefox.
O tráfego internacional, ao que sei, chega de TGV.

livros que me pertencem III




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quinta-feira, maio 24, 2007

Cirandar

Ciranda, ciranda.
Corre a memória como o garimpeiro peneira
o ouro no arazil.

Cirandar de peneireiro.
Sou teu “meia-praça”.

Ciranda as vezes que não me vês.
Protege-te da nossa chuva
e deixa o barco cirandar entre os meus pés.

Canídeo

A língua húmida de uma cão,
babado, porque vinha pela sua mão.
E tão indizível a minha sombra,
babada, perto dela junto ao chão.

Não!
Então?
Não!
Senão…
Não!

Ão, ão!

quarta-feira, maio 23, 2007

Folk e Rancho Folclórico

© Rabaçal - 2007

Versão portuguesa:
O Folk é audível e coreográfico porque é estrangeiro. Há melodia única, cantares que não percebemos e deles gostamos, vestes regionais, um ou outro instrumento que ouvido uma vez nos diminue a ignorância. Lembro-me sempre disso quando vi e ouvi uma vez, na festa do Avante, “O Mistério das Vozes Búlgaras”.

Versão estrangeira:
O Rancho Folclórico é audível e coreográfico porque é português. Há melodia única, cantares que não percebem e deles gostam, vestes regionais, um ou outro instrumento que ouvido uma vez lhes diminui a ignorância.

A minha avó paterna nada sabia de Folk (o avô americano sim!), gostava de Ranchos e sonhava ver-me um dia dançar no tablado. Deu-me para o futebol a força da juventude e, no tablado, uma ou outra actuação em teatrozinho de cordel. Ranchos nunca, ó ti Cremilde, não sabendo ainda hoje, medida que está parte da vida, dizer porquê!

Porque não me entusiasmo com as tardes do folclore à portuguesa, não quer dizer que as não consiga ver e ouvir à distância com que se olha a floresta. Respeito-as como a versão estrangeira. Procuro-lhes a alegria que alimenta aquelas gentes, transmitida de geração em geração como um segredo dos deuses no desenhar das danças, nos sons da concertina, nos translúcidos momentos em que o amor ganha contornos à simples indicação dos pares para a tarefa. E as vozes dos mandadores. E o vinho sempre presente entre os homens e os brincos, o ouro e os bordados nos peitos cheios das mulheres. Aos miúdos cabe-lhes a continuidade do saber como os primeiros pássaros. Chegarão ao copo. Chegarão ao ouro dos cordões. Chegarão ambos aos translúcidos momentos em que o amor ganha contornos. Por enquanto, divertem-se à volta das cores e das multidões e vão conhecendo mundo nas digressões.



terça-feira, maio 22, 2007

o meu trabalho III

os portugueses são considerados pela Segurança Social (SS) saudáveis por defeito: mesmo aqueles que considero, em relatório fudamentado, demasiado doentes para trabalhar são, por vezes, considerados, por essa entidade pagadora de susbsídios, suficientemente saudáveis para a sua actividade profissional. tudo razoável (até saúdo o optimismo), não fora os imigrantes ucranianos serem, por seu lado, considerados doentes por defeito: se querem trabalhar (e fazer os necessários descontos), são-me enviados pela mesma SS com uma lista de exames para fazer (cujos resultados não apresentam valor preditivo relevante) e um pedido de relatório em que conste que são suficientemente saudáveis para trabalhar. uma espécie de eugenia dentro do mundo dos subsídios.

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o Público: prémios do descalabro

- 1º foi o ombro do cão
- depois, o poema do Pessoa que Laurinda Alves descobriu mas afinal mais ninguém conhecia
- agora uma foto com autor é roubada na net para acompanhar um texto do ipsilon (porque era o aperto do fecho e o texto era secundário, alega o editor do suplemento depois de apertado pelo provedor)

será possível ir mais abaixo?

