quarta-feira, fevereiro 27, 2008

Ângulos de Madrid

O trabalho levou-me a Madrid. No tempo curto disponível, dois ângulos de observação: aviões e comboios (metro incluído). Dos aviões, pergunto-me se a relação entre o preço de um bilhete e a sua rapidez da viagem ainda vale a discussão do TGV. Saltei Lisboa-Madrid-Lisboa sem tempo para um copo, ali logo por cima de Toledo comemorando tratados, mesmo que o quisesse pagar. Mas, porque perto do trabalhinho, fui cheirar a estação de Atocha e ver alinhados para serviço três “AVE”, a «alta velocidade española» com destinos que apetecia cumprir, esse vício antigo. No jardim soberbo de Rafael Moneo, palmeiras borrifadas a humidade como o cubículo fechado dos tabacos no aeroporto de Barajas de onde trouxe para o pulmão umas cigarrilhas no mercado duty free, apeteceu almoçar num daqueles restaurantes suspensos, sim, Babilónia em castelhano. Dito isto, aceito o nosso TGV. Não tanto pela partida, mas pela chegada. Tens agenda para um almoço em Atocha?

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

silêncios, apenas...


Há silêncios que se fazem de coisa nenhuma.

Preguiçam o inverno no branco das folhas. Não deixam palavra, porque não choveu nas goteiras das páginas.
Silêncios de espera. Que ela, a história ou o dizer, entre pela porta ou pela janela se houver vento.

Há silêncios que são assim, calados. Nem tristes nem felizes, apenas calados. Instalaram-se no sofá da sala, cruzaram as pernas, olharam de soslaios os livros e acenderam o cigarro.

Há silêncios que se fazem como comboios na ida e na volta, sem deles se apearem. Sentados à janela a espiar a alma dos outros ou só do mundo.

domingo, fevereiro 24, 2008

trumpets



como é que me fui esquecer que existia esta música em que envolvi vários dos meus amores mais desalmados? deste piano, desta voz, destes lábios que a cantam? como? onde está a K7 onde o Carlos G me gravou esta e outras músicas (ramos de flores raras e dissemelhantes que subitamente eram a própria harmonia do mundo)?

perdida no avassalador que é December, do primeiro album dos Waterboys, também nunca mais me tinha lembrado do segundo (um vinil cheio de riscos que guardo não sei para quê): A Pagan Place. o album de Red Army Blues, a canção que me provou a existência da alma.

os Waterboys vêm tocar a um pavilhãozeco em Gaia um destes dias e dei comigo a vasculhar no baú, tentando saber que músicas iam tocar (estou a delirar ou há tournées em que o alinhamento das músicas no concerto já vem nos jornais no mês anterior?). lá caí no site dos rapazes e, daí até estar no iTunes a gastar dinheiro foi um milissegundo. claro que não vou ao concerto. não me acredito que haja piano no concerto, nem trompetes, nem que toquem uma só destas que fazem a minha paixão pelo grupo. e já não posso ouvir o The Whole of The Moon nem o Fisherman Blues. e tenho medo que falhe a voz ao Mike Scott como ouvi a falhar ao gajo dos Led Zeppelin há anos num Live Aid.


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Fidelidade

Parece que Raúl sucede a Fidel. Na sua carta de renúncia à presidência de Cuba, Fidel Castro refere que pensa «como Niemeyer, que foi consequente até ao fim». A soberania popular aceita e nomeia no lema «pátria o muerte!», restos do marxismo-leninismo. Os saudosistas da Sierra Maestra, europeus e americanos, cantam as antigas letras de luta. Os dissidentes que se aguentem. Se a ilha fosse um reino, seria uma sucessão. É uma república! Então, como na gíria futebolística, não foi um acto dinástico, antes uma lateralização da ilha para um irmão.

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Anseios

Se calhar, a última fogueira da época deste Inverno. Tinha-a preparada desde segunda-feira, à espera de uma noite que a merecesse. Foi hoje. Risquei o fósforo e toda a sala se iluminou.
A mesma luz quando passas a porta para dentro e dizes «boa-noite!».
A mesma cruz quando é apenas sobrenome do meu nome.
A mesma reza ao teu Jesus, que cresce milimétrica, quando dizes que não vens e assim cresce o coração, mãos de pedra em oração!

