terça-feira, fevereiro 28, 2006

VIGÍLIA EM MARÇO PARA QUE CHOVA


Nenhum Corso me contratou. Desci em vigília o sambódromo do quintal à procura da água que não vem. Os peixes vermelhos do poço pastam o fundo das areias, não a têm suficiente para chegar à pedra grande do adobe onde nascem outras verduras, sinónimo de pouca água nas nascentes. O Langa, gato preto de território largo, enroscou o corpo pelos meus pés. O empado das videiras, empado está. Querem sol, percebo. A cerejeira nada diz. Nem sol, nem água, nem flor, nem fruto, desenraizada que foi um dia do Fundão. O pessegueiro mostra olhos de sede. A figueira cresce um tronco mais forte, ávido de corda para pescoço imprudente. O Langa descobre água na pia da laranjeira e por lá fixa os movimentos de silêncio felino. Triunfal, a tangerineira pintou-se de azul cobalto ao estilo Bombaím, novelando água que não chega. As couves galegas, altas, balançam-se agora no vento norte orientado pela bruxa catavento do telhado, de vassoura em riste, varrendo as nuvens do tempo que não chove. Face à escassez, decidi beber água apenas quando chover. Águas de Março. Se caírem, em morrinha ou em garroa, breves e intensas como só na Gândara acontece.

Enterro



Ainda venho a tempo ! A tempo de enterrar o carnaval. Retomar a circulação. Por os pontos nos i's na vidinha.

CONGRESSO BÁCORO NA MEALHADA



Aproveitando a quadra de Carnaval, a BSE, a pandemia da gripe das aves, a presença dos media e toda a multidão que nesta terça-feira fala deles entre dentes, os leitões de todo o país reúnem-se hoje na Mealhada em congresso com novas reivindicações. Á mesa discutirão das batatas fritas, da salada de alface, do pão, do espumante bruto Aliança e do facto das cabeças próprias serem constantemente postas de parte, razão pela qual, dizem, não terem um sindicato.
- Más companhias, ultimamente! – comentou o leitão da jota, assadinho e bem vestido (cosido) ao sair do forno, ainda com a cabeça no sítio em entrevista à SIC Radical.

segunda-feira, fevereiro 27, 2006

o ilê e o Carnaval genuíno


estão em Salvador, quem sobe a ladeira do Curuzu. e nesta música, claro.

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FAZ-ME UMA COISA SÉRIA!

Faz-me uma coisa séria. Muda de vida. Faz estrago. Bebe o copo de um trago. Despede a mulher-a-dias. Estás farta da rotina. Aperta-lhe fundo o nó da gravata. Diz-lhe do ridículo dos punhos côr-de-rosa nas mangas da camisa. Fala-lhe do Alhambra que te prometeu e não levou. Arrisca. Mete os pés ao caminho, lento, os filhos no testamento. Passa a mão pelo corpo e diz-lhe que já não és. Os dias que faltam para o teu viver têm cor de linho, desalinho. Procura a porta de quem a abre para ti. É excessivo?
- Não, é provocado! É mel de colmeia coado.

JOGO DE FUTEBOL


Joguei este jogo anos a fio. Ouvi centenas de relatos. Conheço o espaço todo do rectângulo, a surpresa boa que sempre me trouxe o meu pé esquerdo, cheiro ainda o bálsamo nas pernas em Domingos gélidos, o saibro coberto de água e sei da angústia do penalty, 9,15 metros, chutando seco sem nunca ter feito a “paradinha”. Vi, exposto na cara o cartão amarelo e o vermelho, nem sempre com a razão do lado do homem de preto. Parti dente, pé direito, tenho a canela direita massacrada de “takles” e vivo o jogo agora de sofá, a copo e cigarrilhas, raramente no estádio onde o momento é perfeito. Hora e meia mais descontos, em casa ou no conflito (só eu sei porque não fico em casa!).

(Diálogo de café)
- Este fim-de-semana é estranho!
- Porquê?
- Hoje vem o meu Sporting a Coimbra-B, sou deles, que queres, não janto, tenho de ir. Se ganharmos (ganhámos!), amanhã torço pelo Benfica.
- Consegues torcer pelos vermelhos, SLB?
- Consigo… é Carnaval, podemos disfarçar-nos!

Subscrevo. Que ninguém me proíba de ser homem de futebol. Venham mulheres com carga libidinosa falar do Molero e do Maior Vendedor de Sapatos do Mundo, do Stanley Matthews, o do drible que enlouqueceu nove defesas esquerdos e mais três defesas centrais que foram à dobra… (pág. 139 da minha versão) e outras mulheres de outras artes empurrarem-me para a poesia, a música, o passeio clássico de fim de tarde, o fim-de-semana programado nas estradas do desejo, a ementa escolhida que há muito não me tem passado nos lábios.
E as que não vêm novelas e sabem o enredo e os que não gostam de futebol e espreitam com comando a SportTV, entre o Mezzo e o Odisseia? Dessas e desses não gosto, porque não assumem a pele de que são feitos.
Mas há quem cumpra o mesmo ritual no espectáculo dos Coldplay ou Depeche Mode. Há quem vá, certeiro, a casinos, apostar na máquina dos frutos, 777, morango, morango, morango, limão, limão, limão.
Se os meus jogam, jogo com eles. Acabado o jogo, volto a ser fiável para as práticas dos costumes. Hora e meia mais descontos, é pedir muito? Comigo tem de haver espaço para o jogo, para ver o jogo, para lutar com eles, heróis de verde e branco, já que o corpo agora apenas vê! Acredito, claro, que com esta barriguinha, faria ainda um bom golo, ao segundo poste, a cruzamento teleguiado do Garrincha. O único que fintava sempre para o mesmo lado, passando e cruzando, mesmo que o rectângulo de jogo fosse para ele, como era, o estreito espaço de um guardanapo.

domingo, fevereiro 26, 2006

os concertos promenade

aos domingos de manhã no Coliseu do Porto andam na boca do mundo e hoje confirmei porquê: uma orquestra exposta numa plataforma circular, rodeada pelo público, os instrumentos e os músicos ali à distância de um braço, o som inteiro e autêntico, a história da música contada em formato era uma vez e a explicação dos sons a abrir os tímpanos menos habituados a temas clássicos. e, claro, tudo isto numa sala imponente, à pinha do entusiasmo de gente de todas as idades.

hoje a Orquestra de Música Antiga da Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo tocou as Quatro Estações e pudemos imaginar Vivaldi criança a brincar com barquinhos (porque em Veneza as crianças não brincam com carrinhos) e reconhecer nos diversos andamentos dos vários concertos o som de meninos a brincar, o canto dos passarinhos, a água de um rio a passar, a alegria das festas no tempo das colheitas, a ameaça de nuvens escuras, gotas de chuva a bater na janela e a violência de uma tempestade.

isto mesmo contaram, entusiasmados, os meus filhos ao pai que, vagamente atento enquanto pelo rabo do olho espreitava as últimas da jornada futebolística, ousou duvidar "chuva? vocês não estarão a inventar?", deixando-os indignados "tens de ir da próxima vez e vais ver como é verdade e se ouve a chuva e os passarinhos". e assim faremos a partir de hoje, todos os meses, até Julho.

