terça-feira, janeiro 31, 2006

ESTETOSCÓPIO e MP3

Para M:

Duas armas para ouvires o coração. Um põe-te sons de outros Martos, sinais sobre os quais não ousarei decidir. E já ouviu o meu um dia, um toc toc, código morse cardíaco, que apenas me dizia: - estás vivo!

Outro, com música a rigor, remete-te para os sons do teu coração. Que escolhes, mais a rock, mais a blues e algumas vezes pedes dele silêncio para sentir apenas o teu Martos no seu esplendor.

Mas um ouvido posto sobre os carris, como nos filmes de cowboys, trazem-te notícias de vidas firmes, longe de Campanhã, perto do coração. Aí ele diverte-se, estou certo, em bailes de adrenalina.



Última vez...



...Última vez que fiz a linha do norte.

Que fui de encontro ao Porto.

Que habitei a casa de M.

SÃO DIAS QUE PASSAM

São dias que passam. M vem de uma reunião d'Os Campos com febre suficiente para temperar antigas latitudes onde fomos felizes. Não era tema prioritário, mas torna-se irresistível... porque por lá crescemos juntos, do Caima às Mimosas, das Preces a Tábuas, do Baleal ao Mezio, de Almaça ao Talasnal... rodando vidas com amigos, gerindo amores, dançando voltas à serra num tablado triângulo com Minho no horizonte, onde a linha não era virtual, antes um comboio de mercadorias, cheio de cartas, que durante o ano ligava as estações.

H tem a pele tatuada desse percurso, apenas visível de noite à luz de uma fogueira. M insiste em pôr um brinco, para que nele notemos a antiga militância. D recolhe esse prazer, abrindo gavetas da casa e da memória. O resto foi escrito n'Os Campos e acompanhado ano a ano em peregrinações, cirúrgicas, a antigos sítios com ombros de sempre.

Lembrar HR é sístole mediática. Lembrar o Movimento é sentir a tarefa do dever cumprido, foi por ele que estamos aqui:

O imaginário

que fica

para quem parte

é parte inalterável

pelos novos gestos de quem fica.

Que pensarão so vindouros de nós? A mesma curiosidade e respeito como víamos os antigos? Têm aqui um espelho limpo, neste blogue, com imagens claras do que poderão ser um dia. Isso não tivemos. Isso lhes baste!

segunda-feira, janeiro 30, 2006

Para LD

Tínhamos falado da mãe no aniversário em casa do PR. Que o teu pai andava mais disponível. Que era imperioso gerir o tempo, sempre na espreita que Deus (para os crentes) viesse um dia falar sobre o assunto. A notícia SMS de M é má. Porque te faz sofrer. Porque nos faz tristes. Creio que H e M estão comigo neste desejo: que faças luto breve e, brevemente, estaremos um dia juntos para falar de futuros mais previsíveis com os amigos de sempre.
IV
Falamos junto à luz. Lá fora a noite.
Imóvel brilha sobre o mar parado.
À sombra das palavras o teu rosto
Em mim se inscreve como se durasse.
Andresen, Sophia de Mello Breyner, Obra Poética, III

A NEVAR NO ATLÂNTICO E SOL ONDE CASUALMENTE NÃO ESTÁ


Disse-vos que ia para o mar. Com sol. Em Akranes, um cubo de gelo da Islândia, um sol imenso derreteu parte da praia gélida contra o mar. Criou novas ondas para famílias inteiras descerem de Reykjavík para um divertimento único, memorável apenas no século passado: - surfar em abundância e esgotar em segundos caixas de creme para o nariz. Nas janelas do Atlântico nevou. Que bem me soube fazer um boneco no capot do golfo. Merdas que a Europa de Bruxelas não controla: sempre fria, sempre densa, sempre pagadora do previsível. As periferias têm identidade e são ainda surpreendentes! - Custou-me mais não ver de manhã a gaja da distribuição das novas bilhas de gás da GALP. Com este frio, pedi um reforço para aquecer o ambiente. Ela trouxe a mercadoria, mas a "bilha" pluma vinha escondida por um "guarda-pó" até aos calcanhares. Nas periferias o sol move-se, Galileu, Galilei... pensa nisso!

domingo, janeiro 29, 2006

gélida

a morte chegou durante a noite. veio pela mãe de um amigo e, embora anunciada, apanhou-nos assim: indefesos, frágeis, tristes.