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Porosa vida

As datas que adiamos, porosas como a carcaça de uma navalheira. Assim anda a nossa vida. Passamos recados uns aos outros como senhas de presença, a fugir, fugir. Dissonância funcional, fazer fumo a pensar em fazer fogo. É um jogo com regras da arca dos tempos, sensual, desejoso de jogar, porque carrega sempre a pergunta «quando será?» E todos respondem «é ali, deixa fazer um pouco de sombra, há tempo de sobra!». Esta porosa correria é o nosso destino. Tão ínfimo e tão precioso como a quantidade de água no bico de um pássaro. Ainda bem, jogo bom, que só no essencial nos precisamos.

domingo, fevereiro 17, 2008

uma selva em vez de um país de cristal

é um menino de sete anos e a mãe conta que ele se queixa que lhe dói quando faz xi-xi. peço-lhe que faça um pouco num copinho para uma análise rápida e ele vai sozinho para a casa de banho enquanto a mãe fica à minha frente a arrastar palavras exaustas. não os conheço (é uma urgência de fim-de-semana) mas sinto que talvez seja esta mãe quem está verdadeiramente doente. passado um pouco ela vai juntar-se ao filho. demoram muito. chegam mais pacientes para consulta e eles sem regressarem com o copinho. é frequente as crianças demorarem nisto e decido avisá-los que irei vendo outros pacientes, que me avisem logo que tenham alguma coisa. encontro a mãe de cócoras no chão da casa de banho, aos gritos “eu não aguento mais”, o menino atónito e assustado, sentado na sanita em frente. falo devagar e baixinho, que espero por eles, que levem o seu tempo, que bebam um pouco de água, que compreendo o rapaz, nem sempre se consegue quando se quer.

duas consultas depois vêm de copo quase cheio. a mãe pede desculpa pela cena de há pouco, mas é que se sente tão cansada que acha que não aguenta: "o pai sempre fora, os filhos sempre doentes". peço-lhe que não chame doença a isto, que é uma situação banal e se resolve facilmente. depois conta que o menino na escola se recusa a ir ao wc. e o que é que se passa nos wc da escola para o menino ter medo de lá ir? sabemos que esses são frequentemente sítios de violência contra o mais pequenos. e ela conta, que sim, que lhe amarraram o filho, o vendaram e lhe raparam o cabelo. e que foi à escola e exigiu que se identificassem os alunos responsáveis mas foi avisada que os respectivos pais nunca compareceriam; que falou ela própria com a mãe de um deles e que teve de ser salva por outras mães pois ia sendo também agredida. que se juntou a outros pais, falaram aos responsáveis da escola e fizeram colóquios sobre o bullying, mas que a violência continuava. alguns dias atrás uma aluna do 6º ano tinha precisado de socorro hospitalar depois de ser violentamente agredida.

as palavras saem-lhe cada vez mais exaustas mas quando a olho vejo uma mulher como eu – o mesmo instinto de protecção das crias, a mesma força, a mesma fragilidade – só que sem o dinheiro necessário a escolher uma escola para os seus filhos. e de como isto pode ser a diferença entre um país de cristal e uma selva.

quando diz que este filho é o mais novo e que com a mais velha foi um pouco mais fácil porque ela se sabia defender, e este não, “deixa-se ficar”, nesse momento começa o rapaz a falar “deixo-me ficar? Mas eu agora tenho uns paus e bato nos meninos todos”. e a mãe confirma que agora até já foi chamada porque o filho começou ele próprio a bater. mas aqui o menino já não a deixa falar e conta da pedra que arremessou, muito maior do que a lhe atiraram a ele; e dos vários paus de que dispõe e de como engana as empregadas para entrar pela janela no wc delas, mais seguro. e de como atirou um dos maus a abaixo de uma árvore. e não pára de falar enquanto a mãe se despede e o leva para fora do consultório.

