segunda-feira, agosto 31, 2009

gripe A: paciência, tranquilidade, bom senso e ciência

sobre a gripe A, mais uma vez o Prof. Juan Gérvas (que já aqui e aqui apresentei) nos tranquiliza: não estamos a delirar, é verdade, o rei vai nu. as provas estão na página da Equipo Cesca, com direito a actualização frequente (em cerca de 1 mês já vai na 9ª versão) e a tradução para português (a disponível já é de há 10 dias, da 7ª ou 8ª versão, pelo que os preciosistas devem ler a versão em castelhano).

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do sal

foi nesta praia, com esta luz, que acabei de ler um dos livros mais bonitos dos últimos tempos.


foi na Praia Verde, no Algarve, depois de Tavira, quase, quase, no sul de Espanha. e o livro foi uma retardada e saborosíssima prenda de anos do Nuno (como se tornam raras as prendas de anos que sejam de facto presentes, símbolos do estar presente na vida do outro!) e chama-se "O cemitério dos barcos sem nome". foi a minha primeira imersão na escrita salina de Arturo Pérez-Reverte mas tenho a certeza que voltarei (sugestões para continuar?).

é uma história belíssima, muito, muito, triste e da qual não se sai facilmente, quase um beco sem saída. acabei de a ler ali, com a última luz, mas a tristeza ficou-me ainda muito tempo às voltas por dentro. o fim de tarde passou a crepúsculo e este deu lugar a um fotogénico luar sobre o mar e a uma noite quente tão quente como o dia. jantamos ali mesmo, com os pézinhos na areia (nome do restaurante), assistindo à felicidade das crianças que anoiteciam às caçadinhas nas dunas. mas o livro continuou-me a doer, como uma faca no lugar do coração.

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domingo, agosto 30, 2009

aviso sem importância

Parto amanhã mas a Mónica chega com sal. O David esse, deve andar a decantar os vinhos do outono. Vou cumprir o mar ou ritualizar o fim de verão. Regresso e espero que com palavras evaporadas de água. Até já.

quarta-feira, agosto 26, 2009

Sinais da morte do verão

Os ciclos fazem das mortes um engano, um fingimento. Bem sei. Num ciclo, a morte é apenas outro ponto. Acontece com o tempo, morrer o verão é tê-lo apenas noutro ponto do ciclo, na esquadria do que há-de vir.

Ainda tenho uma semana de mar para contrariar este meu verão tão cheio de vinha. Já fiz o vinho, agora falta-me o sal.

Não tenho o barco, é certo. Porque o marinheiro não pode. Caso contrário teríamos neste Setembro uma repetição do último em que nos enfiamos os oito num veleiro e fizemos ao acaso os mares da Grécia. É tão bom ir fazendo as viagens sobre uma carta de mar, em função do vento e da capacidade dos portos de abrigo. É bom fazer viagens em que se faz a distância entre o mesmo azul. Mas o marinheiro não pode e assim a repetição se adia.
Resta ir esperar o mar, o atlântico, à praia. Quando elas eram muito pequenas eu cantava-lhes “ o mar enrola na areia, ninguém sabe o que ele diz”…não sei quando deixei de lhes cantar mas talvez, percebo agora, quando cresceram a capacidade de saber o que o mar diz.

Tenho ainda verão a cumprir e o desejo do sal na pele, mas estão aí os primeiros sinais da morte. O carro que já para em fila a meio do trajecto da estrada. O regresso às aulas já faz sombra. Amiúde, nas conversas, as pessoas traçam a linha do fim do verão ao Natal.

Morrer o verão é só morrer a luz quente que dá outro contorno à vida e à alegria. Estão aí os primeiros sinais da morte do verão, falta apenas a chuva sobre eles.

segunda-feira, agosto 24, 2009

romaria




Há em mim, às vezes, um lado exuberante e festivo que mais não é do que o meu sangue minhoto a manifestar-se. Direi que na minha vida errante de lugares se me cruzaram vários rios e bocados de serra de xisto, mas sempre houve o Lima, o rio, como lugar de origem e retorno. O leito do jeito.

Num ímpeto de Agosto quente a pedir festa, meti-me no comboio e atravessado o país pequeno cheguei a tempo das festas. Festas da Sr.ª da Agonia. Perdi o mar e a devoção dos pescadores que em procissão de traineiras levam a santa à foz do rio.




