quarta-feira, dezembro 22, 2010

Cartão de Natal 2010


Este ano juntamos neve nos pés. Cada um de nós trouxe um relógio velho e um mapa de Poincaré, subtraídos aos impérios do tempo de Peter Galison. Pronto, para que saibas, andamos a medir o nosso tempo e o nosso espaço desde o primeiro momento em que a vida nos fez juntar as mãos e o primeiro sorriso somado à primeira bica-de-água das nossas vidas.
Escolhemos neste ano uma casa no ventre do xisto. Não há riscos sistémicos nem mercados de futuros ou de saudades. Estamos juntos outra vez, a vida nos embale assim. A Helena trouxe um vaso de rosa-albardeira (que para mim são “cucas”, que na Sr.ª. do Círculo eram oferecidas pelos rapazes às namoradas) e deixou-as num vaso grande à soleira do relento, junto à janela de pedra, provocando os rapazes da taberna onde bebemos um café e a bagaceira a encorajar o caminho.
A Mónica trouxe umas fogaças da Feira, castanhas e, às costas, a ver-se da pequena mochila, uma grande ramada de rosmaninho e uma paleta de presunto que sobressaía na pouca luz do andando.
O David trouxe pão fresco, queijo como sempre trouxe, vinho e café. E música, um carrego de 24 giga num ipod sem saber onde o ligar.
Na entrada da casa havia um grande quadro de Matisse, grande nu sentado, em bronze, a convidar-nos a descansar. Havia também lenha para a primeira fogueira. Já está a falar connosco, seca como o tempo. Sentamo-nos à sua alegria. Pendurámos os relógios na cozinha – fica parado outra vez o nosso tempo! Abrimos os mapas no chão da sala – ficam outra vez traçadas as nossas vidas! Vinho, fogaças, castanhas que aquecem as mãos, tiras de presunto com pão e queijo, que mais queremos? A rosa-albardeira a dar bom cheiro, o rosmaninho a crepitar no fogo e um café lá para quando a noite começar a adormecer os braços com medo de perdermos os abraços. Música, esqueçam!!! Então cantemos.
Dizer apenas que já chegámos e que vos esperamos. A casa está aberta, há água quente na panela de ferro, as camas feitas. Tragam o vosso relógio e o vosso mapa. Sem isso, este ano não nos entendemos!
(Alguém bate à porta!)
- Helena, Mónica, quem vai abrir?
-És tu?
Então FELIZ NATAL 2010!
DHM

quarta-feira, dezembro 08, 2010

Quinta da Bonjóia




Estive lá domingo. Aniversário da I, pequena grande afilhada. Choveu muito na mistura de uma aragem quente. Gostei muito da quinta virada ao Douro. Da casa, amarela, incompleta. Das palmeiras que todas estas quintas tem, no fim dos jardins geométricos.

Mas duas pequenas coisas me fascinaram:

As camélias. No norte, as casas antigas ainda tem camélias. As mesmas do quintal da minha avó. Quase tinha esquecido as camélias…

O silêncio quente e chuvoso que teimava em dizer-me que ali viviam personagens da Agustina. Como se algum dos seus romances pudesse ter ali o seu lugar exacto. Como se aquela quinta pudesse albergar todas as suas personagens. Tão rente ao Douro. A mesma chuva e respirar temporal. Teimosia invernosa esta, de mudar o lugar à obra dessa mulher.

(Será por acaso que na Quinta, propriedade da Câmara do Porto, promove lá serões literários?)

Espanador de Angústia

Às vezes zango-me comigo. Não é frequente, mas acontece. Quando decido ser perversa comigo mesma, me provocar, me desafiar. São duas de uma que se empertigam. Uma cumpre e a outra decide desafiar ao incumprimento. Qualquer desígnio vale nesta espécie de tentação interior. Coisas pequenas, prazeres insuspeitos. (Des)alinho.
Fico zangada com moinha. Chuva pequena. Não é fúria, é só uma esparsa sensação de desapontamento, uma angústia diluída. Líquida.

Agora que o vento e a chuva acalmaram no mundo por instantes, a noite ficou insuspeitamente quente, a estrada sossega negra junto ao mar, logo agora, eu cinzento esta zanga. Era por ela que eu precisava de um espanador…

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