sábado, maio 31, 2008

Maio em Valdeiglesias II, a Sierra Oeste de Madrid

Então conto. Fomos pelos aromas em ‘catas’ de vinhos, esqueçam agora um pouco a água nos olhos do arquitecto. Os monges plantaram ali a primeira vinha e ensinaram aos vindouros as artes mais primárias. Cistercienses, disse-nos Mariano no seu saber que não teriam os saberes das letras, mas tiravam da terra os segredos das cepas, do trigo, das ervas aromáticas e dominavam o percurso da água como as águias sabem do voo mais rápido para o alimento. Vi vinhedos centenários. Vi as artes novas da Califórnia a prazer de condes antigos. Num castelo visitado por festas de reis, dançámos essa leveza monárquica, andando em constantes vénias pelos vinhedos, cheirando as rendas das folhas entre os folhedos, decalcando dúvidas sobre as nossas certezas, sabendo das memórias do conde com pedra gravada a assinalar que «S. M. El Rey D. Afonso XIII honró com su presencia esta casa asistiendo à la caceria». Vinho «El Rincón», que anda aí pelos espaços gourmet com rótulo poético, falando da vida com a mesma melodia com que cantamos a família. Na sala de ‘cata’, calhou-nos nos copos um fio de azeite e, aperfeiçoada a boca, caiu nela um vinho à base de Syrah, casado com a Garnacha Tinta, alertando para o prazer que sobraria da despedida. A cepa da Garnacha a criar uvas, futuros olhos cor de púrpura, olhos de um outro olhar de uma mulher de que por uma vez mais me enamorei. Quando ouço o Scolari em publicidade primária a querer dedicar-se à vinicultura, azeda-me o vinho que aqui à frente tenho para o teu copo. Garnacha, os teus olhos que nos darão vinho para o que nos baste!





quinta-feira, maio 29, 2008

Maio em Valdeiglesias


Fomos pelos aromas em ‘catas’ de vinhos, mas depressa havia água em abundância. Terrenos cistercienses amanhados por monges do Monasterio de Santa María La Real De Valdeiglesias. E somar à memória um arquitecto, Mariano Garcia Y Benito, daqueles loucos que compra um mosteiro, cria Fundação e dedica-se de corpo e alma à sua restauração. Recebeu-nos nos escombros do que há, mostrando-nos os riscos que fez para o que aí virá. A água era o brilho dos seus olhos - duas cisternas cheias de água de vida! -, quando nos lia ao fim da manhã a sua história nesta civilidade que não tem preço. Posso dizer que a palavra cisterna virá daqui?


segunda-feira, maio 26, 2008

maio no minho


domingo, maio 25, 2008

as cartas todas


a princípio não me tinha importado de não poder ir à feira, aos autógrafos do António Lobo Antunes. sou daquelas que amou a sua escrita como uma revelação do mundo mas que já não consegue ler os seus últimos livros. gostaria de ter um autógrafo, sim, mas no meu exemplar desfeito de "A Explicação dos Pássaros", ou numa reedição dos perdidos "Memória de Elefante" ou "Fado Alexandrino" (um dos meus livros de sempre).

tinha uma festa de família e não fui. mas depois ouvi-o no Jornal das 24 (falador, quase afável, como nunca me lembro antes), e quis muito ter ido. disse que se tinha surpreendido por tantas pessoas (do Porto) gostarem dele e como isso tinha sido importante quando esteve doente. que fez questão de vir ao Porto, de onde um rapaz de 18 anos lhe tinha escrito algo como "não admito que o meu herói se vá abaixo das canetas". saber que, se o disse, é mesmo por isso que veio. perceber o que queria dizer, na entrevista à Ler, com "agora as cartas estão todas viradas para cima". se o tempo andasse para trás, tinha ido. tinha comprado o último livro e tentado uma última vez voltar a amá-lo dentro dos seus livros.