desta vez, ouvi os seus passos a aproximarem-se e ao revê-la, perturbada como nunca, aflorou-me à boca o insulto:

ceifeira

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sábado, janeiro 28, 2006

o círculo


estava por resolver o que fazer com a hora absurda em que comecei a escrever um blog. essa hora-espaço a que me afeiçoei como se fosse um quarto cá de casa

(ao qual acedia por uma entrada secreta - como nos livros dos cinco - que se desenhava de forma mágica no êcran do portátil, soletrado que fosse o necessário abre-te sésamo).

esse blog era como um quarto - secreto portanto - que devagar fui preenchendo de um eu silencioso, à espera de outra hora de outro dia em que chegariam, ruidosos e irrequietos, amigos tranquilos, há demasiado tempo (anos-luz) separados de mim pela ausência da palavra escrita.

agora, como que se encerrou um círculo, e a hora absurda parou para sempre, no preciso segundo em que passou, eterno (pouca terra, pouca terra), o primeiro comboio da linha do norte.

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Bom-dia!

Está um sol bonito. Se passarem, não abrandem. Deixei a agulha acertada. Vou para terras com mar.

Qualquer Coisinha

Ao Ti Carlos (Vale do Boi - Ansião)




São José (Guido Reni)


Encontrava-me frequentemente com S. José num calendário da Cáritas Diocesana na taberna do Ti Carlos, bem perto da ara mármore dos copos entre outros calendários de jovens mamudas de calção justo, montando vespas e motas para encher olhos de camionistas, brigada da associação florestal e parte dos nossos sem rigor.
S. José partilhava comigo e amigos (excepção ao Rui Clara que andava a dieta) amendoins, minis pretas, tremoços e pevides, felizmente tudo fora do prazo, retendo o tempo no espaço, espelho de um homem só: - Maciço de Sicó!
Falava-nos do filho Jesus, que mandava SMS de Belém, dizendo-se jogador do Belenenses, habitando um condomínio fechado centro cultural. E S. José, bicho-carpinteiro, acreditava no filho como na virgindade de Maria, sua companheira de união de facto. Um destes dias, o Ti Carlos morreu. Porque a mulher o tinha também deixado uns tempos antes, a caminho de Oríon e o Martos (coração Sepúlveda) do Ti Carlos não aguentou.
SMS para lá, SMS para lá, SMS uma vez mais para lá, S. José tentava uma explicação do filho para esta crueldade. Jesus já não respondia. Nesta época de transferências, tinha assinado pelo Beitar Jerusalem e o Hamas tinha, após eleições, cortado as comunicações.

Enviei o calendário de S. José para que Guido Reni o pintasse na capela mais próxima – talvez fale com S. Pedro num SMS celestial - guardei o dos pneus Continental com uma loiraça de bota de cabedal, marés-vivas, apetecidamente montada numa Suzuki e batemos a porta da tasca. Para sempre. O Maciço de Sicó perdeu um homem bom e um espaço único, onde o tempo se atrasava com prazer. Esta história de vida vai ser enviada WinRAR para o céu. Quem me ensina a fazer o download da mulher para ver se o recuperamos também? Quem me ensina do recuperador de ficheiros do Windows? Quem me diz como reabrir esta porta do Paraíso?
Faltou ao Ti Carlos um passeio de comboio. Talvez Martos se entretesse. A linha nunca passou por ali.

Olé!



Olé! Cheguei agora do CCB de ver a Companhia Bailado de Espanha. Gosto de flamengo. Gosto da força. Força da sonoridade e da força da dança. Gosto da tristeza. Tudo nele, exceptuando as mão, é brutal, é duro, é forte. Brutalmente bonito. Quase sedutor.

O flamengo é uma tristeza incendiária. O fado é uma tristeza envergonhada.

Qualquer amor tem uma espécie de tristeza. Sempre achei que não há forma mais bonita de encontrar um amor, que a dançar. A dançar flamengo. A mesma tristeza, a mesma força, o mesmo incêndio. Nunca me aconteceu.

Flamengo lembra-me as noites sem cama, a dança infinda, o adocicado Tio Pepe, as manhãs mal dormidas no carro numa Sevilha quente de Abril. Fui um dia com o amigo, homem que faz filmes, R.P. Ele sabe dançar. Poucos homens sabem dançar.