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sexta-feira, fevereiro 15, 2008

à distância

não me acredito nesses números. haverá 3,5 milhões de portugueses a navegar na net? não coincide com a minha casuística de vida.

de resto não me repugna, que as pessoas estabeleçam contactos pela net. na minha infância e adolescência (anos-luz antes da net) tive vários correspondentes estrangeiros cujas moradas arranjava não sei bem onde e que se tornavam meus confindentes e as minhas janelas para outros mundos. também me escrevi intensamente com pessoas que antes vira apenas uma ou duas vezes. isso não inibiu a minha vida social, mas tornou mais suportável a solidão interior, a impaciência e todos os terramotos dessa fase da vida. também me ensinou a escrever e o que se pode fazer e até onde se pode ir com o que se escreve. e que as pessoas às vezes têm coisas dentro delas (tesouros), que não são facilmente aparentes.

se houvesse net quando eu tinha 13 anos, iria certamente ao Hi5 (que hoje nem sei bem o que seja), ao messenger, teria pelo menos 2 blogs (num dos quais escreveria sob anonimato total) e seria dependente do YouTube e de todos os sites onde pudesse encontrar as músicas da minha vida. e hei-de jurar que cresceria melhor que o que cresci.



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quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Profissional Moisés

© Rita Silva
Chamava-se Moisés Caldeira. Homem da Gândara, profissional do vinho, dedicando os dias ao prazer do copo, afirmava sempre em cada dia de S. Martinho:
- Sou um profissional. Hoje não bebo. Hoje é para os amadores!

Neste dia de S. Valentim, apetece-me dizer quase o mesmo:
- Hoje não há espaço, nem músicas, nem fotos, nem porta aberta, nem fogueira acesa, nem copo na mesa, nem cicatrizes de ontem, nem feridas abertas, nem poeminha na borda dos lábios a cair como as pétalas das flores, nem palavras para o amores. Hoje é para os amadores!

we belong together

uma canção de amor. para o amor. para hoje.

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livros que me pertencem


depois do filme que vi e tresvi sempre de olhos toldados naquele final demasiado belo, comprei este livrinho no Verão de 91, numa livraria de praia da Riviera italiana. é um livrinho precioso: um palmo de altura, uma bela fotografia na capa de papel riscado, áspero e convidativo e folhas grossas amareladas. mesmo sem saber italiano li-o mais que uma vez (basta dizer alto o que se lê para entender tudo) revendo de cada vez as imagens do filme. guardo-o, para sempre, entre os meus maiores tesouros.

um livro - melhor, um filme - para um dia de namorados. uma história do amor total, do amor que teimamos único apesar de todas as repetições.

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terça-feira, fevereiro 12, 2008

La Tarara, sí!

Impressionante quando vasculhamos o baú. A passar para o iPod, correndo as estantes dos discos, uma preciosidade num disco do Federico García Lorca. La Tarara, sí, La Tarara, no! A letra não é propriamente a mesma que cantávamos. A melodia, sí! Memórias de lugares, dedos firmes para violas, vozes roucas do frio da manhã que logo se recuperava com uma «zimbrada» no Cântaro Magro ou num abraço tão comprido como a lagoa. São estas pequenas prendas que nos ensinam o passado e o presente como a matriz química dos sais e dos açúcares, matérias incompatíveis com distintos sabores.


Pautada indecisão


Diz-me lá!
Que farias
com quatro conchas
uma agenda
dois búzios
e um brinco de prata
se fossem uma doação?

Puxa lá pela imaginação!

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

Timor a tiro

aqui deixei o meu desprendimento. José Ramos Horta foi ferido a tiro em sua casa, democracia de porta aberta à intolerância. Um tiro num prémio Nobel da Paz é um tiro na «mouche» para quem ainda se alimenta de guerra. Não foi o Shuarto, garantem todos os bichos que agora lhe comem o corpo. Parece que não corre perigo de vida. Perigo corre Timor a dar tiros nos pés.

domingo, fevereiro 10, 2008

domingo ( meu...)


sábado, fevereiro 09, 2008

arder-me sem palavras


quinta-feira, fevereiro 07, 2008

Rebaptismos

A correr a memória, lembro-me de Poço de Boliqueime para Fonte de Boliqueime. Cavaco meteu água nisso. A caminho de casa, há uma povoação chamada Vilamar, que antes era tratada por Escumalha. O ouro dos ourives ganhou poder, mudou o nome, mas ainda me lembro do gozo de se dizer, perguntando: «De onde é? É de Vilamar da Escumalha!» - o ouro não compra tudo, filhos da onça. Vem isto a propósito de coisa mais séria. Uma povoação chamada «Malvado». Terra de emigração, anos 60, as cartas eram o meio mais directo de chegar afectos às famílias que ficaram. O conteúdo era, em erro ortográfico, ternura e saudade. O envelope tinha no destinatário, «Malvado – Portugal.» O malvado Portugal que obrigou tantas famílias a emigrar. Devolvidos à terra onde estive, contaram-me esta história. Hoje chama-se, lembro também a correr a memória, «Vale da Oliveira». O percurso do olival à sabedoria do azeite. Esse mais digno sofrimento.