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Dançar Saudades


" A saudade é um disparate, um estado de excepção,uma coisa passageira que se tem que curar. É uma anemia. É um parafuso a menos. É falta de vitaminas. Os portugueses não deviam encorajá-la. Havia de ser proibido - ou pelo menos muito difícil - viajar. É insuportável ter filhos, amigos, sobrinhos e não os ter. É inadmissível ter olhos e não os poder ver. É um erro. Somos uns panhonhas.
Não quero mandar recados nenhuns, palavras nenhumas. Nem recebê-las. O telefone é um suplício. As cartas são só recibos de sentimentos. Passamos a vida longe das pessoas com quem queremos viver - e elas longe de nós - em nome de uma coisa qualquer a que chamamos a nossa "vida". A vida que se lixe. O que é que ela está a fazer neste momento ? "

espero que a dançar, digo eu. seria um jeito bonito de a tomar em mãos e levar...

( texto dos velhinhos recortes do Independente. Não tenho referência do autor)

sábado, fevereiro 25, 2006

VALSA FEMININA

Desde cedo festejei com música mulheres que me vão fazendo a vida. A cada uma, sob a casca de um segredo só meu, marquei-lhes indelével na pele um som, ferrete inscrito na anca esquerda a duas linhas. De aço. Do Norte, do Centro e do Sul. Hoje, sempre que ouço os primeiros acordes de qualquer música mais certeira, imediatamente um rosto se ilumina, um antigo lugar arruma o seu espaço à espreita que voltemos, um meridiano muda de sítio para ancorar tempo no tempo, uma voz silencia, dobrada, no imprevisto do momento que se animou. A velha letra, cantada ou apenas trauteada, retoca as palavras a ponteiro de giz, bâton-creme passeando na flor dos lábios como se o risco protegesse a erosão da deixada cicatriz.
Nunca lhes disse em que pauta as encontro, nem do ritmo ou movimento em que me balançam a vida. Nunca ousei dizer-lhes, mesmo baixinho – esta é a música onde te ouço sempre!
As músicas lembram-me que existem. Quando a memória se apaga, vou à estante dos discos e escolho duas numa só – música e mulher - e o gozo de saber o que elas não sabem. Uma a uma um dia saberá. Porque direi, ou porque adivinhará. Um jogo, um segredo da gestão dos afectos, que não guardarei apenas de mim!

sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Dobragens


Comboio que dobra na paisagem, na página, na cor. Dobra entre sexta e sábado.

Quem dobra, guarda. Confronta. Fecha. Dobra vertical.

Fizéssemos o mesmo às palavras e teríamos Mário de um lado e Botas de outro. Teríamos Linha de um lado e o Norte de outro. Teríamos o D na dobra, entre um lado de M e o outro de H.

Exercício, sem estilo, na dobra do tempo. Entre as 23h59 e as 00h01.

quinta-feira, fevereiro 23, 2006

NUCLEAR? NIM, DOUBTS!



Quando andávamos de pin’s ao peito na década de 80, “nuclear, não obrigado!” e “don´t walk on the grass… smoke it”, não era coisa pensada, era adorno. O primeiro muito teórico, afirmando novas ideias, semente de protesto e hoje sei… muita ignorância radioactiva. O outro, muito mais prático, expunha o direito de ser diferente e, prática de semente queimada, fazia rir e chorar muitas vezes.
Petróleo de Maomé, nuclear de Patrick, campos eólicos de sicó com sopro de Deus, energia de Poseidon nas marés da finisterra atlântica.
O último pin que vi com carga de ironia e atracção, trazia uma empregada de esplanada ao peito, em Clermont-Ferrand, enquanto servia bière et cacahuètes na mesma fórmula redonda: - “Mon Patron (de café) est Sympa”. O “m” era um grande coração. Teve gorja limpinha.
Deixemos a lírica, “nim, doubts” e vamos à matemática:

E=MC2
Aplique-se a fórmula resolvente:
E= Mulheres Cúmplices 2 (duas)
Então:
D=HM

A AUTOMOTORA

A automotora da Lousã. Passa todos os dias à minha porta e diz que passa com som a rigor, sem “audio converter”, sistema “drag and drop”, MP3, ou outras fintas subtis. Avisa que vai passar num apito, tão simples e tão agudo como o silvo dos antigos navios de proa feita ao largo da barra. Flautas de bisel. Percebo-a bem. Para a Lousã uma viola bastava e vozes em desafio roucas, bonitas… tanto faz. Íamos a cantar.
Se me antecipo, trava-me aqui e deixa-se fotografar. Gosta de brincar, sabe o meu destino e com isso diverte-se, porque o caminho desta linha acompanha de alegria quem vai, sabendo que volta, alegria pendular como o bater do coração.
E eu, avesso a horários rígidos e a relógios, carregadinho de inveja por não ir, tenho que gramar um minuto de espera numa hora pontual. Aqui, 9:57, quando vem à tabela, claro!

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Greve


Greve - a partir da meia-noite os comboios deixam de circular.

dizem no mundo. informar o mundo.mas que saiba também o mundo que há comboios que não param, maquinistas que não se detém... em solidariedade, não apitamos nas estações. pomos música.







Estrada até Outubro

reencontrar agora esta música é uma viagem, diz M.

Fim de setembro, o amor imenso, procuravamos um lugar no mundo para nele caber sózinhos. Havia sempre os comboios que nos levavam aos braços um do outro.

“ Eu estou sempre como agora. Tu não sais nunca da minha frente. As pessoas não crescem. As árvores não morrem. Se a vida pudesse ser parada, eu parava-a aqui.”

A aldeia abandonada, Talasnal, a casa de xisto para nos abrigar. Tardes deitados na eira, sem uma única palavra, esta música e a serra.

“As coisas que não se deixam continuar são as mais tristes de todas. Não são tempos mortos. São tempos assassinados. As coisas vivas têm o direito de morrer devagar. “

Não sabiamos ainda, mas fomos lá morrer. Devagar. Dolorosamente como acontece aos amores que julgamos infinitos.Como acontece ao que respira. Aos pés desta música.

“ As coisas transformam-se enquanto as seguramos. Deixavam vazios onde as víamos. Só o nosso olhar não parece transformar-se. Mas é um sítio onde os outros já deixaram de procurar. Em tempos atravessou-me os olhos uma luz ansiosa que se deixava perseguir e acalmar.”

Descemos a serra para de novo acabar em Coimbra-B. As estações e os comboios sempre foram o princípio e o fim dos braços e abraços. A luz dolorosa do entardecer. O abismo. Esta música na pele. Ela, não cabia nos comboios.