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eu também já fui quase suspensa

eu quase que também já fui suspensa. um dia, no 8º ano, escrevi um artigo no jornal da escola relatando em tom de gozo os incidentes (todos verdadeiros) inacreditáveis com que um professor de desenho doido nos brindava nas suas aulas. temi que ele se virasse a mim, que me chumbasse, enfim. mas não previ que me chamasse à sua sala onde, à porta fechada e já não sei por que artimanhas, me convenceu a assinar um (à data para mim estranhíssimo) papel onde estava escrito que eu não queria bem dizer aquilo que escrevi. não me lembro dessa conversa, só de achar que o que ele queria era demasiado simples para ser a saída daquele imbróglio (tinha havido um conselho de turma e tudo). e, portanto, assinei. lembro-me depois (disso lembro-me perfeitamente) de ser chamada a outra sala, por outro professor - o de físico-químicas, de olho azul -, que me perguntou porque é que eu assinara aquilo. e era grave o ar dele enquanto falava comigo e me explicava, em surdina, que eu me tinha retratado e o que é que isso significava, dos dois lados da palavra. estávamos em 1982.

não teremos já todos sido suspensos um dia neste país do respeitinho? eu quase que fui. o JPN também ia sendo. anda meia bloga suspensa com isto. só que desta vez não pode passar.

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segunda-feira, maio 21, 2007

miss h, agradece


Hoje deram-me um dia de primavera a fingir outono, salgado de mar novo com vento antigo. Hoje o mundo telefona todo e eu atendo, não atendo, consoante o vagar que o mundo me deixa. Hoje fiquei com muitas horas nas mãos porque porque interrompi o dia para apoiar a noite e a dança. Uma filha tem hoje o espectáculo final de ballet e eu ando na trajectória entre a escola, o ensaio, o gel no cabelo, os ganchos e as redes, a lavagem das sapatilhas até me sentar à noite a vê-la dançar.
Por isso o dia é hoje tão meu, com tantas horas e azáfama, com o mar a abeirar-se destes inúmeros percursos. Hoje ainda não tive tempo para ter idade nova mas sabe-me bem este vaivém de mãe, este peso das horas a mais, este fingimento de outono, este fazer café e deixar a luz entrar pela janela, estas palavras que ouço ou leio...adoro esta sensação de não dar por ela e saber de quem dê, sem que o mundo saiba.

Obrigado aos amigos que me afagam. E acho que, hoje, ainda me prometem chuva...

Tranquilidade para H

Agito o gin e penso que o teu dia deveria dar-te apenas a mesma energia que as abelhas necessitam para chegar à água. Também a bebem, sabias? Anos a fio, quando pensamos que apenas de pólen se alimentam.

Depois junto-lhe um sol imenso, uma cadeira de repouso, uma pitada de flor de sal para a pele que sei que gostas, mar, pronto, ponho também mar e um monte não medido de areia para poisares os pés descalços como no dia em que nos nascente para te termos. Parabéns!


Rabaçal

Catálogo

Museu da "Villa Romana" do Rabaçal


Exposição

Um lugar do concelho de Penela. Terra com foral manuelino, aldeia cultural. Tem uma “villa romana” e um museu onde ontem se inaugurou a exposição “queijo Rabaçal, sabor e aroma de Sicó: do acinho à mesa”. In memoriam fica o Delfim Ferreira e as suas excelentes fotos cruas, como de leite cru é feito o queijo. Se Eça o comparou ao Camembert na educação do paladar – A Cidade e as Serras – não é Zé Fernandes? na feira de ontem desfilaram também romanos, devolvendo-lhes por uma noite a “villa” à sua antiga governação. Houve queijo, vinho, azeite, nozes, pão de sabor incalculável, música de corda e metal, luz de archotes soprados pelo vento, cheiros intensos de erva-de-santa-maria e rostos de mulheres que fazem o queijo nas mãos com a mesma perícia e dedicação com que contam as contas de um rosário. Por isso independentes. Mulheres de si próprias. Visitem-nas.



