terça-feira, abril 29, 2008

EURO 2008

Uns rapazes da comunicação decidiram escolher uns meliantes para empurrar um autocarro da GALP desde Lisboa até às terras do europeu Áustria/Suiça. No percurso vê-se o touro da Osborne, presumindo Espanha, depois o frio na nevesinha mediática como quem diz «fim feliz». Duas considerações: não há a puta de uma música portuguesa vitoriosa que substitua o «paths os victory» do velho Dylan? Quem convocou o Simão Sabrosa, que sai com essa dúvida de espanto da camioneta?

Arroz

A minha bisavó paterna tinha-o todo o ano nas águas da Gândara. Passou até mim a receita: um tacho pequeno à medida. Uma cebola cortada miudinha entre os dedos, às vezes golpes nos dedos. Uma folha de louro. Um ramo de salsa. Um dente de alho esmagado na casca. Uma tirinha de carne gorda de porco para o colestrol e uma rodela de chouriça. Azeite, azeite. Sal, pouco sal. Deixa refogar. Mete uma caneca de arroz. Deixa estrelicar. Mexe com uma colher de pau, esquece a ASAE. Se te descuidares, deixa cair uma gota de vinho branco do copo com que andas a dançar enquanto esperas. Põe água à mesma medida. Deixa cozer. Enfeita com uma folha de hortelã. Nunca tive um controle absoluto. Cresce sempre para misturar em outra refeição com ovos mexidos. Nunca pensei que este meu pequeno descuido, excesso nas quantidades, fosse hoje um problema mundial.

cada um

depois tenho um filho, de 9 anos, tão mas tão pouco vaidoso que (porque as velhas já lhe apertam) prefere que eu lhe compre umas sapatilhas à minha escolha, do que ir comigo à sapataria: "eu não dou muita importância a isso, desde que sejam nº 36", desculpa-se. é além disso um obreiro, o rapaz, um fazedor tão compulsivo que, além de nos arumar e limpar a casa toda em certos dias de tédio, se o deixássemos, instaurava nela toda uma nova ordem organizacional. podia ficar a noite toda a contar por que motivos às vezes não resisto a pensar, embevecida, que está criado este filho, construído, que pouco mais podemos interferir, que irá sempre onde, e só onde, ele quiser. e depois do embevecimento, resta-me com ele também a esperança. de que a vida seja tão simples como isso.


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cada um

tenho uma filha de 7 anos tão, mas tão, vaidosa que, além de passar horas a cuidar de si ao espelho, até de mim tem vaidade (pediu-me há tempos para me mostrar às suas colegas e agora, já a pensar na festa do dia da mãe na escola, anda a planear a minha vestimenta e penteado). é também fútil, tão fútil que quando for grande quer ser algo entre famosa, actriz, bailarina e dona de uma confeitaria, para poder comer chiclets sem pagar. e assim, qualidades que podiam roçar o defeito tornam-se amor derretido, risos abertos e comoção. e esperança, de que a vida dela possa ser, a par disso, ainda uma vida plena, feliz e transbordante.


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importo-me com os laços

não sei se consigo continuar esta corrente atirada pela Isabela (uma honra). é que eu tenho mais tendência para me importar do que para não me importar (sou um tanto irritadiça na vida real). ora vejamos então:

  • não me importo quando posso ser dona-de-casa (passar o dia a levar e buscar filhos à escola, abastecer a casa de mercearias, estender roupa pelo frio da manhã, apanhá-la ao fim da tarde, cozinhar almoços e jantares e distribuir ralhetes a cada passo)
  • não me importo de passar férias sempre no mesmo sítio
  • não me importo de não ir ao cinema (vá, crucifiquem-me) nem de não ler jornais
  • não me importo de pôr o dedo no pontómetro à entrada e à saída do trabalho nem de fazer as actas das reuniões
  • não me importo com o telemóvel nem com a televisão
  • não me importo de ter de fazer contas à vida (nem de explicar aos meus filhos que há coisas que não podem ter porque são caras)

como também não me importo nada de quebrar regras sem nexo, não digo mais nada. lanço a corrente a quem quer que ache piada a isto e lhe apeteça penetrar numa corrente sem convite expresso.