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quinta-feira, maio 22, 2008

a feYra, ainda

do programa não fica, para já, água na boca. além das gralhas do folheto impresso (a feira a começar "quinta-feira, 21 de Maio", prosseguindo directamente para "sexta-feira, 23 de Maio", ficando nós sem saber se algum evento caiu ali no meio), o que nos oferece sabe-me pouco a livros: inauguração com o presidente da Câmara, debates vários (um com chefes de cozinha, outro sobre "as instituições culturais do Porto", com personalidades que desconheço, outro ainda sobre "a cidade e o seu património", mais um sobre cidadania e um outro sobre "a importância da universidade do Porto na afirmação da região" - assim mesmo), dois concertos e dois eventos de tipologia não esclarecida intitulados "Poupar energia eléctrica - Mudar é fácil e não custa nada".

e nada sobre livros? alguma coisa, claro. no sábado, 31 de Maio (de certeza concertação dos astros porque nesse dia trabalho e não posso ir), um debate intitulado "escritores do Porto", contando com a presença de três deles (três, todos doutores, segundo o programa disponível on-line). depois de amanhã também será feita a homenagem a Nuno Canavez e, no último dia, o destaque a Germano Silva. é alguma coisa, mas acho pouco, e desproporcionado.

eu gostava de uma feira a cheirar a livros. onde se ouvisse o silêncio que ler requer (hoje a abrir ouvia-se Michael Franks alto e bom som, um músico que aprecio tanto que nunca poderia ler a ouvi-lo). repleta de literatura e de saber. povoada por escritores, e não só do Porto. onde leitores se encontrassem em conversas à volta dos livros. onde se ouvisse poesia, e mesmo pedaços de prosa. onde se contassem histórias às crianças. se calhar é pedir muito.

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a feYra

hoje ainda era o segundo dia, mas eu já estava. às três e meia em ponto e sem dar por isso a fazer filinha para entrar. mas desta quase que me vinha embora sem nenhum livro, e sem grande vontade de voltar. os livros que levava na cabeça não me apareciam nas esquinas habituais (há uma geografia da feira que se vai desenhando nos nossos hábitos e que este ano foi baralhada).

a certa altura encontrei vários num stand imenso chamado "Inovação à Leitura" que, ainda por cima, anunciava 20% de desconto em todos os títulos (parece que se trata de uma distribuidora de Braga que trouxe à feira do Porto os livros das editoras integradas na ausente LeYa). mas ali era o diabo conseguir ser atendida. e passei por tudo 2 vezes: uma pelos livros que os filhos queriam, outra depois, on my own, enquanto os pequenos brincavam no espaço próprio. o balcão era imenso e os que estavam do lado de dentro nem sempre estavam atentos a quem precisava de ajuda. do lado de fora muita, mas mesmo muita, gente. a mexer, a fazer perguntas e a querer pagar.

ao meu lado um homem mais alto chegado depois de mim conseguiu atrair primeiro a atenção do funcionário: queria saber se não tinham "o outro livro" de Amos Oz (na bancada estava exposto "O Mesmo Mar"). o senhor do lado de dentro olhou com ar perdido para a capa e percorreu numa vaga diagonal as prateleiras enquanto repetia baixinho "o outro livro", concluindo "acho que não, não temos". não tinham "Uma História de Amor e Trevas", mal sabiam que existia. perante isto foi sem muita esperança que perguntei, por meu turno, se tinham o primeiro volume de "Millennium" ("Rumo a Cabul") de Manuel Vasquez Montalban (o primeiro estava exposto). mais um olhar perdido pelas prateleiras e que não, parece que não tinham.

segui em frente e, 2 stands depois, ainda estava na Inovação e Leitura, agarrei-me a 2 livros do Ondjaki (cuja pinta me impressionou num texto d'A Origem das Espécies). já ia pagar quando resolvi aproveitar para comprar também um diccionário que fazia falta. azar o meu: o diccionário não tinha preço marcado e lá estive, tempos infindos até que se descobrisse quanto custava. escusado será dizer que, quando descobri, uns metros à frente, um José Luís Peixoto que me apetecia trazer, ainda pertença da Inovação à Leitura, logo pus de parte a hipótese de voltar a tentar ser atendida.

salvou-me a feYra o stand da Quasi que só encontrei muito no fim e de onde trouxe um tesouro em duplicado que aqui não conto pois um dos exemplares será, para cumprir a tradição, a minha prenda de anos para a Helena.