Reparo agora que também com qualquer um de vocês, D e M, houve falmengo. Com D, começou em Coimbra, atestamos o carro e partimos por Espanha num acaso imenso de dezembro frio. Acabamos em Santiago de Compostela , acabamos a estrada, acabamos o ano. Acabamos a noite na dança. Mas estava tão tão triste e dorida que o corpo não aguentava a alegria, menos ainda a dança. Com M, começou no Porto, cinco mulher num carro, pela Galiza dentro, rente ao mar, rente a todas as noites, rente a muitas conversas sobre homens num dezembro frio. Acabamos em Vigo, acabamos a estrada e o ano. Trocamos de roupa no carro, meia de vidro preta, dançamos nas ruas todas do porto. Suspeitava já o começo da tristeza. O corpo aguentou a dança talvez com pouca alegria e muita cerveja. Cruz Campos.
Quanto ao flamengo estamos cumpridos. Olé!

sexta-feira, janeiro 27, 2006

Coimbra-B (Área Metropolitana) -exteriores


Do trabalhinho. Reuniu hoje a Área Metropolitana de Coimbra para novas reflexões, blá, blá, blá... novos projectos, blá, blá, blá... a mesma inércia de sempre. Enquanto não há o bom senso para nomear a Comissão Liquidatária, decidi fazer um arranjo ao mapa, trazendo a estação de Coimbra-B para a Fernando Namora. Parti a linha antiga que só se recomporá por equações diferenciais. Mas aproximei-a da linha da Lousã e ofereço daqui uma primeira partida para o Metro de Superfície.

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Coimbra-B


Para H.
Sobre o discurso de Alfredo Marceneiro a
Gabriel Garcia Marquez (Dinis Machado)
Iª Cena
D entra na biblioteca de Coimbra-B, põe o charuto, aquece na boca um branco fresco e procura lombadas. (Repetir isto três vezes, um copo para cada um)!
Ao pé dos Eças encontra Dinis Machado e lê a H (que vê pela webcam, sentada na sala, a beber um gin, a mexer arquivo antigo das fotos que restam. Tem uma navalha na mão e risca com ela o ar).
D lê:
"(...) A atracção da navalha pelo cetim já não é de hoje, como sabe. Atirada de vinte e cinco metros, talvez aí há quarenta anos, cortando a noite em duas metades (a primeira caiu ao rio e a segunda andou à deriva até surgir a madrugada), a navalha entrou na garganta de Norberto."
IIª Cena
(entra a cena do velho da maçã posta no blog, que D faz passar para H pela webcam)
D lê:
"(...) O Franciú esparge com essência de rosmaninho (colhido na Rua do Capelão), teclas de piano, chuva de Abril e papelinhos de Carnaval. A melhor das putas, a mais quebradiça e esquinada, conservada de luar e de exercício, ajoelhou-se aos pés dele e abraçou-lhe as pernas, dizendo frases que o senhor pode ler na tela do Pintor, em onomatopeia, que está agora no museu, por decisão camarária, das dez ao meio-dia e das duas às quatro. (A tela deve ser observada a uma distância suficientemente preliminar; com o corpo apoiado na perna direita, o estômago vazio, o espírito liberto de preconceitos e o guia dos caminhos de ferro na mão esquerda, não vá dar-se a ocorrência de uma qualquer excurssão americana se perder no trajecto para Santa Apolónia)."
IIIª Cena
H lembra os camones e o Lucas Pireza, recolhe a lâmina e manda um mail a D:
- Afinal, passageiro da noite, caís-te ao rio ou andas à deriva até de madrugada?
IVª Cena
(D, reacendendo o charuto)
- Á deriva, grande amiga, não vês que tenho webcam e banda larga!
Vª Cena
(H recolhe as fotografias, encontra D ainda novinho num negativo solto, fuma um último cigarro, engana-se num copo-de-água a pensar em gin e camita que amanhã a Ana voa).
VIª Cena
(D desliga a informática)
D diz para consigo:
Como pode andar até de madrugada se a banda larga não é da netcabo? É um "cercanias", é o que é - referindo-se, obviamente, aos comboios de serviço à volta das grandes cidadesw espanholas!
Cai o pano!