vasculhar passados II

outras das actividades ilícitas em que fui envolvida desde a mais tenra infância foi a passagem de bens não declarados pelas fronteiras Portugal-Espanha. a Tuy íamos periodicamente atestar a despensa de caramelos, Cola-Cao e latas de melocoton. o NSU Prinz da família tinha uma espécie de gavetas sob os bancos traseiros onde escondíamos toda a mercadoria. depois ficávamos horas numa fila, juntamente com mais de metade da população do norte do país, à espera de vez para sermos inspeccionados pelo funcionário que, no lado português, dependendo da disposição, ora nos mandava avançar, ora pedia para ver a mala, ora procedia para mero interrogatório (mas nunca espreitava os bancos secretos).

e nunca nos correu mal a fita. fomos ganhando à vontade e passámos assim pelas fronteiras não só a doçaria responsável pela destruição dos meus dentes, mas também um triciclo cromado trazido de Sevilha, uma máquina de costura Husqvarna que veio da Suiça, uma tenda de campismo familiar e uma canadiana compradas em Andorra, sapatilhas, máquinas fotográficas, etc.

mãe e filhos instruídos pelo pai no essencial deste contrabando caseiro, eu vivia este delito com um misto de temor e de gáudio, o mais perto que já tinha estado de uma cowboyada a sério. cresci a achar naturalíssima ideia de ludribiar a autoridade. depois continuei a crescer e hoje acho outras coisas, mais duras e coerentes. mas se eu fosse algum dia, digamos, ministra dos negócios estrangeiros, ou das finanças, decerto iriam descobrir esta mancha no meu passado.

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à varanda


vivo contente estas tardes de quase Primavera porque a mim ainda não me roubaram a Lapa nem as árvores que me separam dela.

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Vida no iPOD

Tenho andado estas noites a carregar o iPOD. Dá trabalho, mas um gozo absoluto. Ouço músicas que não sabia que tinha. Organizo os CD’s. Umas lembram-me lugares. Outras trazem paisagens inacabadas como aqui já tocaram em música de palavras Pitões das Júnias. Umas cantadas nas noites, outras lembrando horas da luta dos dias. E poesia que pontua desejos, a palavra exacta que entra como um tiro de revólver pelos ouvidos. E depois o fascínio pelas capacidades do mundo giga, cabendo tudo (tanta coisa, tanta música) num pequeno espaço. A música trás também essa cancela do passado para passarmos, dubitativo tempo onde as coisas apenas aconteciam. Abraços-por-dá-cá-aquela-palha. Antigos intensos amores. Viagens sem destino. É o individualismo contemporâneo que não uso em excesso, porque quero ter ainda ouvidos atentos para outras coisas.


terça-feira, fevereiro 05, 2008

Pitões das Júnias II




(Mosteiro de Pitões das Júnias, 1 de Janeiro de 1988)




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entre Pitões e os Carris

(Gerês, 1993)

anteontem uma história como a nossa abriu vários telejornais. não fosse estarmos em Junho, talvez também tivéssemos que ser resgatados de helicóptero. nós, sim, inconscientes (nem montanhistas, que fará experientes, nada).

dividimo-nos em 2 grupos: 5 partiram de Pitões e 4 da Portela do Homem. havia umas cartas militares que alguns saberiam decifrar e nelas um ponto vago onde nos encontraríamos. uns pães na mochila, água, um saco-cama, cigarros e wisky (que serviu para desinfectar a ferida de um prego espetado no pé). andamos e andamos e andamos. e respiramos. aquele, seguramente, um dos lugares onde nos foi possível respirar.

quando a noite começava a cair e nos apercebíamos de quão vago se havia tornado esse ponto de encontro fixado no mapa, ouvimos o assobio do outro grupo. tínhamos conseguido! foi uma festa e ficamos ali mesmo para passar a noite.

