segunda-feira, junho 30, 2008

Inflação dos cuecas de veludo

Em «omniun consensu», a Igreja e os seus cuecas de veludo decidiram à luz de vela aumentar a «intenção da missa», palavras belas, em 33 por cento. É de cartilha a quantidade. Esquece a missa que te tinha encomendado! Vamos aos santos populares. Três sardinhas na brasa, dois copos de tinto e os teus olhos confundindo a minha cegueira, são um missal mais barato onde reescreveremos ao fogo todos os nossos futuros. Agora que baixa o IVA, sobe o preço da locução na ara. A Igreja a pedir esmola. Não é despiciendo, sabemos, 33 é a idade de Cristo, também no jogo do loto, cantado o número e, pelos vistos, entoado pelos anjinhos do pobrezinho Vaticano. Vens? Prefiro essa nossa Última Ceia.

sexta-feira, junho 27, 2008

lê-lo

eu queria ficar a ler este homem eternamente, nunca mais fazer nada na vida senão lê-lo, lê-lo até ao fim dos olhos, num livro que não acabasse nunca. quando o leio assim penso sempre que não preciso de mais nada. nem sequer de escrever.

Etiquetas:

Tarefas antes de férias

Presumo que andemos todos ocupados antes de férias. A Helena a tirar da memória fotografias aéreas para projectos dos seus aviões. A Mónica, estafadita, a ler e enviar SMS sobre o SNS. E eu, com a azáfama de uma portaria do Ministro Jaime Silva, a cultivar uma pomposa estratégia local de desenvolvimento para lhe entregar on-line até 18 de Julho. Assim nos consumimos sem palavras mais certeiras, creio!

quarta-feira, junho 25, 2008

Mugabe

Diz o «SOL» que Robert Mugabe desafiou a pressão da comunidade internacional para um adiamento do segundo turno das eleições presidenciais, marcadas para sexta-feira, dizendo que tem «a obrigação» de levar o povo às urnas. Assim se enterram de uma só vez, no cemitério de Harare, doze milhões de pessoas e as suas liberdades.

segunda-feira, junho 23, 2008

Verão de S. João


A noite que roubava o sono, saltando pela janela. Canta, dança e bebe como o almocreve nas cascatas são-joaninas. E vinha do Sul a pele já morena, a luz pela linha acima nos olhos do costume. Eu ia menos, mas as mesmas mãos nas mãos de quem nos recebia, era acerto como se tivesse ido todas as outras vezes, tal a denúncia que deixava de cada vez que me morriam, na estação, as minhas inquietas alegrias.



só consigo trazer...

Só consigo trazer comigo as sombras das árvores que no chão se deitam sobre a luz de verão, só consigo trazer o reparo das árvores frondosas que ainda habitam algumas das ruas de Lisboa e o arfar do calor que me entra pela janelas do carro, porque conduzir no verão é deixar trespassar por dentro do carro e da alma o rio, a brisa, a luz quase crua.

Só consigo trazer a cor das acácias que ainda existem, neste intervalo do tempo e acabar a viagem perto do cheiro a mar .

Ando ocupada mas sinto a pele. Arrasto fragmentos de verão, como sombras.

domingo, junho 22, 2008

sonho de uma noite de Verão

foram-me sempre perturbantes as primeiras noites do Verão. sonho com casas, bairros inteiros mil vezes revisitados, ruínas habitadas por amores difíceis, zonas interditas que me atraem numa vertigem. um eu que existe separado de mim, noutra vida, noutra morada, roubando-me o sono.

Etiquetas:

sábado, junho 21, 2008

tempo sem tempo

só. tempo sem tempo. calor a estalar e o verão. até 5 julho o verão me abafará o tempo.

inrespirável.

sexta-feira, junho 20, 2008

o quarto

fotografo às vezes o quarto dos meus filhos: desarrumado, as casinhas, as bonecas, o lixo e a roupa espalhados, os cartazes nas paredes, a misturada de coisas em cima da cama. imagens que fazem parte da vida deles e que se podem perder para sempre.

como se teria perdido este meu quarto de 1981 (se esta mania de fotografar e documentar não me tivesse começado tão cedo). o transistor pendurado na cama para ouvir o echo beach no quando o telefone toca. o cartaz do Snoopy ao lado do do Mike Oldfield, o ursinho na parede e carteira hippy que me trouxeram do Brasil, a colcha de renda, fotografias das duas paixões que tinha, o lenço horrível pendurado no candeeiro, poemas longos nas paredes e um chapéu de palha.

gosto da vida com estas coisas que trago atreladas aos meus olhos para sempre.