A minha NAIFA LAGUIOLE


D foi a Coimbra-B. Martini no velho bar, o relógio nas 18:42 (hora de comboio) e sombras de gente. Um velho de canivete em punho ataca uma maçã e no primeiro golpe fez luz: acendeu-me o bairro alto do Molero e vi, juro que vi, a naifada do camone ao Lucas Pireza e ao fundo do bar os Vai ou Racha num baile de imperiais, conta quem sabe. Naifas, sempre gostei de naifas. Em Rio de Vide eram utensílio certo para fazer barcos com as crocôdeas dos pinheiros, terra sem água com nome mentiroso. Cortei-me mais tarde de amores num canivete suíço, que abriu dezenas de cartas e que guardo de lâmina fechada até que outro correio apareça. Recentemente trouxe para casa uma SICO - Sociedade Industrial de Cutelarias do Oeste - para o pica e prova na Confraria do Queijo Rabaçal, o do Eça, da Cidade e as Serras. Mas tenho uma nova paixão: a minha nova naifa Laguiole, oferecida em Aubrac, no maciço central francês, com uma lâmina de operar e uma grande lição:
"Afin que jamais un Laguiole ne coupe l'amitié, n'oubliez pas de donner un sou à la personne qui vous l'offrira."
O velho vendeu-me a navalha por um cêntimo e paguei-lhe um arroz de cabidela na casa de pasto do outro lado da estrada. O sangue do arroz terá brotado de uma naifada mecânica. Quem o matou não trazia trocos de amigo.
Volto para a linha. Há que mudar a agulha! São horas de vocês passarem...

Passageiro da Noite

Já sei quem é o nosso passageiro da noite... aparece tardio, põem charuto, procura na casa as cartas as músicas os livros os silêncio e vai ao quarto procura as mágoas as saudades as ausências e volta revolta rebusca hesita diz que faz a barba para a manhã seguinte mas engana. Põem o casaco, traga o último gole de gin, vai devagar até à estação.
Pára e imenso, escreve. Fabulosamente. A giz na placa da estação onde outrora se escrevia o tempo dos comboios. Fica no centro das mulheres, da linha, das palavras. No centro das horas, entre a noite rasa e a madrugada.
Só o encontramos quando já esteve. Sempre foi assim... desacertou o tempo. Mas sempre foi assim... sempre esteve lá. Acabei de descobrir o eterno passageiro da noite. D, é ele.

quarta-feira, janeiro 25, 2006

as melhores coisas da vida


uma cambalhota na areia ao fim da tarde
uma boa onda em rocky point
um beijo, um abraço, o amor
o corpo são, os amigos, os laços de sangue
os talentos que trazemos dentro de nós
- e que nos permitem transformar o futuro -
uma gargalhada, uma boa história
as palavras nos livros (nos blogs também), a música no ar

as melhores coisas da vida, portanto, são grátis
é saudável fazer, amiúde, o seu inventário

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" Meditação no Limiar da Noite "

" ( ...) Na noite eu caminhava mais que viajava
viajar não é passar pelos países nem chegar à paz
não é conhecer longe quanto tinha ou não tinha perto
viajar não é fugir nem de um país nem do que sou ou quis
mesmo em terras do norte que eu atravessasse indiferente à morte

viajar é afinal o passaporte e o bilhete e a bagagem
a dúvida de ter ou não fechado a porta
a perda até da estabilidade que se tinha
oscilação das poucas coisas fixas sensação de insegurança
Nada é tão veloz talvez como a imobilidade
o máximo de voz é o silêncio
o melhor gesto ainda é o pensamento
e nada há mais eterno que o momento
que a mão que embora fuja fica como uma definição (... ) "

Ruy Belo

PIRÂMIDES, ORÍON E ESTAÇÕES


M trouxe-nos Oríon quando sonhou a linha, sabendo da memória que as Três Marias do cinturão riscam em aço o nosso mesmo alinhamento nas estações. As pirâmides de Gizé estão a Oeste do Nilo como Oríon da Via-Láctea, em geometria perfeita, para o rei-morto poder olhar por ela o céu na sua abundância de infinito. Três pontos na terra e no céu. Três representações de vidas como as nossas. Em Campanhã, M terá constribuido para o embalsamento do rei. Em Coimbra B, D terá organizado a área rural das pirâmides, criando produto turístico. Sabe-se que na grande pirâmide de Gizé se somarmos o seu perímetro, dividindo-o por duas vezes a sua altura, chegaremos a PI (3,1416). Definitivamente, este cálculo só pode ter acontecido em Stª Apolónia.