brindai


a H: porque é o seu dia

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sábado, maio 19, 2007

o meu trabalho II





ela contou-me como foi perder, aos 30, o homem (de quinze anos) da vida dela: como foi enfrentar a teimosia da doença, primeiro os dois lado a lado, depois ela atrás (a força dele à frente) e sozinha no fim, ao lado de um corpo que respirava mas já não era. contou-me como ouviram a morte a chegar: lenta (tão lenta que começaram a tratá-la pelo nome), o seu passo firme. contou de que é que tiveram medo e de como isso os deixou fazer uma espécie de preparação (mesmo se nunca ficaram preparados): como foi ouvir o homem dizer-lhe que era preciso que ela continuasse depois dele, em frente, em direcção a um futuro qualquer que ele já não conheceria – e ser isso que a segura, tantos meses depois. contou como foi feliz, tão feliz, por o ter, mesmo depois da doença ter começado tê-lo também. contou como foi que cresceram, amaram e viveram tudo juntos e a falta que agora sente disso. e de o ter. o espaço que ficou: vazio. a vida que já não está ali. mesmo se metade dela ainda é ele, meia vida passada à sua luz, dois num só, agora outra vez só um e já não sabe ao certo o que era cada qual. contou-me isto e havia um homem a brilhar no fundo da dor dos olhos dela e os meus doíam de não chorar - não se chora em trabalho – e fiquei outra vez a pensar que termo-nos, ainda, é uma espécie de eternidade.

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Coimbra B - D.A


Assim viu o Daniel, Coimbra B ao passar.


quinta-feira, maio 17, 2007

nalgum lugar está...

Nalgum lugar da casa está o que não sabes dizer, mas tens dito.Abrir as janelas para ventar o fumo do cigarro, que impaciente fumamos, na procura da palavra que diga, o que tens dito. No limite, tens sempre a estante. E do livro abres ao acaso a página.

“ ------ se estiveres ausente ( automóvel, comboio, avião mudança de casa ou de cidade) , compra um papel simples que te comunique e envia-mo pelos meios mais eficazes ao teu alcance, e que te revelem como comprimido a desfazer-se debaixo da língua.”

Maria Gabriela Llansol, “ Amigo e Amiga – curso de silêncio de 2004”

Foi o acaso desta página do livro de tudo. Mas reafirmo o repto: compra um simples papel e diz-me o que não sei dizer e tenho dito. Envia-me pelos meios mais eficazes. Estou curiosa.
Espero.

quarta-feira, maio 16, 2007

Teorema a tempo no ouro dos dias

D2= RB2 + RC2, outro teorema. A acumulação dos dias que me põem a idade no risco da hipotenusa, triângulo com os RR solidários, mereceria dos eleitos chefes do meu templo, se os deuses fossem justos, a compreensão de trabalho esforçado. Mas não. Chegam e exercem os vícios de mandar.

Tudo para eles está sempre mal.
O convite que não chega a tempo e que carece da sua assinatura.
A carta que não seguiu a tempo para o governador.
A nota de imprensa que não refere a tempo a frase audaz do imperador.
A bandeira que não subiu a tempo ao mastro na hora dos discursos.

Chegam sempre tarde, mas a tempo de se fazer melhor se num polígono hexagonal.
São seis crias, seis, de política para alimentar, seis reis-sóis, hoje regidos por um gajo de caracóis.

Quando falamos em pagar a tempo para que a tempo se cumpram as promessas ditas… o ouro dos dias não aparece, ó anti-Midas,
porque tudo em que tocam não se transforma em ouro,
mas no feder(causar enfado, não fundo estrutural) pequeno dos vossos políticos dias.

terça-feira, maio 15, 2007

Lugar dos deuses

A educação ensinou-me que os deuses pairam por cima de nós. Mesmo quando deles duvidava, olhava a sua negação sempre por cima da cabeça. Assim fiz durante muitos anos e, pouca sorte a minha, nunca tive com eles o privilégio de um diálogo franco e justo, impedindo que hoje, mesmo apenas metafisicamente, nos possamos tratar por tu.

Habituei-me de há uns tempos para cá a procurá-los pelo chão. Uma pegada quase apagada, um ramo de acácia partido sem sentido. E comecei a encontrá-los amiúde. Não porque isso me tenha acrescentado devoção ou desprendimento, mas porque me são mais visíveis quando ando com os olhos baixos.

segunda-feira, maio 14, 2007

cumprido o carinho

Hoje ainda vejo a luz a derramar-se no chão da casa, qual verão entornado em tijoleira, e estou à quase quatro horas à espera que o camião traga as madeiras para montar em móveis, que a minha ordem varreu os móveis existentes e começou no vazio das paredes.