Etiquetas:

peço desculpa por esta interrupção

ando em viagem pelo país das repartições e serviços. em que posso ajudá-lo? muito obrigado por ter aguardado sra. Mónica. pode dar-me o seu código de identificação? faz favor? não é aqui: vira à esquerda e é a 2ª porta à direita. pois, pois, lá do call-center mandam sempre as pessoas para aqui, mas não é aqui. multibanco? não temos. só dinheiro ou cheque. livro de reclamações? não damos, não é a titular do contrato, só pode escrever nesta folha. a empresa que vos administrava o condomínio deixou a conta a zero, as contas por pagar, o prédio sujo, sem seguro e às escuras? temos que pedir um parecer jurídico para vos deixar mexer na conta, pôr lá dinheiro e pagar as dívidas. e é preciso que a vossa eleição venha no livro de actas. também vos ficaram com o livro de actas? temos de pedir um parecer jurídico. e é preciso o cartão de pessoa colectiva. também vos ficaram com o cartão? têm de pedir um novo. não, o cartão de pessoa colectiva não é aqui nas finanças, é no ministério da justiça. é, é aqui no ministério da justiça mas tem de ligar para o registo nacional de pessoas colectivas. 2ª via de um cartão? tem de nos enviar um modelo 10 preenchido, um cheque de 14 euros e fotocópia do BI. se pode se tratado no Porto? não, não, só aqui em Lisboa. o modelo 10? compra numa conservatória do registo comercial. não, não se pode descarregar na internet. conservatória do registo comercial: tire a senha A para impressos, registo e informações. 50 minutos depois: 1 modelo 10? são cinquenta cêntimos por favor.

o blog e o século XXI seguem dentro de momentos.

Etiquetas: ,

quinta-feira, junho 19, 2008

Aufiderzin

Nem sei se é assim que se escreve. Acabou a marcha da camioneta da carreira, confirmada aqui na rua, no fim do jogo, por uma ou duas buzinadelas. Dizia, penso que Lineker, que o futebol são uns gajos contra os outros e no fim ganha a Alemanha. Assim vi do sofá com as últimas Sagres, recusando, por determinação pratioteira, os convites para esta noite da miúda da GALP. Na Inglaterra não há vinhas para sê se dedicar à vinicultura, ó seu Scolari com o Murtosa de sempre! Em Portugal não há memória de termos perdido aos alemães pela estratégia. Agora sim: está em causa o Tratado de Lisboa! E tu, Sócrates, prepara-te para as vinhas da ira.

Conversas de Mário Soares


Acabei de assistir à conversa de Mário Soares com Hugo Chávez na RTP. Dois fenómenos. Duas histórias. A acutilância da experiência e a irreverência revolucionária. «Os artistas do invisível» se fossem descritos por Allan Kaplan no processo social, profissionais do desenvolvimento. Agora que Portugal importa médicos do Uruguai para serviço no INEM, apetece perguntar que petróleo tem Portugal, à Chávez, para o pagar? Vou à estante recuperar Alexis de Tocqueville, esse excelente volume «Da Democracia na América». Talvez encontre respostas. Assim farei para as próximas noites no adormecer.

segunda-feira, junho 16, 2008

Tempo sem tempo

Chegou a chuva de imprevisto. Só baralhadas ficaram as formigas e as abelhas, um ou outro regresso de aves, porque os homens sem tempo sabem baralhar-se a si mesmos.

quinta-feira, junho 12, 2008

Futebol ao fim de tarde

Chegou com o calor este prazer.
Não te entusiasma?
Tem paciência.
Faz penitência.
Pior estão os irlandeses!
Sem equipa apurada
referendam o tratado de Lisboa sem benesses.
Olha: é a oportunidade de seres tu à tua maneira.
Deita-te na sua margem
como o prego do O’Neill dormia na madeira.

quarta-feira, junho 11, 2008

Piquete

Doutores
Professores
Pescadores
e camionistas nos tractores.

O próximo piquete tem o meu convite:
- não deixar sair ninguém dos nossos prédios
enquanto a banca não baixar à EURIBOR o apetite!

terça-feira, junho 10, 2008

triste dia de Portugal

estou aterrada com o que tenho sabido do protesto dos camionistas. afinal, ainda se faz tábua rasa da civilidade e dos direitos (alheios) e deveres (próprios). aquela que dizem ser a garantia das gerações do pós 25 de Abril (a liberdade), afinal, não pode ser dada como adquirida.