A RELER, A RELER


(...)
- Bem, partimos no sábado!... Avisa tu o Silvério. Começou então o laborioso e pensativo estudo dos horários - e o dedo magro de Jacinto, por sobre o mapa, avançando e recuando entre Paris e Tormes. Para escolher o salão que devíamos habitar durante a temida jornada,duas vezes percorremos o depósito da estação de Orléans, atolados em lama, atrás do chefe de tráfico que entontecia. O meu Príncipe recusava este salão por causa da cor tristonha dos estofos; depois recusava aquele por causa da da mesquinhez aflitiva do Water-Closet!
(...)Enfim, partimos!
(...) - Irun! Irun! Nessa Irun almoçámos con suculência e entrámos silvando nos Pirinéus.
- As noites são horríveis, tudo negro, enorme solidão... E médico?... Há médico?
(...)Mas porque pára este infame comboio? Não há tráfico, não há gente! Oh esta Espanha.
-Oh! Que serviço! Oh que canalhas!... Só em Espanha!...
(...) Sacudi violentamente Jacinto:
- Acorda homem, que estás na tua terra!
Ele desembrulhou os pés do meu paletó, cofiou o bigode, e veio sem pressa, à vidraça que eu abrira, conhecer a sua terra.
- Então é Portugal, hem?... Cheira bem.
- Está claro que cheira bem, animal!

terça-feira, janeiro 24, 2006

Já sei onde vocês estão!

Photo H, Porto 2005

Interrupção



Estou dolente. Tenho a casa adormecida e frio nos pés. Não se ouvem comboios aqui por perto. Só o mar.Não vos ouço. A noite está quieta. Os livros estão quietos. Fumo um cigarro insolente. Não há vestígios de memória onde pousar e a equivalência de não haver futuro para apontar. O dia, cinzento, deixou uma espécie de não ser chuva e ser inverno. Interrupção, deve ser...

QUADRANTE, ASTROLÁBIO, GPS E TIRA-LINHAS

O quadrante diz-me da distância entre Coimbra B para Campanhã e Stª Apolónia durante as noites, olhando da janela a estrela polar... mais a Norte, mais a Sul.
O astrolábio mostra-me essa distância nos dias, na altura do sol do meio-dia... mais a Sul, mais a Norte.
O GPS é demasiado certeiro, encontra-nos muito depressa e não obedece ao bom erro das distâncias da memória... sempre a Este, sempre a Leste, sempre a Norte, sempre a Sul.
Prefiro o velho compasso da escola primária, no qual encaixo a qualquer hora a peça tira-linhas regada a tinto-da-china, para traçar a meu jeito a distância do prazer de vos ter por perto... nem sempre a Norte, nem sempre a Sul, muitas vezes um pequeno círculo apenas, que começa e acaba em Coimbra B.

PATAGÓNIA EXPRESS


(...). Vi-o sair com um livro de pequeno formato. Chamou-me para o seu lado, e enquanto o ouvia li a lombada do livro: Assim Foi Temperado o Aço. Nicolai Ostrovsky.
- Bom, meu menino. este livro tens de ser tu a lê-lo, mas antes de tu entregar quero duas promessas tuas.
- Quantas quiser, Vô.
- Este livro será um convite para uma grande viagem. Promete-me que a farás.
- Prometo. Mas para onde vou viajar, avô?
- Possivelmente a lado nenhum, mas garanto-te que vale a pena.
- E a segunda promessa?
- Que um dia irás a Martos.
- Martos? Onde fica Martos?
- Aqui - disse ele, batendo no peito com a mão.
Sepúlveda, Luís, Patagónia Express

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Um certo acerto

De repente estamos aqui, em cima de carris, num frenesim de tráfego entre o sul e o norte com paragem obrigatória a centro. De repente deixamos os comboios sairem pelas mãos fora, fazemos paisagens com palavras e photos, misturamos saudade em carga e correio, e o vento que fazem ao passar levantam os dias ...
Estivemos tanto tempo com os comboios guardados da chuva, com as portas fechadas a fazer com que o tempo não saísse do lugar. Nós fomos noutras viagens, mandamos postais, mas deixamos guardado certo tempo em certos comboios. De repente ficamos assim: transitáveis. Mas neste frenesim, às vezes pergunto: que bitolas ? que bitolas ? ... um certo acerto sem certo. Falamo-nos ou falamos ? Perdida na linha, ás vezes. Esfusiantemente perdida. Depois... o vagar de me meter no comboio e do comboio não falar.
Ainda se faz o vendaval nestas viagens sem revisor e sem guarda cancelas... não tarda e entram passageiros. Temos tido comboios furiosos pela noite, mas quase vazios. Cheios de nós. E não tarda e pararemos em apiedeiros insuspeitos. Levaremos nas viagens outras viagens, outras histórias, outras janelas. E serão tão bem aparecidos quanto bem encontrados foram estes comboios. Apita. Segue...