Mas cheguei a tempo da festa e nela, a tempo dos bombos na Praça da República. Todos os dias da festa, ao meio-dia, se juntam na praça os diversos grupos de bombos que acompanhados pelos gigantones e cabeçudos entram num despique feroz, quase profano, que ensurdece a alma e o lajedo de granito até ao rio. Nada me trás mais de dentro este sentimento forte de festa e pertença do que este desafio de bombos sobre o calor tórrido de Agosto, acompanhado pela dança irreal e colorida dos gigantones e cabeçudos. O insuportável belo da vida.







O cortejo histórico e etnográfico, de uma beleza imensa e variada, é uma história que se conta e uma história que se gosta sempre de saber. Feita de gente autêntica, feita da beleza das mulheres do Minho e do ardono do ouro, feita da variedade de trajes, feita da historia e do orgulho, feita do mar e das serranias. É sem dúvida alguma um cortejo muito interessante e rico. Talvez único.

Mas a festa acontece nas gentes que se ouram e vestem para sair à rua, no grupo de amigos que com concertina ou acordeão espontaneamente fazem uma tocata, no canto da Praça, no fim do jardim. A festa acontece nos grupos que vem da aldeia e se sentam no jardim ou para os lados do Campo da Sr.ª da Agonia e merenda e cantam ao desafio. A festa faz-se nas ruas, exuberante, sem programa, molenga de calor e vinho tinto.


Viana torna-se feliz como nunca, celebra a alegria na cor e no ouro, canta e desafia e em três dias mostra tudo o que guarda no nevoeiro dos Invernos, no frio que se entranha pela pedra e na sirene dos barcos à entrada do porto. Se Viana se recata todo o ano, Viana se exulta nestes dias de festa.

Não é uma festa, é verdadeiramente uma romaria. Que se desvenda como foguete: bonita, exuberante e estridente.





quarta-feira, agosto 19, 2009

Repetições a preto e branco



Comboios


Vão cheios, ronceiros, atravessam Agosto, o país e o tempo. Levam-nos o medo, a mochila, a expectativa. Fazem rodagem desde a infância, banco corrido de pau, pouso de janela encosto de cabeça e de amor. Há histórias na nossa vida, na vida de quem fez e faz campos de férias, que começam nos comboios. Não era uma vez, era um comboio na linha número 2 com destino a …

Era um comboio que me levou, mais uma vez passados muitos, a um campo de férias.



Campos de Férias


Voltamos um dia porque prometemos. Encontramos os mesmos cheiros de hortelã e tendas vazias, o mesmo sabor de pão com marmelada e leite com chocolate, cantamos as mesmas canções e outras.

Lembramos como a noite se agiganta e fere a pele, na saudade, na dor, no parêntesis por resolver em nós e eles pequenos sentem igualmente isso a que chamam unicamente saudade. Estamos lá para quietar, para sussurrar que crescer também dói e que o mundo infinito os espera para além da curva da estrada da casa vermelha, para além da vinha, depois do fim. Sabemos mais, muito mais e podemos dizer-lhe isto sem o nomear, dizer no jeito como fazemos o colo e o sossego. Eles têm o tempo, nós o saber do tempo usado.

Lembramos como a terra se mistura na alegria e nas mãos, como ser porco não é ser sujo, como a água fria da nascente bate no corpo e magoa, como o calor desconforta e como os tanques tem musgo escuro no fundo.

Lembramos como caminhamos juntos, como passamos a salto fronteiras por riscar, como se está em Espanha a três passos do acampamento, como se pode arder com 40º graus se pusermos o nariz junto às nuvens e dessa forma se estar em França. Nunca as palavras tiveram o sabor que tem nessas caminhadas serranas, nunca a cumplicidade foi tão fácil como nesses kms de caminhar.

Voltamos um dia porque sempre estivemos, voltamos porque apenas nos predispomos a que outros, pequenos, possam saber aquilo que também nós soubemos e que hoje, achamos bonito, sólido e memorável. Damos com o sossego aquilo que nos deram na inquietação.

E mesmo nós, grandes, crescidos e sabidos, temos reservado um assombro novo na curva da estrada da casa vermelha, nas noites em que se ouvem grilos, nas sombras feitas na tenda grande e azul. Partimos para dar mas viemos imensos.



Comboios


Santa Apolónia, em tardes de Agosto, tem uma luz inigualável que vem do rio e se derrama entre as linhas, entre os abraços, entre o adeus. Santa Apolónia faz-se de um estranho silêncio dos tempos, bonito de luz, onde nos falam os que partiram e onde nos encontramos os de sempre.