“ Sou contra as viagens. As viagens existem,mas não se deviam forçar. Partir para quê ?”

Do Sul escrevia cartas. As mais bonitas e únicas cartas de amor. Recortava frases, como estas transcritas, do Independente de sexta, colava fotografias, escrevia nelas o que não cabia em mim.

“ Mas as coisas velhas não se curam com coisas novas. Sobretudo quando não se lhes dá o tempo para envelhecer.É como se quiséssemos mudar de corpo cada vez que adoecêssemos.”

Houve o tempo.A aprendizagem do amor. Assim se percorreu, milímetro a milímetro, a pele da dor. Com esta música.

Desta música sou feita, como desta história.

DANÇA COM CHUVA


M, onde foste mexer. Lá se foi o purple rain, mas a proposta é melhor. Cá em casa, um livro sobre música da época levantou voo, seguro, no escritório, em constantes voltas à lâmpada como as borboletas, asando as páginas. A dedicatória que tinha envergonhou-se, recolhendo as letras. Todos os discos fizeram continência e os da década de oitenta tocam agora em conjunto na sala, um "tribute" de respeito. Um saco de gelo, adormecido no frigorífico, estalou e ouço o gemido:
- trás gin, limão, derrete-me num copo.
Durutti Column. Tenho. Lembro. Já está a tocar nas colunas do canto. E lembro o vinil "amigos em Portugal", dedicado a uma Jaqueline em 80.
O som está tão bom que já deve estar a chegar a H... a chuva é como o cobre, bom condutor!
Vou divertir-me com eles. O gelo geme e chama. E não é que a clicar na linha aconteceu música? Obrigado!

long lost: never known





dos Durutti Column. no princípio dos anos 80 esta foi a primeira música de uma espécie que ainda não nomeávamos. hoje sabemos que era o princípio da música alternativa. então só a descobríamos abismados, subitamente levados a lugares onde nunca tínhamos estado. never known. "como quem se abeira pela primeira vez de um vulcão". não conhecíamos nada, só o deslumbramento.

é preciso dizer que nesse tempo não tínhamos net, nem quase nada. só tínhamos o vinil e o que as capas e contracapas dos discos nos quisessem revelar. "LC" era um disco branco com um quadrado colorido ao centro, uma pintura, creio. e era tudo o que ficávamos a saber sobre este som. depois ouviam-se as músicas e um dia elas perdiam-se (um risco no vinil, um amigo que o levava e nunca mais aparecia, um tio que nunca mais visitávamos), sem deixar rasto.


reencontrar agora esta música é uma viagem.

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terça-feira, fevereiro 21, 2006

Afinfa-lhe um post

Afinfa-lhe um post, ouço.

Talvez, se não tivesse a alma neste ciclo eterno do tempo. Bateu a tristeza e o fim do mundo nessa data certa que fica sempre entre janeiro e fevereiro. Sempre assim foi. Este ir mais fundo, esta lâmina até ao gemido, este arranhar por dentro, este lacrar palavras.

Afinfa-lhe uma sopradela, ouço.

Talvez. Vou procurar uma fogueira, uma constelação, uma certeza e um caminho escuro. Sossega.. tenho estes ciclos do tempo, mas não tarda e virá a luz que faz a alegria mais rasante à pele. Tenho a alma como os meses. Meses como o tempo.Sabes... tem chovido muito e eu fico chuva. Estou apenas a germinar a alegria.

Virei e dir-te-ei quando incendiar a alma e afinfar não for preciso.

Mas que não seja por isso... afinfo já o post. Tu sorris preverso. Volto as costas e penso " andas é a afinfar a chuva...".

PEREGRINAÇÕES A COIMBRA B

É frequente e acontece. Tocam a campainha. Entram. Cada um sozinho dos outros. Sentam-se pela sala. Avivo a fogueira, trago copos, abro a pérola mais recente, saco do queijo e do presunto, junto o frasco de azeitonas, pão moreno, ligo o televisor. Começa o jogo. Ganhamos e perdemos, mas acabamos sempre com uma piada final. Noite alta. Mais alta e mais feliz quando ganhamos.

É raro e acontece. Telefona antes. Diz que vem. Entra. Senta-se no sofá da lareira. Avivo-a, trago dois copos, gelo, limão, tónica e um contentor de gin. Desligo o televisor e entra música escolhida da estante. Sento-me no meu sofá à Nero Wolfe, do Rex Stout e abro a caixa das cigarrilhas com música de caixa de música. Começa a conversa. Intensa para quem está. Saltam livros, discos, fotos e desejos de viagens. Acabamos sempre com um poema final. Manhã baixa. Mais baixa e mais feliz quando ficamos.

ACABASTE?

- Acabaste?
- Meu amor, acabei.
- Apagaste a candeia? apagaste?
- Meu amor, apaguei.
- E fechaste o postigo? e fechaste?
- Meu amor…, sim, fechei.
- Que rumor é aquele? não sentes?
- Meu amor, que te importa?
É a vida a dar socos na porta.
É lá fora. São eles. É o mundo. São gentes…
- São gentes?! quem são?
- São colegas, amigos, parentes…
- Vai dizer-lhes que não! vai dizer-lhes que não!

Régio, José, As encruzilhadas de Deus

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

PORTUGAL TRASLADADO


Chovia que DEUS a dava. Purple rain. Dia de veludos. Acordou-me hoje a irmã Lúcia, passando et relíquia por Coimbra B a caminho de Fátima. Missa, via verde, auto estrada do norte, terço, via verde, Fátima, missa, terço. Serviço funerária S. João. O povo na rua.
Mas não acaba aqui. D. Serafim diz que todos os pastorinhos irão trasladar-se para um mausoléu. Mais uma jornada. O povo na rua. Depois virá alguém querer levar Lúcia para o Panteão Nacional. Outra jornada. O povo na rua. No Panteão, obras de Sta. Engrácia, quererão pôr Lúcia ao pé do Guerra Junqueiro, que recita a locomotiva e traslada-se para Freixo de Espada à Cinta. Outra jornada. O povo na rua. Amália também não gosta da companhia, canta o fado do ciúme e vai de jornada para o Olympia. O povo na rua. João de Deus fica e ensina finalmente Lúcia com a cartilha maternal a escrever com cabeça própria. Eusébio, no dia da jornada final terá ossos por todo o lado. Da luz a Wembley, de Portugal a Goa, de Moçambique ao Maracanã. Os povos na rua.
Quando Portugal morrer, o último governo então decidirá: construa-se um cenotáfio em cada esquina, para trasladar o país pelas sete partidas do mundo, lugares que lhe pertencem por inteiro, derradeira jornada. O povo na morgue. Adivinhando as intempéries da Igreja, bem fez Fernando Pessoa e todos os heterónimos. Trasladou-se para os Jerónimos, lugar onde não cabe, não é Listopad?