CASSETTES


As melhores eram da TDK. Malhavam um vinil em cada lado e viajavam connosco no fundo das mochilas para o velho Panasonic reproduzir, rouco, debaixo dos álamos. Sem ipods, mp3, telemóvel... as cassettes eram um utilitário de higiene pessoal. Que engraçávamos, como eu, com capinha a rigor e que guardo em arquivo tipo torre do tombo. Dylan, Caetanto, Chico, Egberto Gismonty, Miles Davis, Paco de Lucía e tantos outros, acompanhavam os nossos caminhos com os mesmos solavancos. E depois cantavam no fim, quando estávamos cansados e a sede morria em finos tiradinhos a prazer. Abri agora a caixa para os arejar. Peço a M, com urgência, que os traga para este blogue. Pedem-me para cantar. Gostaríamos de ouvi-los uma vez ainda!

SINAIS DE BARRAGEM


Cá está o novo anfitrião luso de Sócrates ao peito. Feita a barba, ligo a TV e sinto na Maria uma mulher feliz. O povo é o mesmo com a velha previsibilidade de Soares - "não pôr os ovos no mesmo cesto"!
Permitam-me, H e M, o primeiro desvio na linha - sinais de barragem -:

"1. A tua vida está no meio: a tua contraditória
perigosa apaixonada vida.
Mudar o homem (dizias). Fazer história.
Como abolir agora o quotidiano?
A selva é escura e estás sozinho
com tua guitarra e tua memória
no meio do caminho.

2. Ninguém sabe o que está a acontecer
perdemos o comboio foi o que foi
(pelo menos é o que dizem os entendidos).
O certo é que os dias estão mais curtos
e há folhas a cair nas sílabas de Setembro.

Recordas a partida e a viagem
e a tua alma está sentada numa estação qualquer
perplexa
como se tivesse perdido a memória e o lugar.

Talvez te faça bem um copo e um cigarro
Nada de pânico: a crise está no tempo
e ninguêm sabe a direcção.

Recordas os dias longos do Verão
as folhas caem-te por dentro
Setembro é o teu sítio e estás sentado
à espera
de um sentido. (...)"

Manuel Alegre, 30 Anos de Poesia

PS? Agora o Quim já sabe o que fui fazer à cabine de voto.

Queria linhas, na Linha do Norte

Mudei. Queria linhas na Linha do Norte. As linhas fecham mais, sem fechar. Acomodam. Aconhegam. Mais bonito e mais quente. Gostam do verde ?... tendo a gostar. Podemos imaginar o verde das janelas dos comboios furiosos na paisagem... ou mudamos.
M, reparo agora que arrasei com as tuas alterações nos links... dás um jeitinho ? o outro post foi um erro.

BONITO DE VER

Cheira a M este verde sobre o cinzento. bonito de ver. ou será uma linha de H, sempre surpreendente. recolho humildemente a declaração de princípios, porque até hoje não saberia fazer melhor. é o verde-páscoa das preces e o cinzento do triângulo ao minho, quando os flashes e os isqueiros iluminavam apeadeiros de abrigo contra o frio. ando muito vaidoso por vocês, até fui votar a rir e encontrei o quim-bolas na presidência da mesa. não lhe disse do meu voto, disse-lhe que existimos e tenho a certeza que foi para ele a grande surpresa da noite. vou voltar ao blogue. preciso de fazer a barba para amanhã e aí há agora um espelho mais certeiro.
D em Coimbra B

domingo, janeiro 22, 2006

quando sonhei esta linha


entre nós, esta estrada larga, imaginei-a no presente, serpenteando até ao futuro, desenhando um percurso que pudéssemos fazer mais juntos que o que os Km e a vidinha nos têm permitido. e sonhava mais juntos por causa das palavras escritas, esse privilégio infinito com que fomos bafejados e que alicerçou a nossa vida, em partes iguais com o betão dos abraços e o aço da intimidade. imaginei assim uma linha moderna, cruzada por alfas pendulares habitados por criaturas repletas de ipods, mp3 e blue teeth, linguarajando links, copy-paste e templates.