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quarta-feira, maio 21, 2008

John Terry

Quando marcava penáltis e era um jogador sofrido (sim, havia quem em mim ainda confiava!), lembrava-me sempre das distâncias: a bola a 11 metros, a baliza com os seus 7,32 de largura e 2,44 de altura, métrica decidida algures nas ilhas de bafio inglês. O meu penálti decisivo, lembra o meu irmão (que lhe bateriam se eu marcasse), foi contra um amigo. Não lhe bateram e, desiludam-se, foi golo limpo! Hoje assisti à final da Champions. Visto o jogo entretido, como dizia o velho Quinito, tomei parte por John Terry. O Cristiano Ronaldo foi paradinha arrogante. O Jonh Terry teve nos pés o penálti decisivo. Aos 11 metros escorregou e falhou. Retenho o seu olhar sobre a perna, cabeça baixa como um pedinte à procura da moeda do almoço. Marcando, ganhavam os azuis do Chelsea sem Mourinho. Como dizia o comentador de serviço, «metralhará a cabeça o resto da vida». As parangonas dos jornais desportivos de amanhã trarão os Ronaldos, os Nanis, o cinzento Queiroz nas capas e palavras doces ao Ricardo Carvalho e ao Paulo Ferreira, lembrando por saudosismo um tal de Mourinho. Sou pelo John Terry, capitão da equipa inglesa. Recordo-o aqui num lance decisivo que levou a equipa até ao fim das decisões, a sua cabeça evitando em corte soberbo um golo do Manchester, naqueles momentos em que as balizas se encolhem para registar o esforço dos campeões. Fica-me esse momento, Jonh Terry e que se lixe o penálti.

Espaços do coração

Para a Helena, aos seus parabéns!

Neste dia em que fabricas mais um ano, coisas que não são já coisas do corpo, antes envelopes guardando memórias, dedico-te a minha disponibilidade neste bom fim de tarde, amiga de sempre. Querem saber mais? Digo: não vos conto a nossa história, coisas só das nossas mundividências, mas que dela sei a forma, pronto, um momento da forma como constrói as palavras decisivas; que dela sei um pouco da moldura dos ventos onde ainda sopra sublime (acho que um velho desejo com asas de condor e olhos de perdiz) e todos os olhares que recolhe para nos termos; que dela sei espaços da partilha de um silvo, aviso decisivo quando nos estamos a perder; que dela guardo quase todos os postais inacabados, como inacabadas ficam sempre as nossas conversas; que dela colecciono linhas de destinos que imaginamos num mapa só nosso, como nossa é a fugaz alegria quando nos temos. Não lhe somo anos, somo sabores, sim, somos sabores. Que a vida nos traga um copo antigo, cristal sumário para nos vermos. Queres uma prenda? Cuidado ainda está um espaço disponível no meu coração, onde jogamos cartas às escondidas!

terça-feira, maio 20, 2008

em última mão...


Vou fumar um último cigarro pousado na última mão desta idade. Amanhã, terei em primeira mão uma nova idade e a mesma vida. Não estou de reflexões nem de chuva. Ocorre-me que não tenho nenhum objectivo a cumprir. Apenas amigos a cumprir.

Permente, permente é cumprir I. Reencontrá-la. Sei que vai acontecer e eu só espero um jeito bonito de o fazer. Uma ousadia ou uma irreverência a propor-lhe.

Recordo José B. em dia de aniversário. Esse homem perdido.

Gostava de ter umas palavras bonitas para o jpn, esse companheiro do 21, mas nada... num dos próximos anos convido-o para tomar um pequeno-almoço em Maio.

Em última mão... o cigarro consome-se.

george moustaki


Ontem ouvi a “grândola vila morena” no concerto do George Mustaki no CCB. Há tanto tempo que não a ouvia... bonita, forte, visceral. Impressão minha ou já não a cantamos com a mesma força desinibida da alegria?... de quem já sabe o que foi feito dessa virginal alegria, de quem já envelheceu a vida e a força. Impressão minha, em noite em que a chuva parou para se ouvir cantar em francês, língua às vezes belissíma. Num homem em cujo corpo, muito, muito envelhecido, cabe ainda uma voz bonita, um humor sábio e uma memória tranquila.