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(...) - me


julião sarmento

domingo, abril 27, 2008

Smarts

Como fósforos à espera do seu risco.
Nunca mais digas que o mundo já te está definitivamente ordenado.
Um coração pode explodir no peito como as pétalas num malmequer.
Bastou ver a alegria que fizeram ontem todas as cores
explodindo umas sobre as outras só para reavivar a cor dos teus olhos.

Triana


Triana fica mesmo do outro lado do rio Guadalquivir. Bairro operário, berço do Betis e de muitos toureiros e artistas, mantém ainda parte da sua autenticidade que se respira na noite quente, nas casas antigas e floridas das ruas quase sujas, nos bares cheios e nos copos bebidos junto ao rio, nos muretes de pedra, onde o mundo conversa o calor de abril. Nas cidades do sul as conversas de noite são quase sempre varridas a brisa e tem um rio por perto para humedecer o estalar seco da alma. Porque todo o mundo sai para a rua, se senta na pedra e conversa. Sejam jovens, operários ou aristocratas, mulheres de vulgaridade bonita ou beleza rara, donas de casa roliças e devotas. O mundo inteiro cabe no mesmo espaço, sobre a mesma noite, na mesma frescura.

Bebemos um gin e ficamos na calidez da noite a olhar o rio e o mundo. A espreitar a felicidade feita da sintonia entre a vulgaridade e o seu quente usufruto, feita de pequenos prazeres insuspeitos e disponíveis. Tão perto da água escura.

Acabamos a conversar com o empregado, a quer saber para onde vão quendo querem dançar sevilhanas e assim acabamos no “ el nuestro”. Um bar pequeno e ocre com um estrado no canto onde, ao vivo, se tocava e cantava sevilhanas e flamengo. Um bar onde se fumava com despudor, onde os copos pousados no chão se partiam com frequência, onde a dança acontecia espontânea nos corpos das mulheres e se concentrava no taconear dos pés e no movimento das mãos. Espaço exíguo e sem qualquer adorno senão esse de ser um espaço para dançar e nele caber o mundo inteiro a bailar ou tão só o mundo encostado ao balcão como quem espera o amor ou nele acredita. Junto ao estrado, onde se alternavam os tocadores de guitarra e as vozes, penduradas duas imagens da Virgem de la Macarena, ali a meias no mais profano da noite.

Ficamos quase até ao fim, enebriados com a dança que brota das mãos, sem idade e a caber em todas as histórias de vida, sobre o olhar protector da virgem que, suspeito, só não pediu mais um gin por vergonha.

sevilha, o calor


Em sevilha o quarto tinha um terraço de onde se avistava a catedral. Um terraço com sardinheiras e sombras oblíquas ao calor que já estalava o sul. O terraço para a brisa do entardecer e do chilrear das andorinhas. O terraço para ler, para o vagar de esperar a noite no quietar das laranjeiras. O azul quente do sul a mutar-se na luz dos candeeiros,amarelada na brisa da pedra. A quietude do calor.

Em sevilha vi à noite, em torno da catedral, o voo imenso e frenético das andorinhas. Não sabia que voavam à noite, e ainda não sei. Não mais as vi, mas suspeito que naquela primeira noite quente celebravam o calor. Estranho, o voo nocturno das aves em torno da catedral.

O calor a chegar, mouro, lá nas terras árabes do sul.

sábado, abril 26, 2008

estado-esmola

na Pública do passado Domingo foi publicada uma impressionante reportagem de Ana Cristina Pereira sobre uma mulher do Bairro de Aldoar, espécie de santa protectora dos moradores. chama-se Esmeralda Mateus e, além da sua intensa actividade beneficente (pela qual foi, há dois dias, homenageada pela Câmara Municipal do Porto), é presidente da associação de moradores do bairro e representa o Bloco de Esquerda na assembleia de freguesia de Aldoar.