acordamos de madrugada com uma violenta tempestade: relâmpagos, trovões e chuva torrencial. só nesse momento me ocorreu: que podíamos ficar ali, reféns da natureza e da nossa imprudência. imaginei os telejornais, senti-me pequena, minúscula, faltou-me subitamente todo o ar já respirado. mas passou depressa: afinal não passava de uma rápida tempestade de Verão. pusemos os pés ao caminho (desta feita todos juntos em direcção à Portela visto que o troço Pitões-Carris foi descrito como irrepetível pelo grupo que o fez) e sobrevivemos para contar a história.

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Pitões das Júnias


Ontem diziam as televisões que três pessoas se perderam em Pitões das Júnias. Disseram-no pela noite dentro. E eu voltei a Pitões... como em alguns dos fevereiros antigos. Voltei ao lugar do silêncio. Sem a Renault azul e sem as sebentas de álgebra para estudar, porque acreditavamos nós que ali o tempo era infinito e a matemática se saberia com o vagar das serranias. A Maria, de negro, esperava-nos sempre na casa de pedra e deixava-nos o quarto do 1º andar a dar para o longe do mundo.

O mosteiro escondido no vale, as caminhadas pelos penhascos, o silêncio do mundo e o vento, a aldeia e a hora do recolher do gado, o cheiro a lenha a arder por dentro das casas e a proximidade do fim, da fronteira, do limite. O resto do mundo logo ali em Espanha, na divisória de urze, que é assim que o mundo se delimita nos lugares onde o silêncio vem morrer com pertença.

Ás vezes Montalegre para comprar rolos de fotografia e beber um café. Telefonar para casa e comprar o jornal. Fevereiro sem Lisboa e com o fim do mundo, possível.

Pitões é-me um lugar de memória granítica. Bonito em mim, como nenhum. Também um nome e um homem. Um amor. Um vento. Um tempo. Perdida em Pitões.

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

Francisco Botelho in perpetuum

© Bridgink

Conheci o Botelho (assim o tratava) há 15 anos nas guerras do desenvolvimento local, nos fenómenos de intervenção social do hoje chamado terceiro sector. Era, como afirmou um dia, «um Ribeirapenense por opção e devoção. Cidadão activo e participante na área da cultura e do desenvolvimento. Com opinião e ainda com uma réstea de esperança.»

Um homem dedicado a Ribeira de Pena e toda a região envolvente, camiliano sem queda para anjo. Habitámos este tempo no mesmo ofício. Sem nos vermos amiúde, tínhamos o mesmo ferrete do esforço pelo saber para depois o partilhar, pontes de arame, sendo tantas vezes a distância um Atlântico tão nosso, que nos fez reencontar há tempos em Salvador da Bahia, na mesma guerra dos costumes. Aí soube que estava doente. Depois estivémos juntos no meu Sicó uma última vez. Hoje fiz os muitos kilómetros que me separavam da sua terra para o adeus ao homem que me ficará vivo para sempre. Deixou promessas que queremos seguir. Deixou amigos que o querem continuar a cumprir. A Ribeira de Pena voltarei para o ouvir, porque lá quiz repousar como desejo das suas derradeiras escritas:


Plenitude
O silêncio…É certo que neste lento pôr-do-sol, o silêncio se ouve com mais força. Mas não é o silêncio. A tranquilidade… Sob a lua rompante, a natureza descansa. Alguns morcegos esvoaçam por sobre o pátio. A água corre no tanque, quase imperceptível. Tudo, na natureza, parece ocupar o seu sítio próprio. Mas não é a tranquilidade. A paz… De repente, dentro e fora de mim, tudo é harmonia. Neste momento preciso, tudo bate certo. Tudo tem razão. Mais, nada precisa de ter razão, porque o coração sente a plenitude. Mas não é a paz. Não sei o que tem este lugar. Só sei que é o meu lugar. Aquele em que tudo faz sentido. Aquele em que consigo reunir tudo o que há em mim. Sem dramas, sem ansiedades. Plenitude, talvez seja isso, o que me enche neste velho pátio da casa ancestral dos meus antepassados. Aqui vivo eu, aqui vivem todos os meus fantasmas, aqui vivem as almas de Santa Marinha. Talvez um dia me possam trazer para aqui para morrer. Talvez um dia possam espalhar as minhas cinzas por estes metros que a minha vista alcança. Porque mais do que qualquer outro sítio do mundo, eu pertenço aqui.