Uma imagem de vida II


Entre castelos e à mesa dos sangues mais antigos, quis a sorte trazer-nos ao prato uma «nouvelle cuisine» para, como dizia o Eça, educar o paladar. É ali que te levo a jantar?

segunda-feira, maio 19, 2008

Uma imagem de vida


Nos terrenos de Gaillac e Albi. Dois mundos de verde diferentes. Tantas castas de vinhedos, tanta alegria cantada entre cepas. Começamos a conhecer-nos e a criar as cumplicidades mais audazes. Por ali andei a somar tremores ao coração. Na terra dos Cátaros, desnudando Deus e hierarquias, bebemos pelo Santo Graal os vinhos mais finos. Retenho-vos o que via pela manhã fresca da janela do castelo e ponho a tocar uma canção, cantada por uma condessa, daquelas que ainda existem sem o sabermos. À mesa portuguesa cantou Rocío Jurado da revista «Las Leandras». Breve, tomaremos novo copo na Sierra Oeste de Madrid. Até ao fim de Maio o coração é um íman ibérico. Creio que ficará para sempre. Lá iremos.


os chumbos

via A Poeira dos Dias, um texto do blog Canhoto, sobre os chumbos. portanto chumbar é retrógrado. é estúpido. o eduquês no seu melhor. o pesadelo da utopia que se quer já para amanhã. como a "escola inclusiva". tudo muito certo. e no entanto, um caminho que resulta tão mal para quase todos os envolvidos.

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domingo, maio 18, 2008

sem paciência...


para a sem paciência para esta história nacional (e tantas destas...) do cigarro voador, sem palavras, aqui vai a imagem do nosso primeiro ... fumador



não, não sou a única

quando às vezes parece que se é um caso isolado (cá em casa sou), é bom perceber que não sou a única. e, portanto, há esperança.

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sábado, maio 17, 2008

livros, restos de férias

primeiro apeteceu-me muito ler este livro. deve ter sido pelo prefácio de António Barreto: "(...) Não creio que exista período da vida mais insólito (...). As ambições são desmedidas. Os medos permanentes. Os atrevimentos excessivos. (...) Sofre-se em igual medida, com o amor e a falta dele. Fantasia-se, deseja-se e receia-se o sexo de que não se percebe nada. Os pais nunca compreendem. (...) Vive-se quase sempre à beira do desespero."

(nunca mais consegui ler António Barreto sem ouvir dentro de mim a voz magistral que nos fez o relato rocial de Portugal).

abri-o e fui logo à procura da infância de pessoas concretas: Rui Reininho, Margarida Pinto Correia, Raúl Solnado,o Maestro António Vitorino d'Almeida e a sua filha Inês, gente dos meus dias. mas, lido assim, o livro começou em desilusão: cada infância reduzida a 4 ou 5 páginas é quase nada e sabe a muito pouco. deixei-o de lado.

mas as férias avançaram e as leituras a bom ritmo levaram-me de novo ao livro. à segunda li-o a eito. e percebi: são os bocados das várias infâncias daquelas pessoas (pessoas do mundo da autora, Sarah Adamopoulos), todos juntos, que desenham o livro e nos contam inteira uma só história. passada num país de cristal.

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sexta-feira, maio 16, 2008

rui reininho























Semprei pensei num entardecer quente, com luz de verão, para o café a tomar no Chiado. Choveu. Choveu muito. Como outono. As cadeiras molhadas das esplanadas fizeram o café no interior da Pastelaria Benard e um telefonema apressado à Mónica.

Vinte canções de amor e um poema desesperado,ontem no São Luiz, com Rui Reininho.

Lá estava ele, o homem que pede um fundo negro: Rui Reininho. Aquele homem , de fato negro e camisa branca, requintado e intacto no sarcasmo, pede um palco negro. Só negro. Para a ampliação que pedem as suas mãos, o corpo que quase ama em pé, a expressividade concentrada como luz.