entre os seus protegidos, conta-se Laulau. Laulau é "um velho acamado" que vive com os seus 2 filhos deficientes num T2 deste bairro camarário. a jornalista acompanhou Esmeralda à casa de Laulau e a descrição é uma descida ao fundo dos infernos: o "cheiro nauseabundo", um velho doente que "escarra nas paredes", borra de café nas paredes e no chão, uma filha que "deita tudo no chão, mija em qualquer lado". Esmeralda recebe 200 euros por mês da Segurança Social "para aquilo estar limpo". "Vai lá três vezes por semana, limpa o pior (...). A mulher-a-dias vai com ela, cobra 30 euros por semana, limpa o resto. A mulher-a-dias está sempre a mudar. «Têm tanto nojo. O que lhes mete mais nojo são os escarros na parede». Há três meses que a Segurança Social não dá um tostão para a limpeza do apartamento de Laulau. É como se o tivesse esquecido. Esmeralda é que tem suportado os custos da mulher-a-dias, dos detergentes, de alguns medicamentos «para o velho não chorar de noite»".

é uma história que nos revolve por dentro mas tristemente é apenas uma entre muitas outras do Portugal tecnológico do século XXI, aspirante à vanguarda nos cuidados de saúde. são situações bem conhecidas de quem trabalha, por exemplo, num Centro de Saúde: pessoas tão dependentes como crianças entregues a si próprias (e à caridade de estranhos) num quase total alheamento do estado dito social, dito providência. digo quase total alheamento: por vezes há uma pensão, um dinheiro que chega erraticamente, ocasionalmente uma visita da assistência social ou até, como neste caso, um T2 gratuito. não interessa se o que dá é o que é preciso, se permite a cidadãos doentes, totalmente incapazes e vulneráveis, uma vida no limiar da dignidade. nada disso importa. o estado passa ao largo, dá o que pode, como uma esmola, como se a mais não fosse obrigado.

(citações são da reportagem mencionada, Pública de 20 de Abril de 2008; fotografia de Adriano Miranda, recortada da mesma reportagem)

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sexta-feira, abril 25, 2008

o meu 25 de Abril

eu tinha 7 anos em 74. andava na 2ª classe e só tinha aulas à tarde. o meu pai tinha ido trabalhar e para mim, os meus irmãos e a minha mãe, era uma manhã igual às outras. lembro-me de estar na cozinha e de ouvir lá fora a voz de um vizinho amigo dos meus irmãos que chegava e se surpreendia: "Então vocês ainda não sabem? Houve um golpe de estado!" - palavras que nunca tinha ouvido antes mas que se preparavam para mudar, para sempre, o clima lá de casa.

a sensação que mais forte me ficou foi a de, nos dias seguintes, à mesa, o assunto ser sempre o mesmo. era uma conversa absolutamente nova entre os meus pais e da qual nós os 3 ficávamos de fora. eu esperava, confiante, que aquilo passasse porque já tinha acontecido outras vezes, surgirem umas conversas assim impenetráveis dominando durante uns tempos as refeições, mas que acabavam sempre por se desvanecer. mas isso nunca aconteceu. aquilo nunca mais acabou.

os meus pais aderiram, desde a primeira hora, ao PPD, galvanizados pela personalidade de Sá Carneiro, esse extraordinário homem do norte que assim tiveram o privilégio de conhecer. lembro-me de no dia das primeiras eleições, ouvir a voz da minha mãe na rádio, para onde telefonou assustada pela fraca afluência à sua mesa de voto, apelando para que as pessoas fossem votar.

lembro depois os dias quentes de 75 e o medo que o meu pai tinha dos comunistas (que o faziam desdenhar da generalidade da iconografia da revolução). o meu pai tinha um pequeno terreno em Águas Santas (onde nasceu) que nessa época se apressou a vender: "antes que venham aí os comunas e fiquem com tudo". isto era assunto de conversa meu com as crianças da vizinhança que às vezes se riam e eu não compreendia completamente porquê.

foi isto o meu 25 de Abril, o meu golpe de estado, uma coisa que só começou a acontecer nesse dia e que não trouxe logo consigo o conhecimento e a compreensão de tudo o que estava em jogo. tive que aprender o que me faltava da revolução mais tarde, à minha conta. e é por isso que é fascinante revivê-la pelos meus filhos, aprendendo todos os anos mais alguma coisa, com eles e para eles. ainda hoje passamos o feriado quente por casa com eles a passarem repetidamente o Grândola Vila Morena e o E depois do Adeus (de que ontem, pelos vistos, falaram muito na escola) e eu a comprar no iTunes umas músicas de Fausto e de Sérgio Godinho (autores que muito cantei à roda de fogueiras em campos de férias mas que nunca fiz representar decentemente no meu espólio musical). com mais alguns temas da colecção dos 50 anos de música do Público, fizemos a festa cá em casa. só faltaram os cravos.