Na espera, fiz café forte e aromático, acendi cigarro descalça e abeirei pela linha. O post da M " é o amor que nos há-de separar" relembrou-me que tenho andado, de há uns tempos para cá, com um carinho por cumprir.carinho é coisa simples, coisa de afago que, neste caso, a memória me permitiu com alguma eternidade.

Ainda não arranjei forma, para além de tempo, para materializar o afago bom que foi isto de reencontrar os três homens da ponte das 3 entradas.eu, t-shirt azul, e eles na memória centrada no café da esquina e extensa como o rio. Saber de é um bocadinho de voltar a ter.

De J relembro o último olhar, preto e branco, num encontro casual nos Encontros de Fotografia de Coimbra. Colei-lhe o retrato à memórias de fotografias e ficou assim emoldurado em mim. A voz essa, fez comigo muita estrada em manhãs frias. Depois deixei de o ouvir no horário da estrada mas... resolvi “casa-lo” com uma voz feminina que me apareceu , na mesma estação, com o apelido dele no nome.

De LP, tendo sido mais espesso o silêncio, sempre achei que o encontraria numa estante a saudar-me sem parecer. Aprimorei a ordem alfabética de procurar por ele, nas estantes, das livrarias. E ainda hoje, quando lhe leio os textos e as referências aos filhos, o imagino com um manuscrito em cada mão. Sei onde o encontrar mas vou teimar em procurar nas prateleiras a cheirar a mar de São Jacinto...

Ao LB levanto logo a cerveja. “ A nossa!” e por ele o carinho mais mundano. Lembro de o ter encontrado algures num site e ter andado a ver se lhe descobria a história no traço e achei que era muito ele ou muito a minha memória dele.

Que bom é isto de o acaso ter direcção e haver uma ponte sobre o rio, ou sobre o tempo.


E que curiosidade imensa de saber quem é jpn....

Village Vanguard

A terceira hipótese para a voltar a ter, duas vezes depois de a perder, esfumou-se. Deus não trouxe Maddie. Nada que não esperasse. Mas há deuses que nunca me falham. Estão gravados para com eles dialogarmos e ouvirmos apenas nas palavras dos simples. Coltrane, greenleeves, the complete 1961 village vanguard recordings. Fica o registo e o Deus que perfuma Fátima que se lixe.

sábado, maio 12, 2007

Find Maddie

Mensagem a Deus
Assunto: Find Maddie
C/C a N. Sra. de Fátima

Se, por absurdo, acreditasse e tratasse Deus por tu, exigiria resultados como numa conversa de café. Sei apenas que existe pelo caminho dos dias, no rasto arrastado de centenas de peregrinos que comigo se cruzam a caminho da Fátima Mariana, crentes nessa divindade que, a tempos, pensamentos noite dentro, irritado e copo disponível, apenas trato por «ó meus Deus!», quando me lembro das duas vezes que te perdi.

Assim me existe e com ele também monologuei no risco de um relâmpago na manhã em que tive consciência da minha claustrofobia, primeira perturbação de pânico, muito próximo da sua casa, a dez mil pés num avião.

Se a menina fosse portuguesa e os seus pais sem o peso específico da promoção “ALLGARVE”, teria por ti mais dificuldades de empenhamento, influenciar a polícia, chamar peritos, you know. Mas já que falas todas as línguas e se existes e exerces todos os poderes que às divindades se conferem, tens um bom número para fazer: vai à igreja da Luz, junta nas tuas mãos toda a energia do universo e entrega a miúda aos pais no 13 de Maio de Fátima. Quarta aparição. Quarto segredo. A instituição Igreja, como compreendes, agradece. O Papa, em abrasileirado, convenceria com isso a proposta da Concordata ao Lula da Silva. Dava jeito à beatificação dos pastorinhos e à Igreja Anglicana. Mas quem agradeceria mesmo do coração seriam os pais se culpa no acto não tiverem e eu, irritante laico para contigo, pediria depois, já crente, uma terceira hipótese para a voltar a ter, duas vezes depois de a perder.