Bonito. Mais bonito. Mais velho. Mais requintado e intacto. O mesmo, mas muito mais. Talvez sábio, talvez charmoso, talvez essencial. Mais, muito mais resguardado na voz.

Escolheu as suas vinte canções de amor (entre elas, “ uma da manhã” das doce!) e deu-lhes outra voz, outro corpo, fez outro amor e nós amamos.

Confesso que não percebi o poema desesperado mas esteve, sem dúvida, diluido nas canções de amor. Como acontece de verdade.

Reininho fez da chuva um engano. Depois, sentamo-nos na esplanada do Largo do Carmo e pedimos um chá. O chá da meia-noite.

quinta-feira, maio 15, 2008

o cigarro de Sócrates

a lolita a pôr as coisas no seu lugar:
"(...) Não esqueçamos: trata-se de um cigarro fumado dentro de um avião, a caminho de um país governado por um tiranete poderoso, que se fosse português seria comparável a um Ferreira Torres no perfil moral e a um Valentim Loureiro na boçalidade. Ou vice-versa. (...)"


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quarta-feira, maio 14, 2008

lockdown II


colaboro, diariamente noutro sistema em lockdown. tento periodicamente abanar a estrutura, acredito que um dia ela se abrirá e será forçoso que se restaure a normalidade, e a liberdade. sobre este é-me mais complicado falar aqui. os sistemas em lockdown protegem-se com uma camada final que é o "impedir que isto se saiba", ou impedir que isto se fale (porque na verdade, saber, muita gente sabe).

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lockdown


também colaborei num lockdown quando retirei o meu filho das garras de uma professora inverosímel, de tão refinadamente cruel: crianças diariamente insultadas ("a mesa dos lesmas"), outras batidas em frente de toda a turma se iam ao quadro e não resolviam um problema, humilhadas em seguida ("porque é que está a chorar? alguém lhe fez algum mal?"), outras ainda torturadas (não poder ir ao quarto-de-banho até ser tarde demais), maltratadas (pedir a uma criança adoptada que saiba de cor o hospital onde nasceu e o nome dos avós), entregues a si próprias ("eu só explico uma vez e avanço com os bons alunos"), apavoradas.

tentei primeiro desfazer o lockdown. durante ano e meio falei na escola, depois no agrupamento, depois na Inspecção Geral de Educação, depois na DREN. nada resultou. a estrutura manteve-se inabalável e a funcionar nesse isolamento através do qual não é possível "entrever a profunda distorção e quase ignomínia do que se passa", de que falava o leitor do Abrupto.

mudei o meu filho de escola. resultou para ele, mas o sistema manteve-se em lockdown. ainda há pouco lhe telefonou um coleguinha dessa turma. o menino queria saber se na próxima 6ª a prova de aferição (nacional, a que vão ser sujeitos todos os alunos do 4º ano) ia ser de Matemática ou de Língua Portuguesa. "é que nós perguntamos à professora mas ela respondeu: «Isso é que era bom! Estudem tudo e 6ª verão»."

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gaveta de papéis

Para Isabela



Fotografia de Madrid



" Madrid regressará sempre. São precisos anos

para aprender aquilo que apenas acontece com

a distância de anos. É por isso que posso afirmar

que Madrid regressará sempre. Não sei que tipo

de entendimento encontrámos. Eu e Madrid não

nos conhecemos bem. Sabemos o essencial e

inventamos tudo o resto. Tanto a minha vida,

como a vida de Madrid, já tiveram muitas formas.

No entanto,quando nos encontramos,somos

sempre o mesmo nome. Avaliamo-nos por

cicatrizes e pequenas marcas da idade.

Não estabelecemos metas,estamos cansados.