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benvindo ao futuro

ontem, em conversa à mesa de jantar, a I, de 7 anos:
- Eu já tive a varicela?! E em que computador é que apanhei o vírus?

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quarta-feira, abril 23, 2008

de cavalo para burro e de burro para mastodonte

depois de Santana, e mais ainda depois de Menezes, quando pensávamos que pior era impossível, eis senão quando se aventa a hipótese de Alberto João entrar na corrida para líder do PSD, "para fazer no país aquilo que fez na Madeira" (clamava ontem na rádio, não um ilhéu qualquer, mas o presidente da distrital social-democrata de Lisboa). posto isto, o assunto passa da temática político-partidária para a da sociologia, ou da etnografia, senão mesmo da zoologia.

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segunda-feira, abril 21, 2008

agora estou...

Não chovi nem me desfiz em água. Apenas estive sem sopro num tempo sem ar. Apenas. Agora chego devagar. Como que hesitante no respirar.

Comprei uns livros baratos dos caixotes que chegaram para a feira. Decidi não comprar mais enquanto não me perder nos que tenho para ler e na vontade de os ler. Mas comprei uns de poesia. Dou comigo a roçar-me na vontade de ler poesia. Como um salivar mais espesso. Como uma vontade mais forte e menos intelectual. Como se de uma suspeita se tratasse, a de só num poema ser capaz de encontar tudo a dizer com a brevidade das palavras. Uma vontade forte e truculenta.

Tenho duas viagens a fazer nos próximos dois fins-de-semana . Uma reserva de prazer próprio feita dessa matéria que é mudar o lugar aos dias. Sevilha agora, Copenhague no próximo. Latitudes.

Agora tenho muitos mais posts para ler, muito mais concentração de coisas prazenteiras a repor. Agora tenho o verão mais perto mesmo com o engano da chuva. Agora estou.

Viagem a um sítio Real II - Chinchón

© Chinchón (vista do muro das lagartixas) 2008


© Chinchón 2008

Quando chegas à Plaza Mayor, percebes tudo. Há tanta diferença ou tanta partilha, que os donos das casas não são necessariamente os donos das varandas, lugares comprados, sagrados, como balcões para assistir à lide dos toiros.
«Gostas de toiros?»
«Gosto tanto como as vacas!», responderam-me.
Chinchón tem história de realeza, tem Goya nas pinturas da Iglesia de la Piedad, Ntra. Sra. De La Asunción, também tela da sua Condesa e tem uma estória: «as lagartixas». Diz a estória que quem não tinha dinheiro para a posse dos balcões, subia a rua estreita até ao teatro rosa, Lope de Vega, sentava-se no muro que dá vista à praça e via a lide ao sol, sentindo-a no espaço da sombra. Sol e sombra. Os dos balcões, tinham vista total sobre a lide. Os do muro de cá de cima onde estive, quando o toiro procurava terrenos de sombra, apenas sentiam a corrida conforme os aplausos ou os apupos, vivendo-a parcialmente como invisuais, mas vivendo-a sempre. Ficaram conhecidos como «os lagartixas». A natureza do sol. Lá do cimo, imaginando a corrida do próximo Outubro, também eu me senti (sentei, cú no muro!) como uma lagartixa.

domingo, abril 20, 2008

atrasos

ainda ando a ler posts de outros blogs que tenho em atraso por causa das férias. faço habitualmente férias sem net o que me traz o sabor antigo, requintado e hoje raro do distanciamento (o mundo global abre-nos muitos caminhos, mas poder sair dele é ainda uma grande viagem).

a recuperar deste atraso, descubro este post da Isabela. vou já comprar o livro, quando for buscar os meus filhos à festinha onde agora estão. naquela parte em que a Isabela fala da felicidade de viver, da mutação da ideia de felicidade que a vida vai induzindo, aqui para nós, aquilo não é sobre ela, não pode ser, é sobre mim.