não imaginei - nem deixei de imaginar, não desejei, nem deixei de desejar - que iriam comparecer sem serem expressamente convocados, quais janelas de pop-up abrindo-se com insistência nas fímbrias do presente, a nossa história e o que dela ficou escrita - a ferro e fogo - na nossa pele, as palavras desse passado, coladas para sempre ao presente, todo o alfabeto dessa alegria, todas as músicas, todo o imaginário indelével que constitui a hipertextual declaração de princípios do blog, do princípio do nosso infinito mundo.

posted by M em Campanhã

PS são, assim, não só permitidas, por tempo indefinido, como oficialmente convocadas à linha do norte , as janelas de pop-up da memória.

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Respondo cansada.
Agora deitava-me sobre o soalho de madeira como outrora, enfiada no saco cama, era à epóca ainda a Macieira e o SG Ventil e estava pronta para a noite feita de conversa sussurrada... umas vezes riamos perdidamente, outras falavamos bocados entre a felicidade e a tristeza.

Deitava-me. Encostava-me bem e dizia: " Sim D. Precisamos de uma viagem imensa... um contorno no mundo e no tempo. Eu vou. Preciso da certeza de haver uma viagem para cumprir. Não é preciso, bem sei... mas seria desafiante falar-mos de como a vida nos fez e nos fizemos. Como foram as feridas e como foram as alegrias. Como se passou. Falariamos doridamente a rir de tudo,suspeito... conta com a maior resistência de M. Mas viria também, a vapor, mas vivira. "
Lembro este cansaço no corpo e como ele, outrora, era feito de muitas noites por dormir, de muita cumplicidade, de muitas paixões e como se adensava triste e doloroso em Coimbra-B. Como se nas nossas vidas, essa estação, sempre tivesse sido o lugar do mundo para o fim. O último abraço, o último beijo já a gretar a dor, muitas vezes a luz do entardecer e o aperto na garganta. Se é certo que era também o lugar do mundo para o começo, a alegria sempre teve formas mais serenas e subtis de se deixar na memória.
Quando não assino, sou H em Stª Apolónia.

sábado, janeiro 21, 2006

na linha do norte

"o caminho mais seguro para chegar ao verdadeiro futuro, porque existe também um falso futuro, é ir na direcção em que o teu medo cresce" (Milorad Pavik in Dicionário Kazar)

D, não acredito, tu guardaste os sobrescritos que te enviávamos para Coimbra B?

Portanto, se não está assinado, trata-se de H, em Stª Apolónia, certo?

posted by M em Campanhã

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ORIENT EXPRESS

Anda há tempo nos meus favoritos. Orient Express. Gostava de vos levar um dia, em waggon de luxo, para os territórios de Khazar, minha versão masculina e ouvir por lá a história do ovo e do arco do violino, ver em Constantino a terceira ruga, a ruga eslava, a descer pela testa como uma gota de chuva...
Por M e H, na versão feminina, admito encontrar-me com Al Bekri, o espanhol, cronista da polémica Khazar e beber com ele um copo servido no waggon 21 (peça actual de material circulante de embarque do Alfa em Coimbra - B). Quem sabe se não encontramos 1 mês na linha da vida, anos próximos, para descermos a este compromisso. Fica a promessa. Vou agendar com o Constantino e telefonar ao Al Bekri para acertar as agulhas.
D em Coimbra B

COMBOIO-CORREIO


Esta linha do norte foi inaugurada sem Ministros, discursos e porto-de-honra com um comboio-correio a partir do apeadeiro H, em Gibraltar (AGO81) e encontrou água para abastecer a máquina no apeadeiro M, em Valadares (OUT83). Mostram-se aqui os documentos que o maquinista guardou da fornalha e da gravilha. Eram linhas pouco firmes de palavras, que o tempo e as vidas tornaram paralelas, consistentes, nunca concorrentes. Um dia destes o maquinista terá a ousadia de abrir o baú da correspondência e convidará H e M para arejar as escritas guardadas de D nas "altas fidelidades". O comboio vai firme. "Vai entrar na linha 1 o comboio procedente de Porto-Campanhã com destino a Lisboa-Stª apolónia. Fico atento à sua passagem e, se pararem, haverá bar-aberto, música, banho e roupa de cama.
D em Coimbra B