Eu e Madrid só queremos uma cama,mas,

se não houver,contentamo-nos com o chão e,

se não houver, contentamo-nos com um abraço. "



José Luís Peixoto

terça-feira, maio 13, 2008

do Google à linha - um pouco de estatística


entretenho-me às vezes a ver, pelo sitemeter, de onde vem quem viaja na linha. em metade dos casos, o sitemeter não identifica a origem. depois, há uma tranche de visitas periódicas a partir de blogs amigos que nos têm nos links. igualmente frequentes são os acessos a partir de pesquisas no Google, sendo confrangedora a proporção de internautas que continua a cá aparecer à procura de horários de comboios em geral e da linha do norte em particular. até aqui, tudo previsível. o que eu nunca poderia imaginar, nem certamente o David e a Helena, é que são constantes os acessos de quem usa o motor em busca da oração dos aflitos (um post muito antigo do David) e de informações sobre cadernos de duas linhas (que, se não me engano, foram título de vários posts da Helena no Verão de 2006). igualmente extraordinário mas supremamente divertido é o facto de uma vez alguém ter apanhado o nosso comboio à procura de pretas mamudas. é verdade, não sei porque artes, um post do David nada porno continha essas duas palavras, embora separadas.


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ler


encontrei finalmente num quiosque a revista que não podia ter melhor nome. tenho-me consolado de ler, ler e mais ler. andava descrente e sem apetite para revistas e jornais. não havia nenhum que me rendesse mais que meia hora de sofá. mas com esta não: li-a ontem, tarde e noite fora, e ainda me sobrou. oxalá não seja o fogo de vista do 1º número.



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feriado


este é o meu feriado favorito: o Sr. de Matosinhos. tem 2 vantagens relativamente ao vizinho S. João: primeiro é móvel e calha sempre a uma terça-feira (não se correndo o risco, se ele calha ao sábado ou ao domingo, de ficar a ver navios); depois, como moro no Porto, o feriado é só meu: as crianças têm aulas, o marido trabalha e nas ruas é um dia de normal actividade, redobrando-me o gozo do descanso. para ampliar o gozo ainda faço questão de reservar uma folga para a véspera, obtendo assim 4 esplêndidos dias de sorna.

sorna, é como quem diz. porque, além de dormir o que posso de manhã, durante a tarde torno-me fazedora e irrequieta, numa ânsia de resolver tudo o que não posso nas semanas normais: comprar roupa e calçado para a família, cozinhar um pouco, almoçar tranquilamente com a minha filha e com ela trocar segredos, fazer telefonemas, etc.

ontem percorri a pé zonas do Porto onde há muito não passava. no eixo Trindade-Cedofeita há um sem fim de lojas que estavam ali desde sempre e que fecharam, deixando um bom pedaço da zona com aspecto lúgubre. na Praça da República ardeu a casa senhorial onde funcionava o instituto Goethe (das suas ruínas chamuscadas exala uma beleza deprimente). mas há esperança: o Teatro Carlos Alberto está um mimo e logo ali, na praça anexa e rua de Cedofeita, casarões há anos abandonados estão em recuperação. também se transmutou, aleluia, o prédio fantasma que apodrecia na Trindade (deu lugar a um centro comercial; é um centro comercial, enfim, mas é uma coisa viva).

sempre que passeio pelas ruas do Porto vou a olhar para as casas e a sonhar, se ganhasse o euromilhões (isto é, se jogasse e depois um dia ganhasse), que casas velhas escolheria para recuperar. nunca me consigo decidir e às vezes chego a pensar que compraria uma praça ou uma ruas inteiras.

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segunda-feira, maio 12, 2008

gaveta de papéis

Para Francisco C.


Fotografia de Budapeste

" Os monumentos de Budapeste e as suas ruas

são o mal que fiz a uma rapariga de olhos grandes.

Às vezes, lembro-me de Budapeste a propósito de

pormenores:ganchos de cabelo,caretas ao espelho.

Quando eu e Budapeste passeávamos de mão dada,

havia uma espécie de justiça na copa das árvores.

Nesse tempo, não existia memória, éramos apenas

as nossas pegadas na neve. Budapeste não tem solução.

Passarão décadas e morreremos cheios de segredos."