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sábado, abril 19, 2008

a Missão

nos últimos dias, a Missão para os Cuidados de Saúde Primários tem aparecido nos jornais e merecido algumas frases em noticiários de TV. a Missão é a equipa encarregue de levar a cabo uma profunda remodelação dos cuidados de saúde em Portugal e, embora isso não seja nada que se compare ao resultado do benfica-sporting ou à crise do PSD, sempre é notícia se surge uma demissão (que não se concretizou), umas reuniões com a ministra da saúde e depois oito demissões, essas sim, concretas.

como me entristece que o momento mais promissor de sempre para o nosso sistema de saúde seja tão pouco notícia, e quase só o seja pelas piores razões, e como me irrita que às notícias disponibilizadas on-line e aos posts em blogs que as linkavam, prontamente surjam os comentários bélicos, mesquinhos, vendidos e anónimos do costume, apetece-me vir aqui dizer que apoio a Missão na sua tarefa.

a Medicina Geral e Familiar é a especialidade charneira dos cuidados de saúde primários e, sabemos hoje, os sistemas de saúde baseados nos cuidados de saúde primários são os mais eficientes e sustentáveis. o coordenador da Missão, o Dr. Luís Pisco, já há muitos anos que lidera os médicos de família (portugueses e europeus) na construção da MGF como uma área científica, uma filosofia e uma prática de excelência. sendo um médico, e não um político, agarrou a oportunidade que foi oferecida à MGF de se ver no centro das orientações nacionais de fundo para a saúde, participando do respectivo enquadramento normativo e legal.

oxalá a Missão continue a trabalhar pelo que a MGF acredita ser o melhor sistema de saúde para um país. é um trabalho complexo e que provavelmente nunca estará completo. mantenham os seus membros a sabedoria, a serenidade, a persistência e o desprendimento que o Dr. Luís Pisco tem revelado no seu percurso pela MGF.


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sexta-feira, abril 18, 2008

Viagem a um sítio Real - Aranjuez


«Hay que llegar a Aranjuez com deseos de aprender».

Lá fui. Trabalho e prazer e aprender. Madrid é perto pelo ar. Madrid é longe pela história. Aranjuez! Real sítio de Verão da monarquia espanhola, à imagem de Queluz, Caserta, Schoenbrunn, Postdam, Mariefred, Versalles, Windsor… sítios reais da Europa onde a estação quente atraía os reis e seus reinos para a sombra dos prazeres.
Regresso menos republicano, tão avassaladora é a cultura ali disponível e a arte (que a tinham!) de escolher nas áreas rurais os melhores sítios para fermentar o pão, colher da terra os melhores frutos, diferenciar sombras para contrariar indisponíveis amores, deixar nos mármores passos riscados das grandes noites de dança à luz de copos e candelabros. E muita água de Verão ali aos pés da manhã. O Tejo que rega os jardins do Príncipe, património da humanidade. O Tejo do Pessoa, versão Alberto Caeiro. Aqui, também contrariando, o Tejo é belo, porque corre nesta aldeia e nisso ponho um prazer final.

terça-feira, abril 15, 2008

vamos a isso?

(imagem roubada do blog de António Manuel Venda)

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domingo, abril 13, 2008

"de olhos dados"

o Besugo, no seu melhor.

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sexta-feira, abril 11, 2008

Paradigma

© Vitor Nunes

Depois que os dedos fizeram de cada um o seu destino
e, perdidas as vozes, que réstia fica senão a tua sombra?
Ainda sabes onde corre a água na madrugada?
Voltaremos a ver-nos quando houver tempo de sobra.