sexta-feira, maio 11, 2007

é o amor que nos há-de separar II



resisti mal a esta versão (de uns noruegueses até aqui desconhecidos: Susanna & the Magical Orchestra) que PB compilou na Ponte das 3 Entradas. julgava que conhecia esta canção: do original pesado dos Joy Divison, passando por Nick Cave e terminando nos vários remix que a certa altura foram a coqueluche das discotecas (final dos anos 90?). mas quando uma mulher começa a cantar vagarosa sobre apenas uns leves toques da melodia de Ian Curtis, cairam-me aos pés as palavras dum poema que afinal nunca tinha escutado decentemente (palavras do desencontro que o amor adivinha quando começa a doer). e a voz da Susanna a dizê-lo, lentamente, os instrumentos por trás quase imperceptíveis. resisti mal, confesso: todo o dia no mp3, nos intervalos do trabalho, no metro, de volta a casa, todo o dia, neste embalo, neste desencanto, nesta sabedoria.

love will tear us apart foi gravado em estúdio poucos meses antes do suicídio de Ian Curtis. a sua mulher inscreveu-o para todo o sempre na sua lápide. viciada em traduções livres, desta vez não fui capaz (no site de Ian Curtis está disponível uma tentativa de tradução, miserável aliás). haverá por aí alguém se atreva? por favor?

"when routine bites hard
and ambitions are low
and resentment rides high
but emotions won't grow
and we're changing our ways,
taking different roads

then love, love will tear us apart, again
love, love will tear us apart, again

why is this bedroom so cold
turned away on your side?
is my timing that flawed
our respect run so dry?
yet there's still this appeal
that we've kept through our lives

love, love will tear us apart, again
love, love will tear us apart, again

do you cry out in your sleep
all my failings exposed?
get a taste in my mouth
as desperation takes hold
is it something so good
just can't function no more?

when love, love will tear us apart, again
love, love will tear us apart, again
and love, love will tear us apart, again
love, love will tear us apart, again"

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livros que me pertencem II



já que esta iniciativa de postar relíquias pessoais em forma de livro (original do Francisco) tem levado a algumas licitações espontâneas na blogosfera, pergunto: e por este, quanto é que oferecem? é que não é todos os dias que nos podemos mostrar numa mesma lista em que (por ordem alfabética) surge José Eduardo Agualusa.

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quinta-feira, maio 10, 2007

Meteorologia

Óleo de José Bardasano Baos

Quando o calor começa a cansar cedo os passos do nosso andar, a porta da taberna chia mais lenta, abre-se para o sol, iluminando os copos dos fiéis peregrinos do balcão. Com a sua auréola de luz vai atraindo outros clientes, hoje mais dois. O vento em despedida e um velho homem sem dinheiro. O sol, como um autarca já eleito, esperou que alguém lhe pagasse o vinho diário e o vento puxou chuva e soprou-o do calendário.


quarta-feira, maio 09, 2007

é o amor que nos há-de separar

na ponte das 3 entradas, PB deixa-nos uma colectânea de, nada mais nada menos que, oito versões de uma das mais belas canções de sempre: love will tear us apart. são pérolas em estado bruto. imperdíveis.

(esta canção já foi uma vez evocada nesta linha a propósito de um amigo do DN Jovem de quem os amigos das 3 entradas talvez também ainda se lembrem: o Carlos Gomes)

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Generais

Muitas vezes no essencial discordamos, pronto. Se isso acontece com os casais e entre amigos de sempre, porque não com os irmãos de sangue? Porque haveremos de continuar a lutar, dissuadindo-nos mutuamente, pelo que não ganharemos nunca?

Nascemos em tempos diferentes, morreremos assim (perfis equidistantes!) por mais que o não digas. Aceita que bebamos uma garrafa até ao fim como dois velhos Generais de herança apenas sumária, em silêncio, sabendo que ambos não nos entenderemos no avulso dos simples com a linha que luta indecisa, mas incisiva sobre as nossas fronteiras, que são, sabemos hoje, pequenas sombras quando discutimos, por exemplo, a melhor forma de regar as laranjeiras.

Mas somos fiéis pelo sangue. Estaremos sempre solidários nas tarefas do que sabemos ser alfa e beta, porque o aprendemos desde o berço. A mesa da casa merece que nos entendamos numa mesma estratégia com todos os soldados disponíveis. O único valor que nos preserva, intacto, (esse sangue do mesmo sangue), diz-me que estaremos sempre juntos, mesmo cambaleando dissabores, podendo-o depois ir dizer por egoísmo, cada um à coluna dos seus homens, que esperam, ansiosos, distintas ordens para nos poder dividir, coisa que sabemos que não queremos.