José Luís Peixoto

Aviso

A poucas horas de andar algumas horas no ar, parto para aterrar em Gaillac, coisa perto de Toulouse. Sim, trabalho. Sim, prazer! Levo o coração inquieto, que já bate em francês e os lábios somados para vinhos, bordando de sabor os teus lábios quando lias nos meus ouvidos apenas letras de música, que hoje sabes, eram beijos para cantar. Espera que te conte uma nova estória. Lá para quinta-feira, se não perder a mochila e o equilíbrio do andar, regresso com mais um conto. Depois aponto.

domingo, maio 11, 2008

gaveta de papéis

Para o David

Fotografia de Coimbra

" Coimbra é a cidade e a esperança dos domingos à tarde.
Um calendário abandonado no bolso do casaco é Coimbra.
Coimbra são as fotografias reveladas de um rolo antigo,
esquecido numa gaveta. E, no entanto, enquanto falamos,
Coimbra existe e corre no recreio. Existe ar que é respirado
apenas por Coimbra. Existe um coração no seu peito a bater,
e esse é um milagre de deus que transcende deus. "

José Luís Peixoto

sábado, maio 10, 2008

gaveta de papéis

Agora deu-me para ler poesia à hora de almoço, nos dias de trabalho. Ando feliz porque tenho no saco este “ Gaveta de Papéis” do José Luís Peixoto. Poema deve ser das poucas coisas que é bonito roubar para dar a alguém...


Para JP que fez anos ontem e para a Mónica


Fotografia do Porto

“ O Porto é uma menina a falar-me de outra idade.
Quando olho para o Porto sinto que já não sou capaz
de entender a sua voz delicada e, só por ouvir, sou
um monstro que destrói. Mas os meus dedos são capazes
de tocar-lhe nos ombros, de afastar-lhe os cabelos.
Entre mim e o Porto, existem milímetros que são
muito maiores que quilómetros, mesmo quando
os nossos lábios se tocam, sobretudo quando os nossos
lábios se tocam. De que poderíamos falar, eu e o Porto,
deitados na cama, a respirar, transpirados e nus ?
Eis uma pergunta que nunca terá resposta. “

sexta-feira, maio 09, 2008

Ouvidos atentos

A ouvi-los ao fundo da mesa. Ela a falar de um glaciar sensitivo, arquivo das coisas da oralidade, cacos para sempre, dizia, se de corpos falassem… e ele agitando o gelo do wiskey que restou do copo, barulho de cacos para sempre sem oralidade que apetecesse registar. Assim, deste húmus, crescem as cicatrizes.

terça-feira, maio 06, 2008

S. João estético

Uma Inspecção-Geral, das que inspecciona, detectou que algumas funcionárias do Hospital de S. João faziam, internamente, cirurgias estéticas nessa nobre arte de redução e aumento mamário. Mamavam no sistema, pronto. O que se tira a uma, deveria dar para encher a outra. É alquimia como os políticos fazem com os nossos impostos e não é despesa sumptuária a bem dos decotes para os nossos olhos. Depois, alguém do regime, escrupuloso na sua cegueira, sustentou em sutiã a abertura de um inquérito. Inquérito para quê?, pergunta o cidadão comum do meu sexo:
- bastava que abrisse os novos decotes, usasse na sua cegueira as extremidades do tacto, apalpação e logo veria quem transgrediu.

segunda-feira, maio 05, 2008

um retrato do trabalho do meu pai

hoje no Abrupto.

arrepio.

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domingo, maio 04, 2008

maio em copenhague


quinta-feira, maio 01, 2008

"A geração de Abril ou os velhos do Restelo que se seguem"

Tiago Tribolet de Abreu* no Público de hoje:

"A geração de Abril anda a dar cabo de mim. A geração de Abril é formada por aqueles que tinham entre 20 e 30 anos na altura do 25 de Abril de 1974. Por isso lembram-se bem do período pré-revolucionário, viveram com grande intensidade a revolução e com frequência tomaram parte em alguns eventos desse período excitante. Muitos licenciaram-se na altura, com fáceis "passagens administrativas", tendo adquirido questionáveis competências profissionais. Têm agora entre 55 e 65 anos. São os chefes e directores dos serviços e departamentos da actualidade.

No entanto, têm uma grande incapacidade para exercerem a autoridade. No seu subconsciente, um chefe que se assume como o responsável máximo, que coordena, orienta, vigia e ordena o funcionamento das coisas é fascista. É fascista porque é autoritário, déspota e não dialoga, não busca consensos, não contemporiza. E por isso a geração de Abril chefia e dirige os serviços e departamentos de uma forma indefinida. Ou apenas marcam presença e deixam as coisas em autogestão. Ou delegam noutros as diversas funções que lhes caberiam a si.