domingo, fevereiro 19, 2006

chuva roxa no LaLaLa



aconteceu por acaso, a escolha do Purple Rain para inaugurar o som na linha do norte. num fim-de-semana em que a chuva se fez ouvir caindo forte do lado de lá da janela, procurei em vão o rain dos MS&D, passei pela tempestade do riders on the storm e, por ensaio e erro, à volta do template e da críptica linguagem html, acabei no Prince.

a memória da música é palpável, tal como a memória dos cheiros e dos sabores - por exemplo, o gosto de pão com atum e tomate transporta-me sempre para o coração da serra e o tórrido perfume spellbound (amaldiçoado - de Estée Lauder) devolve-me invariavelmente ao ritmo alucinante de Salvador da Bahia.

a memória deste Purple Rain ficou ancorada numa noite de há 20 anos, no LaLaLa (Porto), um bar impensável de tecto baixo e uma quantidade de fumo inadmissível, que ficava no defunto shopping Dallas. o DJ do LaLaLa (cujo nome nunca soube, um homem da noite do Porto que revisitei um pouco mais tarde no meteórico - e atípico e irresistível - Lux) conseguia pôr música de dança de uma consistência qualitativa então difícil e rara num bar (onde se dançava como numa mini discoteca).

nessa noite estava no LaLaLa o Rui Reininho e, já de madrugada, como quem despede sem vontade os últimos clientes, o DJ solta no ar o Purple Rain. a guitarra avassaladora, a pista quase vazia, o meu amigo X (o primeiro deus que conheci que sabia dançar), tudo me convidou para uma última dança. a partir do meio da música, o som das colunas baixa um pouco e surge a voz do Rui Reininho a envolver a do Prince, terminando num coro em que "chuva roxa, chu-uva roxa" se sobrepôs magistralmente a "purple rain, pu-urple rain".


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sábado, fevereiro 18, 2006

não aguento mais

(foto roubada do Palavras de Algodão)

o silêncio neste blog. hoje tinha absolutamente que se ouvir por aqui o doce e melancólico "rain" dos Martin Stenphenson & the Daintees (já nem sei se sei escrever este nome).

companheiros de viagem: arregacei as mangas e vou à luta. pela música na linha!

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A ÁGUAS EM VIGO

Era cedo demais! Mas havia uma azáfama quando passei ainda noite perto de Campanhã. Um disque-disque que M se preparava para voltar à linha do norte. Segui firme, fronteira, Vigo no horizonte e caminho da água. Há trabalho a fazer na Galiza, plataforma logística, barcos em portos secos. Junto a um dos cais, há uma estátua a cinco mulheres que uma noite acabaram aí a estrada, trocando de roupa no carro, meia de vidro preta, dançando loucamente as músicas do mundo. Depois outra água com sabor a enxofre que recomendo. Por lá fiz a tarde, chuva a derreter gin:
- Un “guin tónico”, por favor!
- Outro más?
- Sí! Soy un hombre de ferrocarril y no tengo eso para conducir los coches. Se define la línea, por lo tanto puedo beber.
Na volta, parei no bar de Campanhã. O chefe da estação disse-me que M tinha partido para a linha com uns sapatos novos, passeando entre as árvores a caminho de Sta. Apolónia, onde H a esperava com dois copos. Parece que a Lisboa tinha chegado uma preia-mar, maré-cheia catalã de cerveja fresca. E eu na Galiza em portos secos. Era tarde demais!

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

na tarde de janeiro



eu com cem ceuros de sapatos. ela, sem euros, sem sapatos. apenas uma sandália em cada pé (quase) nu. na tarde de janeiro.

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MAR É ... MARE


Foto H em Barcelona

Para M

Foto de H, em Barcelona

Não tarda, não tarda e logo pelo escurinho chega M à linha... vem no seu jeito azul, porque há mais horas para o tempo.

Porque é a ela que se devem as primeiras tábuas do carril, as primeiras fagulhas da máquina, o primeiro troço do desafio. ( D diz que sim. Eu sei quando ele diz que sim.) Para ela, esta fotografia.

De Lambreta



Prepara a Lambreta, não tarda e é sexta à noite... fica sabendo que quero que me leves pela estrada fora, muito vento a desalinhar, e quero ir depressa, arrepiante contigo. Leva-me, Kms à hora. Não olhes o mapa, segue em frente, curva no escuro, contorna o mar, cheira a sal. Leva-me. Pára na tasca para comprar tabaco, compor o jeitinho e vamos... vamos de lambreta.

Sim... porque tu vais levar-me a dançar, não é ?

Ele vs Ela


Tenho particular estima por este casal. Sobretudo em tardes de verão a derramar luz quente, no borbulhar das conversas infindas que em torno eles se tem. São uns companheiros inestimáveis.
Vez por outra, lá aparecem com o resto do agregado familiar e trazem os primos tremoços ou os compadres negros da Topázio. Vem de longe esta estima .

Gosto deste retrato. Confesso que estão favorecidos. Em particular ela... que foi ao cabeleireiro, para o retrato contra o mar.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006



A minha filha T. riscou num folhita este desenho. Retrato de casal.

Segundo ela, o 0 ( zero) é casado com o 8...o 8 é igual ao 0 só que usa cinto!

TATUAGEM NAS ALDEIAS DE XISTO

O telhado de xisto penteou-se e o soalho foi lavado a sabão.
A janela de cima abriu-se nos seus dois braços, dois novos vasos em cada mão
e o postigo limpo a sumo de limão.
Lenha seca na lareira. Água fresca na panela de ferro. O púcaro por sobre o testo. A tenaz atenta, à espera de mãos.
Na velha cama o colchão virou-se, aconchegando-se do frio com dois lençóis de linho liso.
O de cima aberto lento, vela triangular soprada pelo momento.
Quando os rumores já tinham passado para além da barragem, chegou!
E trazia-a pelo braço com um sobretudo dobrado na outra mão.
Confirmou-se!
Na venda. Em viva boca de quem sabe.
Que sim, que vinha com ele, parece que para ficar - mais bonita que as palavras do rumor e das paisagens em redor!
E que trazia tatuagem de uma concha decalcada, caminho de Santiago, no mesmo sítio do pescoço onde, a S, em S, a navalha desenhou noutra noite uma pequena cicatriz.
Entraram.
A porta curvou-se.
A venda fechou-se.
A boca calou-se:
- Se calhar tatuou a concha naquele sítio para fazê-lo feliz!