Chega cá o copo. Estamos entendidos. Cada um na sua identidade antes desta conversa.

terça-feira, maio 08, 2007

Meninos felizes sozinhos

O vidro da janela do meu escritório é de ver para fora sem ser visto para dentro. Dela vejo o menino do 3º esquerdo, filho único, a quem a mãe chama do alto da varanda «Chiquito», vir quase todos os fins-de-tarde para o parque de estacionamento com a bola debaixo do braço, equipado a rigor, para jogar futebol com as suas sombras.
Protegido pelo vidro, vejo-o jogar sozinho, quando chove, não tem equipa.
Hoje, o bom sol quase a pique, ofereceu-lhe duas equipas completas de sombras para fintar. As sombras eram definitivamente melhores que ele. Não se importou. Calçou as luvas e foi para a baliza, mandando-se sucessivamente para o chão até a mãe o chamar para jantar.

segunda-feira, maio 07, 2007

para buenos aires

( jorge molder)


Não chegaste a apagar o cigarro que ficou a arder na janela do corpo da mulher. Acelaraste o passo para que a sombra não se chegasse a deitar sobre a mulher destroçada e assim não se amarrotassem os lençóis de linho. Esqueceste o beijo, que sendo último, deveria ser cumprido. Viraste a esquina e foste para Buenos Aires, que imagino ser o lugar no mundo para onde vão todos os homens que partem.

Fizeste a porta, amarrotaste o amor e fugiste rasteiro na luz. Com a firmeza de gesto que tem os homens quando, no fundo, se assustam.

Tens pressa. Um tango para dançar, em Buenos Aires.

sábado, maio 05, 2007

ao desafio

e a mim apetece-me dizer bem de amigos imperfeitos (beber um copo com eles). dos aguaceiros ao fim da tarde, dos arco-íris e dos melros exortando o Verão. dos vizinhos: dos da varanda ao lado de onde em certas noites vem um cheiro de charro; dos de baixo que, em dias de sol, esfregam longamente o terraço num ruído fresco de água e de vozes de mulher; dos estudantes do andar de cima, que no princípio de maio desprendem de si a memória de todas as minhas queimas. dizer bem da (minha) igreja, da (minha) escola, da (minha) família, do (meu) casamento. do pão, do sangue, do trabalho e do sono. do futuro, do tempo que passa. da receita de carne com queijo emmental para logo à noite e do vinho morno que já sinto a envolver as conversas. das crianças aos gritos na varanda, das aguarelas que lhes saiem dos dedos, da verdade que trazem na boca. do fio do horizonte confundindo-se com um fio de navalha, de murros secos no estômago e de quem pensa com a própria cabeça.

não me provoques, JPN, que ao desafio fico aqui a tarde toda.

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thin line

tinha-me esquecido de Chrissie Hynde, a vocalista dos Pretenders cujo corte de cabelo eu copiava descaradamente aos vinte anos. tinha-me esquecido, até voltar ouvir o seu nome numa pergunta do concurso "Um contra todos". é criminoso, esquecer uma voz assim e, com ela, uma das mais belas canções do século passado: é ténue a fronteira entre o amor do ódio.


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Viagem de desafio

Anda lá. Não custa nada. A estrada já está estendida para nos acomodar o velho vício de viajar. Se já o fizemos antes, porque te tolhe o medo de ir? Aceita-o como uma aposta perdida que tens de pagar, um aumento de spread, uma acção da bolsa que caiu quase no fecho do mercado, coisas que distraída com os costumes não acompanhas a tempo de salvar. Ensina-me o caminho que perdeste. Faz a mala. Esquece a louça por lavar e deixa a chave no vaso do costume. Perfuma-te da fragrância do frasco que me deixavas intenso no linho do ninho. Diz a quem tens de dizer que voltas, coisa que prometo. Diz-me que vens, coisa que aceito. Tenho um mapa preparado se dele te quiseres servir e um ordenado arredondado para pagar quase todas as portagens e o primeiro copo assim que te cansares. Vamos os dois. Vimos os dois. Nunca ninguém engravidou por isso.