Francisco Botelho

vasculhar passados I

a propósito de mais uma trapalhada no passado do 1º ministro, lá me arrepio eu com a perspectiva de um dia me vasculharem o passado.

é que, muito antes de me licenciar - o que, já confessei, incluíu várias e acidentais irregularidades - comecei por ser aluna clandestina da 1ª classe. como nesse ano havia excesso de contingente, eu, fazendo 6 anos em meados de Outubro, não podia matricular-me. como também já aqui contei, andando eu na escola desde os 2 meses de vida, já lia e escrevia e portanto a minha mãe entendeu que não podia esperar mais tempo. arranjou-me então uma professora que aceitou manter-me clandestina na sua sala durante 1 ano (no fim do qual fiz o chamado exame de transição que me permitiu ingressar oficial e directamente na 2ª classe).

não se julgue que esta trapaça foi levada a cabo de ânimo leve. não: esclarecida sobre a ilegalidade da minha situação fui instruída para não me alargar em informações sobre a mesma. na sala, o meu lugar era bem ao fundo, para passar despercebida em caso de visita surpresa dos inspectores. cheguei mesmo a ser recambiada para casa 2 ou 3 vezes, de emergência, perante a ameaça de visita dos mesmos.

só me aliviava a consciência - e a culpa - o facto de haver outra menina na sala em situação ainda mais irregular que a minha (só fazia 6 anos em Janeiro!). aliás, sossegava-me bastante o facto da sua família ter um ar absolutamente normal (quando eu começava a duvidar da respeitabilidade da minha). o sossego definitivo chegou quando no tal exame de transição me vi entre várias dezenas de crianças exactamente na minha situação.

como é que depois desta espécie de começo de vida se cresce em responsabilidade, respeitando a verdade e a lei? não sei, só sei que é possível, mas não é assim de repente.

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Fontes Pereira de Mello II

gostei de saber que o FJV, se pudesse, também punha o país todo a andar de comboio.


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domingo, fevereiro 03, 2008

do lado de lá


Ás vezes encontramos as palavras exactas, tiradas da boca que as não diz, nos lugares mais insuspeitos. Como na crónica do semanário. Andamos tanto tempo com chuva e assim de repente alguém diz, quase perfeito, o que sabemos sem saber dizer.

Sábado tem o prazer acrescido da crónica de Luís Fernando Veríssimo, “ do lado de lá”, no suplemento Actual do Expresso. Cheguei a ele pela Mónica e aos sábados arescentei mais um prazer pequeno.

A deste sábado, “ Ter e não ter idade”, é particularmente bonita. Ora vejam:

“ Eu sabia que esse negócio de fazer aniversário todos os anos não ia dar certo. A gente acaba envelhecendo. Às vezes, me pego pensando no que vou ser quando crescer e me dou conta de como minhas opções diminuíam. Não tenho mais idade para ser nada. (...)”

sábado, fevereiro 02, 2008

música do crepúsculo

mais uma música perdida desde os anos 80 (quando me chegou pela mão do Diogo) e agora reencontrada. é de Wim Mertens, Maximizing the Audience (do album de 1985 com o mesmo nome), aqui retirada de um "Best of" da sua editora que não podia ser mais apropriadamente chamada: discos do crepúsculo.


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sexta-feira, fevereiro 01, 2008

Instante

Não fosse a hora a que agora me encontro comigo (nas lombadas dos livros da estante, instante, pensando contigo!) em Coimbra-B com os meus haveres, tão desprendidos de mim como a folha do Outono onde teimas em escrever orações para me rebaptizar nos teus costumes e, garanto-te, voltaria a pegar no carro, fazer correria, deixando nos vidros da tua janela um bafo, oxidação de desejos antigos, onde te escreveria com o dedo mindinho uma carta intensa sem as formalidades dos correios, riscando depois com o anelar uma senha para nos revermos, premonição de um eremita do Andes, tendo no fim a assinatura dúplice na estampa de um selo que, presumo, seria apenas mais uma tentativa picotada de um beijo.

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