terça-feira, abril 08, 2008

As grafias divergentes

Sou a favor que se integre a palavra num novo acordo ortográfico. Não sou especialista de linguística nem sei se é a palavra exacta. Do que lembro a correr da Carta de Pêro Vaz de Caminha e do rimado de “Os Lusíadas” na pena primeira dos seus autores, estaríamos hoje com um qualquer especialista da NASA a descodificar grafias para perceber a beleza desses textos. A Língua Portuguesa evoluiu, não é um túmulo grego ou latino. O «portuga» deste rectângulo que viveu Brasil, toda a nossa África que me entrou pela família, a Ásia do mercantilismo e que inventa portuñol e franciú, que destaca reclames em Newark e apresenta ementas em português na cosmopolita Londres, merece que reconheçamos esta nova vida da língua. Sim e o Pessoa da Pátria e da Língua e o Caetano Veloso e o Ministro Gilberto Gil e o Mia Couto e o Agualusa e o Aguinaldo Fonseca e o Caetano da Costa Alegre e o Amílcar Cabral e o Luís Cardoso de Noronha e tantos outros, lembrando também a gruta de Camões em Macau, escrevem português importado como nós fazemos pratos com as suas especiarias. Não me revejo nesta opção pelas quantidades. Os 180 milhão de brasileiros é número que baste. Discuto comigo uma outra dimensão: a fonética. Aí, caros amigos, ouvir cantar a palavra com outros acordes, é também uma doçura que me encanta.

eu também quero ir

Helena, tu lançaste o repto. é a 19 de Julho, no Passeio Marítimo de Algés. o PM vai. e nós?



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Monty Python

Na correria pela FNAC à busca de um Tomtom para a boa mobilidade da próxima semana de trabalho por Espanha, não resisto a pôr no saco o «Parachutes» dos Coldplay, a «Maré» da Calcanhotto, o «Lavagante» do Cardoso Pires, «Os Retornados» do Júlio Magalhães e a série dos Monty Python – Malucos do Circo. Todos viajarão comigo, excepto o John Cleese, que me acompanhará esta noite na TV, depois do Chelsea. Querem ver? Há bebidas e comidas já pagas no Continente. O meu dinheirito que considero por aqui bem aplicado. Depois em casa, na rota do Sapo, a notícia que John Cleese anunciou que se oferecerá para escrever os discursos de Barack Obama se este vencer as primárias democratas para a presidência norte-americana. Não há coincidências?

desfazer as malas

"(...) Era a voz antiga das mulheres, no tempo da minha infância. Chamavam-me para acender o lume. Cumpriam um preceito de antigamente: apenas um homem podia iniciar o fogo. As mulheres tinham a tarefa da água. E se refazia o eterno: na cozinha se afeiçoavam, sob gesto de mulher, o fogo e a água. Como nos céus, os deuses moldavam a chuva e o relâmpago.

A cozinha me transporta para distantes doçuras. Como se, no embaciado dos seus vapores, se fabricasse não o alimento, mas o próprio tempo. Foi naquele chão que inventei brinquedo e rabisquei os meus primeiros desenhos. Ali escutei falas e risos, ondulações de vestidos. Naquele lugar recebi os temperos do meu crescer. (...)"

(Mia Couto, Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra, Caminho 2002)

pela mão da minha mãe, uma descoberta destas férias: uma escrita fascinante e deliciosa que reinventa a nossa língua e à qual voltarei certamente.


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segunda-feira, abril 07, 2008

do outro lado

do outro lado da tragédia de Israel, estão histórias como esta que a Ana reproduz com o exacto assombro das imagens que passaram há dias na TV. é uma história ao contrário da dos judeus: é como se, quanto mais lêssemos sobre ela, menos a pudéssemos entender. são milhares de anos de vida que não é possível aprender. como se houvesse uma gralha no mundo, uma falta de sentido demasiado insana para ser possível.

a Ana fala também do Tibete. diz que a China se lhe assoma como um monstro, de duas cabeças. são tantos os monstros que a história nos reserva que, cruelmente, deixamos de ligar. convertemo-nos, nós próprios, no mais atroz dos monstros que é aquele que se deixa ficar a assistir.

"vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar". era bom Sophia, se fosse verdade.

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desfazer as malas

fui para férias a meio das 700 e tal páginas de Exodus mas a sul pude acabá-lo de um fôlego só, demorando depois muito tempo a libertar-me da sua atmosfera. este romance histórico (que vejo desde pequena em casa dos meus pais) conta a vida trágica dos judeus desde finais do século XIX e até alguns anos após a criação do estado de Israel.

foi só depois de começar a ler Amos Oz, e em particular depois do belíssimo (autobiográfico) "Uma história de amor e trevas", que percebi que precisava de conhecer mais sobre a história do povo judaico.

compreender que a tragédia dos judeus não começou nem acabou com o holocausto de Hitler, é demasiado horrível. descobrir que tantos povos, durante tantos séculos, perseguiram, torturaram e humilharam pessoas com base na sua etnia ou religião, sufoca-me. ver como, então como agora, governantes de países insuspeitos fecharam os olhos às atrocidades cometidas por outros, em nome de interesses e estratégias várias, tira-me a esperança. e aprender como é possível resistir, resistir, resistir, para lá do que é humano, para lá do que é respirável, na maior adversidade, no maior isolamento, no impensável. resistir e vencer, defendendo cada dia de vida, cada metro de terra sua, cada rosa, cada grão de areia, cada gota de água, cada palavra, cada oração, cada passo.