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Foi assim... sempre a ouvir na linha

A esta hora talvez já não haja comboios. Estações de portas fechadas. Mas se encostares o ouvido ao carril, ouves... como sempre. Foi o que nos aconteceu este tempo todo. Pousavamos o ouvido sobre o ferro frio e sabiamos que, mais do que os comboios circularem de norte para sul ou ao contrário do vento, cada um de nós estava lá. Na linha do norte. Sempre nos ouvimos assim. Cada um na sua estação.

a ver se apanho o próximo comboio


que já estou atrasada. pouca terra pouca terra pouca terra.

M em Campanhã

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MEDO DE AVIÃO - VERSÃO LIVRE


Aconteceu na ponte-aérea Rio-São Paulo. O tempo estava feio, tempestuoso, os passageiros entraram em pânico e começaram a rezar. D (com perturbação de pânico!) ao lado do cantor Ciro Monteiro, ouviu este apelar ao seu Santo de fé - São Teotónio. "Valha-me São Teotónio, valha-me meu santinho". Quando o avião aterrou no Rio, D perguntou a Ciro que história era aquela de São Teotónio. "É um Santo português, 1º prior do Mosteiro de Stª Cruz, em Coimbra, amigo de D. Afonso Henriques, tão antigo que anda meio esquecido e, por isso, está sempre disponível. Os outros, Santo António, São Francisco e São José são muito requisitados; Stª Apolónia é só reuniões e está farta de aviões; São Bento é um doente crónico e faz-se sempre representar por Campanhã e nenhum deles tem tempo para atender os pedidos, explicou o cantor."
MORAL de D a beber uma caipirinha: "ninguém é importante se não está disponível!"
D em Coimbra B

No Fim do Mundo

H em Minesota

Cheguei

Chegeui, atrasada um pouco, ainda a tempo de em movimento lento e inicial apanhar o comboio. O copo. O tempo e o relógio. Está frio. Pesa a mala. Ajeito o jeito. Cá vamos... deixo azul esta estação que já foi ocre. Nesse nosso tempo.

quinta-feira, janeiro 19, 2006

PARA STª APOLÓNIA E CAMPANHÃ























MADRIGAL MELANCÓLICO

Raramente lá vou, mas sempre
que passo na cidade, junto ao rio,
é o jardim que procuro primeiro,
onde o amigo colheu há tantos anos,
para me dar, a flor da canforeira -
Coimbra é ainda essa flor,
e na memória que bem que cheira.

Eugénio de Andrade

Post no copo de Coimbra - B

Á ESPERA EM COIMBRA - B


Sou tão enthusiasta pelos caminhos de ferro, que, se fosse possível,
obrigava todo o paíz a viajar de comboio durante 6 meses.

Fontes Pereira de Mello

APEADEIRO


A BENÇÃO DA LOCOMOTIVA

A obra está completa.
Amáquina flameja,
Desenrolando o fumo em ondas pelo ar.
Mas, antes de partir mandem chamar a Igreja,
Que é preciso que um bispo a venha baptizar.
Como ela é concerteza o fruto de Caím,
A filha da razão, da independência humana,
Botem-lhe na fornalha uns trechos em latim,
E convertam-na à fé Católica Romana.
Devem nela existir diabólicos pecados,
Porque é feita de cobre e ferro; e estes metais
Saem da natureza, ímpios, excomungados,
Como saímos nós dos ventres maternais!
Vamos, esconjurai-lhes o demo que ela encerra,
Extraí a heresia ao aço lampejante!
Ela acaba de vir das forjas d'Inglaterra,
E há-de ser com certeza um pouco protestante.
Para que o monstro corra em férvido galope,
Como um sonho febril, num doido turbilhão,
Além do maquinista é necessário o hissope,
E muita teologia... além de algum carvão.
Atirem-lhe uma hóstia à boca fumarenta,
Preguem-lhe alguns sermões, ensinem-lhe a rezar,
E lancem na caldeira um jorro d'água benta,
Que com água do céu talvez não possa andar.

Guerra Junqueiro

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