EÇA CARTOONISTA QUEIROZ


O Egipto
Notas de Viagem
Eça de Queiroz
"(...) Os árabes contam isto, dizendo: - Allah akbar! - Deus é o maior. Ao pé do pátio, à saída, os árabes mostram uma maravilha. São duas colunas que assentam sobre o mesmo pedestal. Entre elas há um espaço estreito: aquele espaço serve para avaliar os pecadores. Aqueles que podem passar entre as duas colunas, são inocentes de toda a culpa: Maomé sorri-lhes e passarão sobre a ponte d'El-Sirati; se, porém, algum pecador tentar atravessar, as colunas apertam-se e o corpo não passa.
O nosso drogman, que nos contou esta legenda, subiu ao pedestal e passou, rindo, entre as duas colunas, com a satisfação alegre da sua inocência. O meu companheiro também passou. Eu tentei, mas logo me convenci de que as colunas estavam no segredo dos meus pecados: percebendo quem eu era, apertavam-se! O facto é que não atravessei. Alguns árabes, em redor, vendo um castigo tão manifesto, lamentaram-me, tentanto consolar-me bondosamente."

Para Conchita - QUADRILHA

(a ouvir João Villaret com pronúncia brasileira de Drumond))

QUADRILHA

João amava Teresa.
Teresa amava Raimundo.
Raimundo amava Maria.
Maria amava Joaquim.
Joaquim amava Lili
que não amava ninguém!

João foi para os Estados Unidos.
Teresa foi para um convento.
Joaquim morreu de desastre.
Maria ficou para tia.

E Lili casou com Jota Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

Carlos Drumond de Andrade

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Conchita Morales

Conchita está chovendo, Sr. General... Conchita fica assim feita tempo, tem alegria de verão e morrinha de inverno. Conchita é desta matéria, Sr. General. Conchita ama e morre e depois fica feita saudade. Sr. General não precisa saber, deite o corpo que eu conto.

Ouviu história, Sr. General ? é batalha. É guerra. É o vento no jacarandá. É Conchita a chorar. É o mesmo vento que faz quando se tira filho ao corpo. Conchita sabe. Foi à muito tempo , Conchita deixou a morte levar filho de homem que amou . Conchita não chorou, deixou as árvores chorar.

Está boa a história, Sr. General ? Conchita conta, as mãos sabem e a língua diz. Conchita não tem mapa, conhece corpo de homem em reconhecimento nocturno. Pelas levadas. Na enxurrada. Vai na força agarrada ao silêncio.
Conchita é livro, Sr. General... conta histórias devagar. Diz coisas que só vento ouve. Tem nome de livro sim, Sr. General... é “ Mal Parida “. Desculpe o despudor da língua, Sr. General.... mas Conchita não tem tido vida de sabor apaladado. Usa palavras como quem cospe. Não há outro jeito de soltar o mal que nasce por dentro.

Sr. General, está bem ? porque geme como guerra se a gente só quer levar paz ao corpo do Sr. ? é cansaço velho de quem fez o mundo entre uma guerra e uma cama ? Conchita é canela, Sr. General quer café forte e com aroma para depois de pousar suas botas que marcharam em mim ?

(escrito a ouvir música , com o mesmo nome, dos Xutos e Pontapés )

Procura-se

FILHOS DE UM DEUS MAIOR


Filhos de uma mãe primária. Professora primária. Ensinou-me com mãos primárias a educação das minhas para a escrita. Por isso primário, para mim, sempre foi um substantivo maior. Porque nela percebeu cedo que a mão esquerda não era de contrariar. Era com ela que eu desenhava as letras mais redondas e assim ficou a escolha.
Depois o primário. Livro escolar. Prova em folha de 25 linhas com dobra à esquerda (que me contrariava a mão, a mãe não!) com desenho a lápis de cera no pouquito do cabeçalho - recorrente a mesma imagem, uma casa com duas janelas e uma porta grande, fumo a sair pela chaminé e um sol, alegre, no canto superior direito. À direita dava jeito desenhar, mão esquerda e muitos pássaros, que pensava serem cotovias-. Contas de somar e subtrair. Tabuada. Contas de multiplicar e dividir. Globo. Cognomes dos reis, heróis e façanhas. Opas permanentes sobre Espanhas, plural magestático. Depois tempo de fracções. Alfabetos em madeira. Lousa e ponteiro. Pau de giz, pó de giz. Quadro negro. Medo de ir ao quadro. Cana-da-índia importada das colónias para os ombros e cabeça. Régua, esquadro, compasso. A cruz de Cristo, marca “JNRJ” e o a preto e branco Salazar. Chiuuuu… boca calada! Mapas. Ainda toda a África. Mapas onde com dedos Braille líamos os rios e os comboios.

- Diz lá o rio Tejo?
- O Tejo nasce na serra de Albarracín em Espanha, entra em Portugal por…

- Diz lá a linha do Minho?
- A linha do Minho começa em… e acaba em. Importante era decorar que em Caminha havia um ramal para Espanha. Ninguém sabia onde era o território do inimigo. E muitos nunca tiveram o prazer de uma viagem de comboio.

Lembrar também o avô primário, que moldado pelo método do decorar para o aprovisionamento da sabedoria, sobre história, perguntava aos alunos:

- Diz lá o “andando”!
E o aluno respondia com a cantilena sabida, não eram repentistas, mas bons declamadores de arte decorada:
- “Andando” D. Afonso Henriques na guerra contra os mouros… (acabando em D. Manuel II e na Iª República, em cinco minutos ansiosos de guerras, discussão da linha das fronteiras, casamentos e baptizados, África, América e as Índias, filhos bastardos e a Igreja, Cerejeira em música de câmara ao fundo e proibida a palavra Olivença).

Ao fundo da sala, como um relicário, o armário de boa madeira das colónias, onde permaneciam aprisionadas todas as figuras geométricas. Quando se abria era um espanto. Fiquei também aprisionado para sempre à esfera e ao cilindro.

Filhos de um Deus Maior. O meu chama-se Beatriz e ainda hoje me corrige o acento e a vírgula sem prontuário ortográfico. E a educação, claro!
As vossas primárias têm também nomes bonitos. Cuidem delas e não discutam as emendas. Discutam apenas as ementas. Morrerá nelas uma infinita sabedoria que infelizmente neste país de mais ministros que educação nunca ninguém conseguiu aproveitar depois da reforma para serem ainda úteis a tanta ignorância. Mal pagos enquanto activos para as benfeitorias que deixaram. Mal aproveitados enquanto reformados para a sabedoria que reservam. Essa era a reforma que mereciam. Educativa. Aproveito eu, à borla, a reserva da mãe Beatriz! Aproveitem as vossas reservas, filhos de um deus MAIOR.

terça-feira, fevereiro 14, 2006




A minha filha R achava, aos cinco anos, que os pais viviam pendurados nas bochechas dos filhos. Se calhar simbolizava, sem saber, o conceito de os filhos constituirem o espelho dos pais. Não sei... Acho só bonito.

Não sei desenhar. Nem assim redondo.Sei que às vezes, cansada, lhes peço o colo do mundo.

Não tenho desenho para ilustrar como consigo caber, todinha, nelas.

