terça-feira, dezembro 22, 2009

Cartão de Natal 2009

Aqui estamos com o velho material circulante. Este ano deu-nos para um espaço sem neve, apenas fresquinho, onde podemos aquecer os corpos na fornalha se o frio nos chegar às orelhas.
Uma paragem nas gares afectivas e neste apeadeiro sem dono para trazer os baldes de flores e as abóboras para as filhoses.
A Helena trouxe chocolates e ginja de Óbidos e está lá atrás a fazer um bolo com aspecto delicioso. A princípio quis isolar-se um pouco por causa da gripe, mas a Mónica garante que é uma gripe como as outras e que podemos todos tossir e espirrar em paz sobre as palhinhas do Menino Jesus. Temos um presépio grande na penúltima carruagem, conseguem ver?
A Mónica está a cortar as abóboras e a fazer filhoses com uma receita da avó e, pelo corredor, vai dispondo os baldes de flores ao longo das carruagens, bebendo uma ginja roubada da garrafa da Helena.
O David trouxe um exemplar do Borda de Água para ler futuros, vinho e nozes, feito e colhidas por um padre de antigos tempos, põe lenha de oliveira na fornalha, cuida mesa que este ano é posta na locomotiva e enche pequenos pratos de azeite para molhar pão fresco ou os dedos para quem lhe apetecer também rezar e tirar o quebranto a antigos sustos. Tudo se afina como os fios de azeite.
Toca a sineta enquanto a Mónica não põe música. Juntam-se agora os três à fornalha a ver o que falta. Faltam vocês, amigos de sempre. Preparem-se. Alguém que traga açúcar para borrifar as filhoses, com a pressa esquecemo-nos. Ainda pararemos uma vez no último apeadeiro para os que quiserem entrar. Erguemos agora um copo e falamos num registo de falar de coisas antigas. Rostos, sabores e lugares. FELIZ NATAL 2009.

DHM

sábado, dezembro 19, 2009

os carros também se abatem


antigamente, os carros morriam como as pessoas. alguns, prematuramente, em acidentes violentos. outros, a maioria, morriam devagar. iam acumulando ruídos, dificuldades, começavam a ir mais vezes ao mecânico, gastavam cada vez mais óleo, pediam-nos redobrados e paliativos cuidados e, um dia, não acordavam da sua imobilidade.

se os donos eram mais negligentes, ficavam encostados numa berma em lenta decomposição. se mais estimados, eram trasladados para sucatas onde os seus orgãos eram vasculhados num processo estimavelmente ecológico e, peça por peça, regressavam ao pó metálico de onde tinham vindo.

por vezes, antes que adormecessem de vez, os carros velhos eram vendidos e, com sorte, ainda podíamos cruzar-nos com eles uma vez por outra e desse modo saber que continuavam vivos e em boa circulação. aconteceu assim com o mítico NSU Prinz 1000 que os meus pais tiveram nos anos 60 e 70: vários anos depois de ter sido vendido, ainda acontecia cruzarmo-nos com a sua inesquecível matrícula HC-64-29.

mas hoje os carros velhos já não interessam. nem que tenham sido os nossos companheiros de uma vida - ou mesmo, à falta de cão, mais um fidelíssimo membro da família. e, mesmo que não estejam propriamente velhos, basta já não serem novos. poucos interessam. pior, interessa que sejam eliminados, abatidos. é o ecologicamente correcto que inventou esta espécie de eutanásia automóvel.

o nosso polo vai ser abatido. foi o nosso carro por quase onze anos. veio para cá era o F bebé e já viu nascer a I . levou com as suas migalhas de bolachas e com os seus vómitos de viagem. carregou-nos e às nossas infindáveis tralhas por todas as nossas férias. deu-nos segurança e reservou sempre um lugar para o nosso anjo da guarda nos acompanhar não fossem os perigos da estrada espreitar-nos. nunca nos deixou ficar mal. nem uma vez. adeus.

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sexta-feira, dezembro 18, 2009

Bonança no deserto


© Algeciras 1991

Em 1991, a 06 de Outubro, tenho ideia lida na página do El País a bordo do barco entre Algeciras e Ceuta, que Cavaco Silva tinha obtido a sua segunda maioria absoluta. Pontuar o tempo. Partia para Marrocos. Expedição «Bonança no deserto». Ainda no porto, a curiosidade dos olhos reteve esta imagem da luta do «pueblo Saharauí» num caixote de lixo. Ficou por memória. Ninguém da comitiva comentou o assunto, ou por pura ignorância, ou por maior desejo de chegar à África prometida e ao deserto, objectivo primeiro.
Tivemos poucos problemas na fronteira da linha da frente polisário. Divertimo-nos como meninos com baldes e pás na areia. Ali coleccionei o meu maior número de estrelas e trouxe na garrafa de água como a da foto, «Sidi Ali», uma quantidade única de areia de Erfoud para um dia encher uma clepsidra. Outra vez pontuar o tempo.
Aminetu Haidar devolveu-me a memória. Mais que a causa, procura os filhos como as árvores procuram o sol, fototropia.
Fez greve de fome, esse alimento do protesto inseguro. Ouvi hoje que um avião-médico a devolveu à areia, à natureza da sua idiossincrasia. O caixote do lixo ficará vazio de protesto. Que coma um pão marroquino e um prato de couscous, beije os filhos, mantenha-se inteira e que o Rei retire os cavalos da praia.