sexta-feira, maio 04, 2007

rasgo: entre uma casa e uma mulher


Rasgo no tempo. Tenho andado a pintar a casa, por dentro. A tarefa tem-me devorado o tempo. Parece coisa de estuque e racha mas é muito mais do que isso. É o domínio da ordem. O ter nas mãos a construção de uma nova ordem. Como se, depois de parar, fosse começar tudo de novo numa sensação imensa de poder e domínio sobre o dentro da casa que habito. Tenho as mãos ásperas do pó, para escrever . Mas tenho a alegria recatada de ter parado o tempo e o ter acossado na ordem de mim. Está bonita a casa por dentro para nela, se instalar a mesma eterna e cíclica desordem.

entre uma casa e uma mulher


Rasgo no tempo. Reparo em mim a maior e acuidada atenção para que me foge agora o olhar: beleza tardia. Dou comigo, no cabeleireiro do bairro, a olhar as clientes de idade e a distinguir-lhe a beleza escondida no desleixo do tempo ou no aprumado do requinte. Chego a seleccionar o modelo de beleza que gostaria de possuir quanto tivesse a vida tão feita pelo fim. Suspeito que a beleza tardia é tão só feita de alma. Se a beleza juvenil é muito física, muito de pele, já a beleza tardia é feita da luz que sobra da alma. É o puro retrato da sombra.
O rosto vai rasgando devagar. Sulco a sulco. Com vagares diferentes. Que agora olho por antecipação. Como olho as paredes da casa.

quinta-feira, maio 03, 2007

A língua das mulheres (Tradição oral)

Eu li num livro que o discurso do mundo
Tem oito partes.
E li também que as mulheres repartem
Sete das oito à sua conta.

O meu desejo é que lhes faça
Mui bom proveito!

Cultura Celta (galês)
Trad: José Domingos Morais

quarta-feira, maio 02, 2007

1º de Maio

Nesta adiposa comemoração por somatório de anos, chateiam-me os velhos cravos, as palavras de ordem carunchosas dos sindicatos, o desabotoar de antigas músicas nos palcos, as congestivas tendências partidárias dos trabalhadores,
(uma espécie de ópera do malandro)

quando a verdadeira exigência é exigir trabalho e salários a rimar com prazer e resultados, para que o país se faça outra vez feliz.

E a motivação,
avaliação,
reivindicação,
às vezes é deixar que nada aconteça.

Que a chuva como hoje apareça,
insistente, regando o Maio das flores
e deixando passear, por felicidade, quem dela não se proteja.

Uma conversa com a chuva longa durante todo o dia,
(longa a conversa para que se calem e a ouçam)
é saber que por ela, ouvindo,
se encontram no primeiro passo de dizer «é possível!»,
começando numa conversa
a desejo contigo, sobre nuvens,
copos e mãos sobre uma mesa.



terça-feira, maio 01, 2007

livros que NÃO me pertencem














quem os não tem? de nada valeram nome e nº de telefone inclusos. e o preço? 390$00.

(rui, avisa quando estiveres num raio de 20 km, para te devolver o que é teu)

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as expectativas de uma trabalhadora no seu dia


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livros que me pertencem*








esta pérola caiu-me no colo no Verão de 93, quando, a propósito da viagem de uns amigos ao México, comecei a sonhar com esse país. não sei como soube da existência deste livro (visto que ainda não navegava na net) mas quando comecei a procurá-lo nas livrarias constatei que já não estava à venda pelo que acabei no alfarrabista da Rua Mártires da Liberdade. foi o próprio dono que, pesaroso, me informou que sim, que tinha o livro, mas que era caro pois estava autografado pelo autor. fiquei logo ali meio adoentada pois sabia que, no estado de ânsia em que estava, pagaria por ele até à ruína. mas, depois de uns segundos de suspense, o senhor revela o seu conceito de caro: 1000$00!!!! arrebatei-o de imediato. foi precioso ter lido este livro para viver a viagem que em 95 fiz pelo México. Erico Veríssimo viajou muito pelo país e fala-nos da sua história, dos seus lugares, mas, sobretudo, das sua gente, envolvendo-nos na sua atmosfera tão única: "mistura de tortilla, cigarro de palha, chile e sangue".

*livros que me pertencem é uma ideia original do Francisco Carvalho.

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