Agostinho da Silva

1906-1996
Alguém disse:

"(...) O problema de que parte é a procura de uma razão de ser para Portugal: o que eu quero é que a filosofia que haja por estes lados arranque do povo português, faça que o povo português tenha confiança em si mesmo», entendendo por «povo português» não apenas os portugueses de Portugal, mas também os do Brasil, laçados de índios e negros, os portugueses de África, tribais e pretos, como também os da Índia, de Macau e de Timor."
Anda vivo, ainda, da mesma espécie dos filósofos portugueses como Agostinho, sem classificação de Lineu, Eduardo Lourenço, o do "Labirinto da Saudade". Sorte a nossa. Sorte da portugalidade. Obra toda que tenho vindo a ler com agrado. E que recomendo vivamente.

O LAGO DA PEREGRINAÇÃO E OS PÉS EM NOVA TERRA

carlos nuno freitas - 1000 imagens


Todos arranjamos um jeito para andar feito pelo sentido de ir. É uma vocação idiossincrática de mobilidade ou apenas a conjugação de um verbo. No passado e no futuro. A dificuldade está no sentido, não no tempo. Para trás, onde guardamos a memória, ou para a frente, onde a queremos construir uma vez mais.

Atrás é o lago da peregrinação, reduto desta linha, que fixa H, M e D nas suas areias - estacas de madeira, suporte de um cais imenso - visitado por voos de gente que no recuo da mobilidade nos têm vindo a agitar as águas e a deixar indeléveis pegadas, palavras na areia. Chegam em barcos imaginários com a lanterna de marinheiro, acesa numa torcida de gin no topo da ré. Desconhecidos alguns, outros porque a vida nos fez feliz junto deles e a ela gostam de voltar. Gente que não saberíamos nunca se o oásis do lago não as traísse e nos devolvesse delas marcas de água sem as perturbar. Nada há a registar para os media: recebemos o pedido de acostar e deles sibilinamente guardamos segredo. Ver-se-á, um dia, a sua presença, se souberem usar a água e o lençol de areia na nossa sombra, plantando canteiros onde, pela fidelidade de anos, nascerão meia-dúzia de flores.

Para a frente é também o desejo da linha. Definir o compasso como quando se plantam novas árvores, alinhamento no sentido do sol e da água das nascentes.. E nisto sinto que H e M estão comigo: hospedar quem chega com antigas comodidades de prazer e projectar futuro, novas memórias em novos lugares.

- Recuar é fazer como os Xuar e no lago apagar as pegadas deixadas na areia.
- Pés em nova terra é ir pelo menos a um sítio novo uma vez por ano. Lá, enterrar bem os pés na terra, criar novas raízes, para que o lago tenha novas memórias para os antigos voos.

A isso me dedico enquanto andar!

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

EMPAR É EDUCAR A VIDA PARA A LIBERDADE


Não tive hoje praia nos olhos. Andei perto, a empar pela manhã vinha que plantei recentemente. Dá vinho de areia nas dunas Finisterra do Carlos de Oliveira, onde as abelhas tomam banho na chuva com a mania de escrever.
Empar é educar a vida da cepa para a liberdade. Adormece-la no arame com mãos ágeis, que também vou educando para a tarefa e decidir quantos olhos deixo em cada vara, porque é por eles que crescem, asseguram novos frutos, caminho do vinho novo e por eles procuram o sol e a sabedoria para cada novo ano.
É mais difícil empar a vida em mulheres, que precisam de amar muito para nos suportar.
É difícil também empar a vida em homens, que precisam saber que as mulheres os amam muito para andarem seguros junto ao arame onde os colocam alinhados.
Empar a vida a dois é decidir da areia, da quantidade de água e, sobretudo, escolher em comum com um copo de vinho de areia os olhos mais capazes que mostrarão o caminho da felicidade.
Continuo desalinhado com os mesmos olhos com que nasci, para a vida e para o resto, sabendo que tudo o que disse pode deixar de fazer sentido, se for empado na estação certa, alinhado ali, com mãos ágeis que me surpreendam, junto ao arame da vida.

domingo, fevereiro 12, 2006

Cartoons, por acaso


Não temos falado dos cartoons. Dos incendiários cartoons.Pela linha temos contornado os outros e por eles, temos estado. Hesitei em faze-lo. Hesitei muito. Porque muito já foi bem dito. Porque me basta a crónica de Miguel Sousa Tavares no Expresso de sábado, 4 de Fevereiro, e algumas prosas de alguns blogs.

Mas esta questão tem inerente a si, em linguagem de linha do norte, um mudar de agulha. De uns cartoons sobre Maomé acabamos depressa demais a falar em liberdade de expressão. Desde já, sou das que a defende incondicionalmente. Mas não me parece que tenha sido isso, em si, que tenha estado na origem do conflito. Começou na questão da profanação do sagrado e ela ser ou não admissível enquanto liberdade de expressão.

Mas nem seria por isto que escreveria. Foi ao pensar em liberdade de expressão e mais concretamente na liberdade de imprensa. Desde já, sou das que a defende incondicionalmente. Mas desde já, também, sou das que a descre de há uns tempos para cá. Não sou descrente da liberdade, sou descrente do que se esconde sobre essa liberdade. Do uso da liberdade.

Sempre gostei de folher jornais, sempre acendi cigarros para começar a ler e sentir-me informada, sempre acreditei que ficava um pouco mais sabedora. Errado. Profundamente errado. Agora, sinto que me deixo um pouco mais manipulada. E agora, quando leio jornais, tento o exercício de perceber onde querem chegar, o que querem defender, o que estará para acontecer. Das coisas que sei profundamente, nunca li ( há excepções. raras.) uma noticía consistente, bem informada, isenta. Desde que sei como se colocam notícias, como se usam os médias, como se contratam empresas de comunicação... sei que a liberdade pode ser preversa. Que a informação é truncada. Que o que leio do que não sei, é continuar a não saber.

Pecarei por excesso. Talvez. Não tomo a parte pelo todo, mas a parte é muito, muito grande...

Continuo a ler jornais. Apaixonei-me ainda mais por artigos de opinião e crónicas. E sobre estas, deixo aqui um bocadinho da “ Fronteiras Perdidas” do José Eduardo Agualusa na Pública de hoje:

Quanto a mim,confesso, gostaria muito de quebrar certas ideias à martelada. Infelizmente nenhuma das ideias que mais me incomodam foi moldada em cerâmica. “

a cor da manhã

era esta, hoje, Domingo, em Leça, na praia de Fuzelhas. nítidos o mar, as rochas, a areia. o ar, quase quente, riscado por vozes de crianças (à boleia no vôo das aves marinhas).

por todo o lado cães com donos mansos pela trela, muitas bicicletas e toda a sorte de gente vagarosa - uma fauna diferente (infinitamente mais silenciosa e agradável) da que se encontra durante as tardes de domingo.

quase, quase, apetece ficar cliente de manhãs assim.

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sábado, fevereiro 11, 2006


Isto de escrever não é mania. É chuva. É jeito. É vontade quente.