quarta-feira, dezembro 16, 2009

a gripe

foto tirada por um colega frente ao ministério da saúde espanhol. tudo o que por cá ainda falta assumir. o que, à medida que o tempo passa, fica cada vez mais difícil de explicar .

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sábado, dezembro 12, 2009

instrumentos da paz


esta foi uma das prendas que a I recebeu pelos seus recentemente completados 9 anos (felizmente, este ano, entre as prendas contaram-se vários livros). e, como ela pediu para eu me sentar com ela no sofá ("em vez de estares no computador"), eu, curiosa por este título que a Inês me anunciara como um dos favoritos lá de casa, sugeri que então aproveitássemos para o lermos juntas, retomando um hábito gostoso perdido com o crescimento dela e (mais ainda) do irmão.

começamos nessa noite, já por dentro do sonito dela que, não obstante, queria continuar. na noite seguinte, depois da costumeira ordem de pijama e lavar dentes, aparece-me outra vez com o livro, queria continuar a lê-lo comigo. pelo meio ia-lhe explicando algumas palavras e conceitos mais difíceis e ela sempre ansiosa pela parte em que - a amiga Sara tinha-lhe avançado esse pormenor - Madre Teresa salvaria um bebé deitado ao lixo. confesso que da história da Teresa de Calcutá conhecia apenas generalidades e, como a I, fui ficando presa ao livro à medida que avançávamos na sua história de incrível desprendimento, de fé nas pessoas e de preserverança.

na terceira noite, o livro quase a acabar, conta-se do prémio Nobel da paz que Madre Teresa foi receber à fria Suécia envergando apenas o seu sari branco com duas riscas azuis e de como ela recusou o banquete habitual, pedindo que o dinheiro que este custaria fosse aplicado nos seus pobres. e quando li que o discurso de Madre Teresa na academia sueca foi a oração de S. Francisco "Senhor, fazei de mim um instrumento da vossa paz", fui surpreendida por umas lágrimas teimosas e por um nó a amarrar-me a voz.

afinal, esta prenda também era para mim. obrigada Sara. obrigada Inês.

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sexta-feira, dezembro 11, 2009

Paz em Copenhaga

Paz! Oslo! Prémio Nobel. O raPAZ Barack foi depois aterrar a Copenhaga a convite do governo dinamarquês para tossir que pensa despoluir. Leva na malinha-de-mão um genérico a substituir o protocolo de Quioto. Sim, na viagem, falou com a nomenklatura da China e da Índia, viciados na mesma conduta.
A hipocrisia mata! A poluição mata!
Se cada beijo dado no mundo (dos sérios!!!) fosse uma fonte de poluição, estaria na linha da frente a contrariar Copenhaga.
Beijo por beijo, fumo por fumo, guardo beijos por compor e fumo uma cigarrilha na mortalha do pensativo cigarro do Pessoa.

quinta-feira, dezembro 10, 2009

Minuto breve


Foi do vício do meu olhar.
Ou como se fosse um comprimido, daqueles que repõem serotonina e dão alegria ao sistema nervoso central.
Rever amigos que nos são queridos para toda a vida, tem em mim, mesmo num minuto que seja, esse efeito.
Aconteceu ontem na Figueira da Foz. E, garanto-vos, com a agenda a correr contra o tempo, apetece-me dizer-vos que estava bonita. O sorriso que puxa conversa melosa. O charme de sempre, agora mais cuidado pela idade. Outro encanto, ainda, em que ficamos comprometidos como quem afirma horóscopos, mesmo que isso seja um movimento de folha da árvore que abana, cai não cai, para nos deixar em cuidados futuros a pensar que um dia a vida nos recolha do chão.

sexta-feira, dezembro 04, 2009

privilégios


  • ter trabalho (desde o dia em que quis trabalhar e, muito provavelmente, até à reforma, viver nessa confiança)

  • achar que se faz bem o que se faz e ter-se gosto nisso

  • um dia, todos os meses, ter um salário, considerado justo

  • poder trabalhar parte do horário em casa

  • poder escolher uns dias trabalhar mais para, noutros, sair mais cedo ou entrar mais tarde (ganhar nisso uns pedaços de manhã na cama ou uns fins de tarde ao borralho, ou na rua, buscar filhos à escola, acompanhar os TPC ou sair de casa sem destino)

se pudesse, partilhava estes meus privilégios neste Natal


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