sábado, novembro 28, 2009

Dormitar

Jacek Yerka

A nossa linha está estendida a dormitar percursos. Busca o gato, miando, o seu dono. A última chávena do chá da noite deixando restos de mel no fundo dos cacos, como excessos de açúcar nos lábios durante todo o tempo em que se cumpriu mais uma noite.
Desliga a televisão, está desligada, que mais queres? Não atendas o telefone, olha o céu das flores que é a tua vida toda pendurada nas suas folhas. Apaga o candeeiro, ainda é noite, amanhã de manhã cumprirei o que me pedes ao ouvido. Não tens sono? Lê o resto do livro, há silêncio absoluto, o cão branco não ladra senão a estranhos. Ajeita a almofada, põe todo o nosso lixo de antes no esgoto e vem deitar-te. Ainda não nasceu o dia para que partas e me digas talvez volte uma outra noite para nos compormos.

sexta-feira, novembro 27, 2009

na caixa do correio


nestes tempos em que já é raro chegar alguma interessante à caixa de correio, ontem foi um dia feliz: chegou um livro. mas não um qualquer. este é bonito, tem um toque viciante e há já tempos que salivava por ele. é o livro da Isabela.


a editora, a Angelus Novus, envia-o a pedido, com desconto e sem cobrar os portes. editar uma das escritas mais poderosas da blogosfera, fazer capas assim bonitas e ainda as remeter direitinhas para nossa casa, isso devia ser considerado serviço público.

(conheci a Angelus Novus por outros dois livros ímpares que me cairam na caixa do correio em três dias e que muito recomendo: Diários de uma mulher católica a caminho da descrença I e II de Laura Ferreira dos Santos)

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terça-feira, novembro 17, 2009

Ávila

Sempre que passei por Ávila tive o desejo de ficar uma noite. Não sei quantas, sei que ainda era imortal e sempre passei nobre pela boca da muralha, sentindo pedra e sombra, gente forte com o ADN de quem no tempo antigo a protegeu na cumplicidade do rio Adaja, afluente do nosso Douro que é muito deles e passei, passei.
Vindo de Madrid, pelas novas estradas de Espanha, decidi ficar. Já guardo dinheiro suficiente para esse prazer. Deixei deitar o corpo à oferta do Palácio Valderrábanos, ali à Catedral e vivi essa Ávila por dentro.
O clérigo don Alonso, vindo de Palencia, deu-se a bispo e criou o seu bispado. Reuniu los ermitaños del Cerro de Guisando e construiu um Mosteiro. Depois de muita história e de outras tantas estórias, ficou um Grand Hotel. Aqui passei uma noite e desfrutei a vida dentro da muralha. Tinha dinheiro para mais, mas Ávila ficar-me-á para sempre com a memória de um fim de tarde junto ao rio, uma noite longa dos seus sabores e uma manhã de passagem como quem passa ágil por portagem.

Prazeres no corredor

Em casa somos dois os compradores compulsivos de livros. Temos hábitos distintos de deixar os livros na casa, mas de vez enquanto ele agarra neles todos e arruma na estante, ainda vaga, do corredor. Temos uma prateleira dos que ainda estão por ler. Um lugar fácil, uma prateleira de reserva sempre à mão.

Ontem, de passagem pelo corredor, depois de fechar as janelas dos quartos ao frio do fim de tarde, espreitei-a sem intenção e eis que um livro me chamou. Não sei se o preto e branco da capa ou o nome Adolfo Bioy Casares. Chamou e nas mão se me tornou irresistível. “O herói das mulheres” veio comigo, pouso na mesa em frente à janela grande e aqui está a fazer a leitura de algumas destas muitas horas que os dias me tem.

Gosto de ser surpreendida, dentro de casa, por fascínios destes que não fui eu que trouxe.

sábado, novembro 14, 2009

recado sem importância...

Estou desde quinta à tarde, com toda a legitimidade do mundo e da classe médica, agarrada à cama, com a mesinha de cabeceira cheia de livros e jornais e com a hipótese sagrada do descanso. Leio capítulos de livros e dormito entre eles, o corpo na cama do cansaço que à tanto reclamava, não faço nada como um dever e apenas hoje me aventurei aqui, à porta do lado do quarto que tem sido a casa toda. Como se fosse A, mas sem teste de confirmação dado que não sou de risco. Reclusão de sete dias inteiramente legitimada. Sagrado Novembro com interrupção.

Saíram todos para a serra de Sintra. Vim espreitar os blogues, fumar um cigarro (sintoma de melhoras, sem dúvida…), encomendar o livro da Isabela antes que outros mo roubem…estou contente com esta reserva de tempo todo que me deram.

Está um dia pardo para além das cortinas do quarto. Outono é mesmo esta pequena infiltração de cinzentos.

sábado, novembro 07, 2009

O «PERNA»

Foto Facebook JV
Uma das últimas catedrais da comida familiar. O Perna ganhou nome porque uma das suas pernas é amovível para todos os pontos cardeais, tendo como bússola um joelho manhoso. Não é manhoso, não é cardeal, é o papa. Faz papas com almeirões e couve cortadinha no azeite com dente de alho para dentes mais delicados. Trabalha o peixe e as carnes no carvão como nas antigas forjas se batia o ferro ardente para as ferraduras, hoje dentaduras delicadas.
A função começa ao balcão de mármore. Taças de branco – hoje inaugurámos um garrafão cheio!
Se vem visitante novo, a D. Maria faz o número de sempre: enche os copos para quem está (um a mais para o Perna), ergue um a dar de beber ao viajante, estica o braço para o serviço e, quando o novato se prepara para o adoçar nos lábios, ela recua no movimento e bebe-o de um trago. Acho que depois diz «Bem-vindo!» entre um fosca-se a baixar silêncios.
Depois a mesa farta. A capital da entremeada, para mim a melhor batata frita do Sicó cortada a máquina alemã.
Chegam-se às mesas quando a clientela está servida. Um copo ali, outro copo aqui, uma anedota e, hoje, direito a fotografia.
- Tira lá isso pá, olha aqui dois bêbados! – disse a D. Maria de jarro na mão, partilhando com o Perna um altar onde cozinham amores sofridos de anos a fio.
Estão, sem o saber, a partir de hoje no Faceboock.
Quando chega à mesa o café e a Frise (aguardente camuflada à ASAE), tudo fica no ponto. Eles felizes por nos terem à mesa, nós felizes por sermos família.
Ir ao Perna passou a ser uma peregrinação. E tem outra vantagem:
- é mais perto do que peregrinar a Fátima, tem uma Maria que pouco tem de Virgem e só na saída é que é possível andar de joelhos sem choros nem velas. Outro joelhódromo para cumprir nas vivências do Sicó.

segunda-feira, novembro 02, 2009

Sabores

Para que os guardes,
todos os diamantes que fazem uma romã,
aberta neste estranho tempo de um raro calor de Outono
como quem contraria beijos fora de época.

domingo, novembro 01, 2009

no Público, hoje

(clicar na imagem para aumentar)


Laura Ferreira dos Santos já escreveu quase tudo sobre que vida interessa preservar na morte. mas há muita gente que ainda não leu e é preciso continuar a escrevê-lo. para todos nós que um dia também perderemos a vida. para quase todos nós que um dia seremos "a família" dos que morrem. para aqueles de nós que trabalham segurando na mão a morte dos que já mal vivem.

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