Sempre fui muito melhor escritora de cartas que de textos. Sempre tive melhor as palavras num espaço confinado e íntimo do que num espaço imenso. Sempre. Consciencializei mais tarde essa sensação de precariedade que qualquer texto me deixava no fim. Ao mundo, sempre senti que pouco tinha a dizer. Aos meus remetentes, sempre senti que tinha tudo a dizer.

Havia os textos meus, cadernos riscados, onde escrever era vingar qualquer dor. A dor de não caber em mim, a dor do mundo, a dor de um amor, a dor pequena e rasteira. Ficaram nos cadernos esses escritos abandonados de quem depois cresceu, a quem depois não doeu.

Havia os textos que eram cartas. Muitas. Imensas. Quentes. Havia as cartas onde escrever era fazer a intimidade, ousar a sedução, abreviar a timidez. Nessas, sempre senti a escrita mais perto. Quase a arfar.

Havia os textos publicados e os textos concorridos, e esses aconteceram muitas vezes por haver tempo a mais em Setembro de fim de verão. Por haver noites a mais para uma vida ainda a menos. Porque havia um jeito fácil e folhas brancas ao lado. Sempre senti que pouco tinha a dizer ao mundo e a sinceridade desses textos, sendo genuína, não era profunda.

A mão parou devagar em cima da chuva. Começou a folhear mais que a escrever. Deixou-se devagar entropecer. Continuaram cartas cada vez mais esparsas. Descobri homens e mulheres mais sabedores das palavras, mais perto delas.

Ás vezes, acontecia-me ficar triste por já não escrever. Ás vezes, acontecia-me achar que era um segredo a retomar contra o mundo.

Mas ficou de uma quietude imensa. De uma chuva mansa. Porque não tenho necessidade.Porque tenho uma resposta. Porque sei que agora eu escrevo a memória das minhas filhas.

A Linha do Norte trouxe-me, de novo, a esse movimento hesitante da mão. Á tremura das palavras, ao arfar delas mais perto de mim. Mas como temos uma folha branca dividida, ainda me perco entre escrever um texto ou fazer uma carta... a linha seguramente me fará esta aproximação. Porque duas linhas paralelas interceptam-se no infinito.

"É preciso amar muito os homens.



Mesmo muito. Amá-los muito para os amar. Se não for assim não é possível, não se pode suportá-los."

Marguerite Duras, in A Vida Material

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PROVA CEGA


De uma garrafa de tinto, verteu-se o líquido para o decantador. Aqueceu-se à temperatura junto à lareira. Respirou. Libertou-se!
Adormece nos copos de prova.

H: observa a côr, o brilho, a viscosidade. Bordo. Unha. Anel. Agita o copo. Cheira. O bouquet. Madeira, chocolate, tabaco, especiarias. E prova. Encorpado. Um pouco adstrigente. Taninos vivos. Comenta que é vinho para tango.
Bom vinho. 16,5

M: observa o copo. Parece-lhe um Sisa. Gosta do reflexo no vinho do fogo da lareira. Cheira-lhe a framboesa de um perfume que passa. Prova. O corpo aguenta. Sabe-lhe a um lugar antigo, fala da Grécia, resinoso. Mete lenha na fogueira. Bebe o resto de um trago.
Bom copo. 15,5

D: Pega na garrafa. Lê o contra-rótulo e fala das castas, bebendo o copo por inteiro. Comenta. É tinto. 101 octanas com aditivo de aguardente vínica. Maior resistência à ignição antes que salte a chispa da vela. Acende uma vela e enche novo copo.
Boa-noite. Hora da linha. 01,27

Cego ukraniano (empregado da casa): Farto das tretas e das trevas da conversa, levanta-se do sofá à procura de um copo. Pega na bengala, tropeça e exclama: - poda-ze! Никто дает чашку к мне?
Parte o braço. Confirma M. Hospital.
Episódio de urgência. 15 euros.

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

"Contribuição para a estatística


Em cada cem pessoas:

Sabendo tudo mais que os outros:
- cinquenta e duas,

inseguras de cada passo:
- quase todas as outras,

prontas a ajudar desde que isso não lhes tome muito tempo:
- quarenta e nove, o que já não é mau,

sempre boas porque incapazes de ser de outro modo:
- quatro; enfim, talvez cinco,

prontas a admirar sem inveja:
- dezoito,

induzidas em erro por uma juventude, afinal tão efémera:
- mais ou menos sessenta,

com quem não se brinca:
- quarenta e quatro,

vivendo sempre angustiadas em relação a alguém ou a qualquer coisa:
- setenta e sete,

dotadas para serem felizes:
- no máximo vinte e tal,

inofensivas quando sozinhas, mas selvagens quando em multidão:
- isso, o melhor é não tentar saber mesmo aproximadamente,

prudentes depois do mal estar feito:
- não mais do que antes,

não pedindo nada da vida excepto coisas:
- trinta, mas preferia estar enganado,

encurvadas, sofridas, sem uma lanterna que lhes ilumine as trevas:
- mais tarde ou mais cedo, oitenta e três,

justas:
- pelo menos trinta e cinco, o que já não é mau,

mas se a isso juntarmos o esforço de compreender:
- três,

dignas de compaixão:
- noventa e nove,

mortais:
- cem por cento, número que, de momento, não é possível mudar."

Wislava Szymborska, citado por João Loão Antunes in "Sobre a mão e outros ensaios"

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O fizz das Preces


O fizz das Preces, H, tenho-o no corpo sempre que dele me lembro. E retenho imagens de M, também, quando as passagens-de-ano eram uma religião com cartoonistas deslumbrantes e fiéis convertidos à imaginação e à liberdade, que ensinávamos uns aos outros andando entre os lagos e as casas. Apenas andando com os nossos gestos. Três pontes para três entradas. Já escrevi isso sobre Os Campos.
Tínhamos a idade onde tudo era possível,
imprevisível,
e o amor,
um licor,
a servir pela madrugada azul com sol a nascer no Colcorinho.
E lembro os mais novos, na Páscoa, que por ali connosco habitavam futuro.
Adormecíamos muitos, já no aconhego da casa grande, como me apetece esta noite a mim:

MÚSICA

Para cá, para lá...
Para cá, para lá...
Um novelozinho de linha...
Para cá, para lá...
Para cá, para lá...
Oscila no ar pela mão de uma criança
(Vem e vai)...
Que delicadamente e quase a adormecer o balança.
- Psiu... -
Para cá, para lá...
Para cá, e...
O novelozinho caiu.

Bandeira, Manuel, Obras Poéticas

Boa-noite!

