domingo, novembro 28, 2010

câmara lenta, quase imóvel

apetecia-me deixar aqui o amarelo irreal das folhas das árvores lá fora (árvores que no Outono parecem florescer de folhas caducas que afinal prometem não chegar a cair). mas está frio e eu, de pantufas e preguiça a pesar-me nos bolsos, não consigo chegar a sair. penso todos os dias quando passo por elas: um dia vou-me arrepender de não vos fotografar. um dia vou querer explicar a alguém que as árvores da minha rua no Outono floresciam de uma amarelo fulgurante e frondoso e ninguém vai acreditar. eu própria vou duvidar e concluir que, se fosse verdade, eu as teria fotografado.

apetecia-me deixar aqui esta música do fim dos tempos em que tropecei hoje no iTunes e que ouço em loooop: diamonds and rust. sempre a imaginei a Joan Baez a sofrer este poema pelo Bob Dylan. sempre lhes invejei o amor literário que se liberta, em tom menor, desta canção. um amor trágico e intenso como sempre imaginei os amores dos outros. uma espécie de amor que se vive de ser escrito e invejado por quem sabe, como nós, o que as recordações podem trazer: diamantes e ferrugem.

"now you're telling me you're not nosthalgic
then give me another word for it
you were so good with words
and with keeping things vague
'cause I need some of that vagueness now
it's all coming back too clearly
yes I loved you dearly
and if you're offering me diamonds and rust
I've already paid"

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sábado, novembro 27, 2010

último comboio de sexta...

terça-feira, novembro 23, 2010



Isto é um exercício antigo.
Estender-me na linha por prazer,
o regresso a casa,
abrir as janelas das carruagens a arejar o nosso ar,
apertar na mão um copo do waggon-bar,
acertar o calendário como uma dose de sal num refugado,
recolher à sala grande vendo-vos no espelho da parede por baixo do relógio como fotografia de mulheres de família.
O facebook é sempre provisório como os velhos cigarros dessa marca.
A linha alinha. Lemo-nos aqui menos vezes? Num único parágrafo ainda são as palavras as coordenadas mais decisivas!
Quase não me recordava da password e tenho saudades de colocar música nos carris. Ainda se consegue Mónica, ou o silêncio campeia as paisagens? Tens novas palavras Lena, daquelas que nos agitam o prazer de estarmos vivos?
Voltar a casa é serenar os acordes da vida!
Parece que chego de uma viagem contra o tempo. Pronto, embrulhem lá um sorriso como aquele que deixava cair quando dávamos as mãos para o nada e outros nenhures. E essas pequenas promessas de um outro dia estarmos apenas, a palavra solta, que ainda nos merecem a vida e me agitam, momentos breves, o velho coração?

domingo, novembro 14, 2010

Aguaceiro com luz e farinha como metafísica

Gosto destas manhãs de domingo que antecedem o inverno. Luminosas, com a permissão da alegria que a luz sempre deixa e faz, interceptadas por aguaceiros rápidos e quase invisíveis. Não fora o chão molhado e o cheiro a terra.

Gosto de abrir as janelas e portadas da casa. Gosto de arejar a casa e a vida familiar que nela acorda sonolenta. Deixar a luz e o ar entrar, espalhar-se pelos livros, confundir-se com o espaço, fazer-se ao chão, desenhar a luz dos que nela vivem. Gosto destas manhãs de domingo que cheiram a luz fria.

As manhãs de domingo são ainda feitas de um tempo espesso, que escorrega devagar, que se infiltra com parcimónia nos gestos, que nos acorda muito depois do café e do cigarro. É um tempo mel sem tanto doce.

Nalgumas manhãs de domingo, depois de sono grande, a ordem parece-me perfeita. Tudo está no sítio certo, desde a luz fria ao ladrar dos cães ao longe ou mesmo, às vezes, o cheiro da maresia. Em tão poucos momentos, a vida me parece capaz da perfeição. Acontece antes do inverno e igualmente antes da primavera. Por causa da luz e do ar.

Quando acontece as manhãs de domingo exalarem essa ordem perfeita, não me apetece metafísica alguma. Nada, nada é tão grande quanto esse vagar. Hoje, sem vontade de metafísica depois de aberta a janela ao acordar, apeteceu-me fazer bolos. Trocar causas por farinha. Fiz dois, grandes e bonitos, que pousei perto da janela da cozinha. Pela tardinha, quando a luz se esfumar e o frio se instalar no espaço da casa, quando a dolência que os fins de tarde de domingo também tem, sei que será a hora de ferver a água, deixar assentar as folhas de chá, por a toalha, chamar os nossos e sentar na mesa a comer uma fatia de cada um desses bolos que, esta manhã, foram a única metafísica desejada.

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