(quando fui à procura dele, o livro de casa dos meus pais já tinha desaparecido. nas livrarias também me disseram que estava esgotado. tive a sorte de pouco depois encontrar este Exodus, na montra de um alfarrabista, e por 5 euros!)

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domingo, abril 06, 2008

começou o tempo fácil

Começou o tempo fácil. A luz do calor e a suspeita de verão fazem, com uma facilidade gostosamente enganosa, a felicidade. Talvez não seja bem a felicidade mas antes a ideia de que tudo, em nós, faz sentido, se enquadra, se completa, se consustancia o que per si acaba por induzir à ideia de felicidade.

É tudo mais fácil, na pele. O ar e a vontade. Até respira por entre este sufoco.

Tenho as horas e uma diversidade de tarefas (que misturam obrigações, paixões e habituações) todas intrincadas umas nas outras, pelo menos nas duas próximas semanas. Mas nem esta impossibilidade imediata do vagar, que me costuma deixar a olhar para o sofá e para a cama como o território supremo do desejo, me perturba. O calor e a exalação doce da ideia de ordem, ajudam-me a acreditar que é um esforço perfeito…aqui pelo meio mistura-se a paixão de montar, quase sozinha, a feira do livro na escola das miúdas e convidar autores e ilustradores, marcar preço em quase mil e quinhentos livros, fazer bases de dados, espreitar os caixotes e os livros e a literatura infantil e as palavras e o encanto e uma estranha fé nisto da leitura e nisto de começar neles em pequeninos. Que esforço perfeito, tão solarengo e feliz de as ouvir ao longe a disputarem os post it’s para a marcação dos livros do Planeta Tangerina que trouxe hoje para casa, depois de os ir buscar pelo caminho estreito e empedrado no contorno suspeito do mar perto e a pique, a casa da Madalena. Depois a estrada do Guincho com os livros e as filhas no carro.

A luz do calor e a suspeita de verão fazem, com uma facilidade gostosamente enganosa, a felicidade.Que assim seja. Desfrutemos!

(Acabaram de me molhar este post todo. Soube da chuva para os próximos dias… mas há verdades que perduram para além da humidade que se possa instalar na ombreira de alguns dias…)

sábado, abril 05, 2008

desfazer as malas



a Helena chega-lhes (às crianças) sempre carregada de prendas, a mais das vezes livros, invariavelmente acertadíssimos. as imagens acima, que dispensam obviamente mais palavras respeitam a "Irmãos e Separáveis", uma BD (de Rick Kirkman e Jerry Scott, muito badalados por esta série genericamente intitulada por Baby Blues) que põe pais e filhos a rir de tudo o que parece insuportável no dia-a-dia de uma família com filhos pequenos.

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regresso


antes de me ir embora, já tinha partido - por isso parece que estive muito tempo longe. ou porque quando se está longe o tempo parece sempre imenso. de regresso agora, ando ainda a desfazer as malas de onde parece que se desprende este Verão que invade a casa.

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Movimento

A cada sol que passa, a sombra vive do corpo
como o amor cresce dum carinho.
Corpo quebrando, dobrando-se,
fazendo uma estrela dos pós do caminho.

quarta-feira, abril 02, 2008

Três nomes com sorte


© Sicó 2008

Podiam ser os nossos nomes
se tivéssemos caixa de correio
na última carruagem.
Destes nada sei.
Emigraram ou morreram.
Não há sobrenome que os ligue.
Que vidas são ou foram?
Que cartas receberam?
O Álvaro poderá ser Siza e arquitecto.
A Celeste uma cabrita do rebanho.
O José, o São José.
Entendiam-se. Pela ferradura, vida foi
uma sorte desejada!


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