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Caçadores de cartuchos e um tiro certeiro no terreiro

A reconhecer caminhos pedestres na serra para a GR 26 com o mesmo bom frio que relembro das Preces, tropeçamos invariavelmente em cartuchos no chão.
A serra recheada a cartuchos.
Defende um amigo - e bem! - que cada caçador só deveria ter acesso a novos cartuchos se devolvesse, no acto de nova compra, a mesma quantidade em cartuchos vazios.
Devolver o vasilhame sem tara, sem a tara de sujar.
Concordo!
- Sr. Sec. Estado do Ambiente: aceita a ideia e implementa-a, ou quer um tirinho, certeiro, na mioleira incompetente? Se aceitar o tiro, o cartucho ficará no chão, em pleno Terreiro do Paço.
(Passa um viajante no Terreiro!)
- Ó que caralho, ó Cartucho, então agora com a banca da graxa por aqui, o que é que se passa?
- Abriu a caça aos incompetentes! É certame periódico no Terreiro em cada novo governo que toma posse, há quem precise de graxa e há novos clientes - disse o Armindo Cartucho, engraxador, polindo a biqueira do sapatinho Gant esquerdo liberal do Adjunto-do-Chefe-de-Gabinete-do-Senhor-Secretário-de-Estado, obviamente pesaroso e carregadinho de luto Giorgio Armani até aos pés.

Post de Pijama

É raro acordar tão cedo assim, muito antes desta hora, para acabar trabalho que a noite já não deixou.Raríssimo.

Mas acordar a esta hora revela memórias quase esquecidas. O frio da manhã.

O mesmo que lembro, da infância, das manhãs de viagem em família, da excitação misturada com um sono imenso e... este frio fino e certeiro. Das últimas malas que não cabem no carro. Dos vidros embaciados. De todos, apertados, enfiados no começo da viagem.
Também é o mesmo frio que lembro das manhãs de retorno à casa das Preces com a madeira a ranger de denúncia. Deixavamos a noite em claro, que a adolescência tem que se viver 24 horas, e quando já não tinhamos mais histórias no canto da sala ou quando o tempo, a alma ou o amor pedia território demarcado vinhamos caminhar para fora da casa. A noite acabava sempre nesse começo da manhã, que lembro sempre quase azul e enevoada, e na certeza do colchão de palha na cama quente da casa grande. Era o mesmo frio, ensonado e feliz.Ou triste. Que este frio se fez para os dois.
Era o mesmo frio das manhãs de partida para férias. Havia a hora do comboio exacta ao minuto, a mochila já pronta, a vida em aberto e o horário da linha obrigava quase sempre a este encontro matinal.


Sempre o mesmo frio. O frio da manhã.

Depeche Mode



" enjoy the silence "

Gin Bombay.

Bilal, Enki, A Mulher Armadilha
Recebi a notícia de Bombain e tomo-a por verdadeira: uma mulher, lá pelas índias onde já estivemos eu e M muitas vezes, bebeu tanto gin enquanto teimava a escrita em português, que uma noite foi encontrada com tons de azul. Mulher armadilha. No Google Earth, se tiverem sensibilidade suficiente para passar a barreira dos 100% de definição e auscultadores... encontram-na e ouvem-na sentada na máquina do gin.

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

PROPRIETÁRIO

A esta hora, depois de várias tarefas previsíveis e mais um encontro, denso, com a parte feminina do mundo, anuncio que tenho casa sob OPA da CGD, um carro, muitos livros e CD's, um emprego, 50 acções do Sporting e 400 da EDP e um terço de um blogue. E meia dúzia de amigos que tento cumprir. Não quero que a bolsa e a CMVM abram daqui a pouco tempo sem esta informação essencial. O mercado anda agitado e não quero ter qualquer responsabilidade na sua relatividade. Para que conste!

Atarefada

Ando a tratar da OPA... mas que me lancem uma OPA sobre mim. Preciso de comprador para a alma.


Aviso: não anda a cumprir o pacto de estabilidade e a convergência com o resto do mundo, nomeadamente com a união europeia, está longe de ser conseguida. Mas creio sinceramente ser uma operação interessante.

terça-feira, fevereiro 07, 2006

Hamlet e Maomé





















O´Neill, Amigo, in no Reino da Dinamarca

Há quem deixe um risco no céu como Halley. Deu-me algumas noites de prazer. Órbita de 76 anos, professor de astros, HR, a espreitar comigo o trajecto.
Há quem pinte a cal um risco mais branco, quando a obra é da igreja e os anjos aproveitam a goma do fundo do balde para branquear as asas.
Há quem risque livros inteiros, a lápis azul, momentos de censura extrema.
Há quem deposite esteticamente um risco preto por sobre os olhos e sobre os lábios nos mercados do afecto.
Há também que ouse o risco, trocando a vida por convicções profundas.
E há ainda o indefeso cartoonista, que riscou a lápis de carvão a sua arte de ser livre, profeta Maomé como é, Mao?, mééééhhh!, Hamlet de Shakespeare, como se houvesse algo de podre no reino da Dinamarca.


Desejo para memória futura na Linha do Oeste


No meio de uma vegetação luxuriante, constituída por árvores centenárias onde a árvore de papel readquiriu nova folhagem, as Termas da Amieira são a imagem da boa recuperação paisagística e de uma excelente iniciativa de desenvolvimento rural. Reabriram em 2008, imaginando o cenário de 1886, após a reconstrução dos três edifícios de hotel, balneários e casa das máquinas. Ao lado da linha, o rio Pranto tornou-se também navegável, reiniciando as ligações turísticas à Figueira da Foz. Comboio e barco. Baixo Mondego por cenário e conforto que baste.
- Na altura, os comboios eram ainda menos confortáveis, disse-me V. Eram uns comboios vermelhos, só com duas carruagens. E os bancos mudavam de sítio, para que os passageiros pudessem ir sempre de frente para a paisagem - contou entre risos.
- Estamos a chegar a Alfarelos, fim da viagem. Apanha um táxi para Soure. Logo, logo regressa, no das 18:53, vou buscar-te. Jantamos no hotel e dançamos, parece que é a dançar que se fazem os amores.
O comboio apita e o “linerman” ergue a bandeira, parando-nos a poucos metros da estação.
- O que se passa, perguntou V.?
- É para dar passagem ao comboio da linha do norte. É comboio privado, prioritário, de três amigos que lançaram uma OPA sobre a CP.
- Cabrões! É o mal de chegarmos à tabela – disse V., convidando-me ao último copo no Waggon-bar. Branco, casta Fernão Pires - “Terras de Sicó”. Para que conste e se prove fresco com prazer.

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Bora ?

Bora lançar uma OPA sobre a CP ? ... também oferecemos 9,5 posts !

Aí, não resisto...

Aí, não resisto...parece um bocadinho de vaidade mas é mais perplexidade. Hoje fui espreitar ao Site Meter e fiquei estarrecida... do Japão, da Suécia, da Califórnia já nos espreitaram. Que graça imensa tem esta incompreensão, minha e deles. Qual inter-rail, qual comboio que foge fácil sobre o globo... insondáveis linhas para além da nossa querida linha do norte.

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