Não há fim tão bonito como o abandono da luz em Santa Apolónia. Agosto.







segunda-feira, agosto 10, 2009

desterro


há lugares a que se regressa como se se nascesse de novo (sangue, dor, deslumbramento) ou como se o próprio mundo voltasse ao seu princípio (vácuo, luz, infinito). há histórias enterradas em nós, transmutadas em ossos. bocados de rio que nos invadiram o sangue. pedaços de nós (retalhos de pele, células da retina, fibras nervosas) que ali ficaram e se remexem, telúricos, quando voltamos.


vi a casa das Mimosas, cá de baixo, da central da EDP, olhando orgulhosa os zigue-zagues ao abandono. tão perturbante que não a consegui prender a uma fotografia. fiz uma promessa: hei-de voltar. subir a estrada de terra batida a seguir à última capela, sentir a temperatura a mudar de encosta para encosta à medida que se sobre, passar a fonte onde nos encontrávamos à noite, procurar a cerejeira brava que anunciava a casa, já ali. abraçar a montanha da varanda da sala. e continuar a subir, e continuar a andar. andar e andar, com o Alva lá em baixo, passar a Lagoa, ir mais uma vez à torre. eu hei-de ir, juro que hei-de ir.

tocar outra vez tudo o que lá deixei. renomear tudo o que de lá em mim vive. eu hei-ir.

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domingo, agosto 02, 2009

... das coisas


Verde das coisas

Julho acaba e partimos para o Minho, Viana do Castelo. Vamos todos em dois carros: seis crianças, um cão e a bicicleta. A casa de pedra espera, o milho cresceu à altura de gente, as latadas de vinha fazem sombra na pedra.

O Minho é exuberante e é-o na forma como se faz verde entre a chuva, o nevoeiro e o frio.


Silêncio das coisas
Esta, é para o Nuno Vargas

A casa é de pedra antiga, das pedras que foram outrora as pedras da aldeia que morreu na pneumónica do princípio do século XX, tem uma latada de vinha tão antiga quanto ela a qual faz a sombra de Julho. O tempo está quente. A mesa fica à porta da cozinha e quase toda a vida se senta por ali.

Ao entardecer ouve-se a Avé Maria do auto-falante da igreja e o ladrar dos cães da freguesia. Fumo ali o último cigarro da noite, ouço os grilos e o silêncio profano da terra. Às vezes fico quieta de pensamento, outras fico quieta de nada. Às vezes cai um limão ao chão e na noite, aquela é toda a gravidade do mundo.

Junto á porta da cozinha existem dois limoeiros e uma macieira. A fruta exala um perfume doce. O silêncio ás vezes é vagar e perfume outras, um tédio quase triste.



Alegria das coisas
Para a Vera, Rita, André, Filipe, Teresa e Isabel

A mim o mundo parece-me pequeno e confinado aos muros de pedra. A eles, o mundo cresce infinito nos esconderijos que criam, na tenda que montam e na rede onde descansam das histórias. Vivem os dias na rua, descalços, fantasiosos, cheios de histórias e mistérios para desvendar. Para eles ali se fazem mundos e em bando se vive a alegria fácil e quente do verão.

Um dia, suspeito, a memória terá cheiro de limoeiro e aventura.


Vagar das coisas

Dormimos muito e até tarde. Escolho repetidamente aquele lugar do mundo pequeno para deixar o descanso entrar em mim até ao osso. Como uma brisa que se faz devagar. Depois faço-lhes limonadas, bolos e doce de fruta que caiu ao chão. Leio, leio muito.

“Baía dos Tigres” de Pedro Rosa Mendes. Fantástico. Muito, muito bom. Já me tinham falado e eu sem o saber nas estantes cá de casa.

“ Já não me lembrava – os delírios da K” do Carlos Quevedo, em jeito solto e aleatório.

“A matemática das coisas” do Nuno Crato. Que saudades tinha de quem me falasse assim da matemática... o Nuno é um excelente comunicador e consegue, como muito poucos, falar com rigor de coisas complicadas em jeito acessível e bonito. Um homem de linguagens. Passo sempre os olhos pelas crónicas semanais do Expresso mas assim concentrado, em livro de capa sabe muito, muito melhor. Leitura gostosa a quem roubei parte do título deste post numa equação de pequenos prazeres.

Mas à quem se levante cedo, muito cedo, vá deixar as ovelhas ao campo e parta depois de bicicleta. Pelos montes áridos desde Viana até Vila Praia de Âncora, lá pela terra dos garranos livres, e desça até ao mar. O milho cresce quase até à areia, fronteira o mar.


Dizer das coisas

Viemos a casa lavar a roupa que trás terra, cheiro a limão e silêncio. Não tarda partimos. Para um lugar que não sabemos, longe do mar. Ainda não chegou o tempo do mar salgado.

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