A geração de Abril acha que "as bases", que "o povo" é que deve tomar as rédeas e auto-organizar-se. A geração de Abril não se sente bem a organizar e a dirigir as bases. E, por isso, continuamos como nos descreviam os romanos: "Um povo que não se governa nem se deixa governar." E, no entanto, no século XVI, Camões dizia "que um fraco Rei faz fraca a forte gente". E o general Beresford, no século XIX, tecia rasgados elogios aos soldados portugueses e, já então, concluía que a nós só nos faltava liderança competente.

A geração de Abril viveu a conquista da liberdade. Arrumou na prateleira os velhos do Restelo da altura, e eles ficaram na prateleira a suspirar pelos "bons velhos tempos do fascismo", enquanto a geração de Abril experimentava o poder recém-adquirido da mudança. A geração de Abril gosta de lembrar às novas gerações como as coisas eram más antes de Abril, e como a situação actual representa um progresso tão grande sobre o tempo do fascismo. Sempre que as novas gerações se inquietam e se desagradam com o actual, e incomodam, impertinentes, com a vontade de mudar, de evoluir para mais acima, a geração de Abril, com paciência, mas também com um pouco de enfado, relembra como viemos lá de tão abaixo e, perante a agitação inquieta de quem não se satisfaz com o presente e quer mais, sempre mais, exclama: "Mas estamos tão bem, funcionamos assim há dez, 15, 20 anos, para quê mudar?"

E as novas gerações não querem saber das conquistas de Abril, da liberdade, dos "direitos adquiridos dos trabalhadores". Não querem saber do passado, querem o presente e o futuro. E bocejam, quando a geração de Abril insiste em falar, de forma incompreensível, em coisas que as novas gerações não conheceram: o PREC, o Grupo dos Nove, Vasco Lourenço, Salazar, Otelo, Marcelo Caetano, Spínola, 11 de Março, 25 de Novembro, direita, esquerda, reaccionário... O que foi tudo isto? E o que interessa hoje? E a geração de Abril, todos os anos, nas comemorações da revolução, suspira com a forma como as novas gerações se desligam dessa importante data. As novas gerações querem mais. Querem profissionalismo, eficiência, competência, mais do que ser de esquerda ou de direita ou convicções político-partidárias. Querem economia a crescer, mais do que "direitos adquiridos dos trabalhadores". Querem saber quem manda em quê, mas também quem é responsável por quê.

As novas gerações acham natural que todos se submetam à avaliação da qualidade e quantidade do seu trabalho. A geração de Abril considera a avaliação uma afronta e uma intromissão intolerável do "patronato" sobre "os trabalhadores". Mas as novas gerações nem sabem bem o que são "os trabalhadores", visto que todos trabalham, desde o marceneiro ao gestor da marcenaria, desde o repositor do supermercado até ao seu gerente.

A geração de Abril fica assustada quando se fala de formação, considera ridículo pensar em voltar a aprender, muitas vezes com pessoas muito mais novas, principalmente se essa aprendizagem envolver avaliação final. As novas gerações sabem que só um esforço contínuo em aprender, de preferência com avaliação repetida do que sabemos (para descobrir e corrigir o que não sabemos), é que poderá levar à realização e estabilidade profissionais.

A geração de Abril assusta-se com a possibilidade de despedimento na função pública. As novas gerações estão fartas da incompetência da função pública. A geração de Abril considera que a segurança no emprego é essencial. As novas gerações sabem que a segurança no emprego depende da evolução da economia e da competência de cada um naquilo que faz. Gostavam que a geração de Abril se ouvisse a si própria e se lembrasse do que ouvia aos dinossauros do regime, antes de Abril. Gostavam que a geração de Abril saísse da frente e deixasse a vida avançar. Porque sopram ventos de mudança, que já não são os de Abril, esses já sopraram, foram bons, úteis e importantes, mas pertencem ao passado e já não servem agora."

*Médico

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