é possível em pleno século XXI, numa democracia madura de 34 anos, num orgulhosamente europeu estado de direito, um bando de homens emboscarem estradas, vandalizarem camiões e ameaçarem e agredirem quem não age como eles. e é possível, não só fazerem-no, como usufruirem de uma assustadora impunidade ao agirem perante as autoridades presentes (a GNR) e perante um país sentado impávido (ou direi antes: anestesiado de bola?) do outro lado das câmaras de TV.

num instante, os nossos ditos brandos costumes transformam-se no horror daquilo que o Homem ("se isto é um homem"), esse péssimo selvagem, tem de pior. a cegueira que nos toma quando a nossa razão é maior do que a dos outros. não podia ser mais: triste este dia de Portugal. triste este dia para Portugal.

Etiquetas: ,

long lost: The Gist (replay)

sons que julgava perdidos para sempre mas cujo rasto o sempre atento Francisco afinal seguiu:


(The Gist, "Love at First Sight")

Etiquetas: , ,

segunda-feira, junho 09, 2008

PREC?

Não há constituição democrática que não tenha o artigo da greve legal. O que aconteceu hoje nas estradas deste país é um atropelo aos direitos mais elementares: a livre circulação de pessoas e bens. Piquetes de gente de colete verde, armados em autoridades da razão, impediram quem quer ainda trabalhar que o fizesse. O direito à luta é uma coisa. O direito à greve legal é outra. O poder caído na rua, usando a força mais primária, é um regresso sem regresso. Um dia destes chega um piquete, na forma de vírus, à linha do norte. E esse, garanto-vos, não deixará acesso aos vossos comentários, mesmo que escritos nos verbos da discordância. Fecham-nos o zip da liberdade.

sexta-feira, junho 06, 2008

NBA


A final mais esperada dos últimos 20 anos. Já tenho tudo preparado. Às 2:00 começa o "I love this game". Isabel? Rita? Vocês que me meteram o bichinho deste jogo estão na linha de lançamento?

quinta-feira, junho 05, 2008

Movimento na sombra

Às vezes pergunto-me se ainda vale a pena esta esperança:
Ensinar aos vindouros os velhos caminhos
Reprovar na origem as suas incertezas, nossas certezas
Despovoar ideias que chegam frescas, nossas teias
Capitular sentidos aos destemidos
Desencorajar voos a quem tem asas
- dizer do velho sobre o que é novo
Porque já sabemos o que não sabem que sabemos!

terça-feira, junho 03, 2008

ganhei!

ganhei! ganhei! ganhei: este livro-tesouro (que já me corre, sanguíneo, pelas cavidades do coração enquanto me reconta a minha história, só que em palavras mais oxigenadas, em ilustrações mais nítidas). ganhei-o (não foi o primeiro prémio, foi melhor), dedicado e tudo, num concurso.

Etiquetas: , , ,

Essencial dos olhos de mocho

Chega aqui os teus olhos nos meus olhos.
De tão abertos por tão pertos, não nos vemos nem sabemos,
olhos de mocho, «lábios de mosto».
Assim a saudade vive da colheita das maçãs do nosso rosto.

segunda-feira, junho 02, 2008

saudades ( assumidas)


Fiquei a preto e branco. Senti os braços que já não existem para neles caber o fim do mundo. O comboio a partir de mim. A corda da viola a estourar. A fogueira a apagar. O choro, a noite, a dor e o estalo.

Na vida de nós os três, as estações de comboios foram lugares intensos e únicos. As mesmas estações, na nossa vida. Foram lugares de começo e fim e neles, fizemos todas as aprendizagens essenciais.

Fui levada a um álbum antigo de fotografias dispersas e soltas e acabei, inesperadamente, por virar preto e branco e sentir a saudade a roçar directa na pele.

Tenho saudades do tempo onde estas estações existiram e onde outros homens não tinham morrido. 66 anos, faria o hélder. “tão novo...“ penso dolorosamente agora, eu que um dia lhe chamei velhote. E vejo-o ali, no frio das noites da serra, a afinfar uma sopradela, a crescer para trás em gerações sucessivas, a ensinar-nos quase tudo do que se deve saber para sempre. Provocador. Infantil. Rebelde. Crente. Azul.

Pouco mais que uma década e morremos na idade da morte dele.

Há depois uma imagem e uma frase que me estremece. “Morreu um anjo: Bruno Lopes”... e eu que soube essa morte, nunca a soube. Quase me surpreendo, passado estes anos todos. Um anjo feito de uma matéria destrutível. Azul.
Trabalho e tenho a minha janela virada para a porta da casa antiga dos seus pais. Com frequência recordo as noites que ali começaram e acabaram com absinto no bar da comuna e lembro dele essa alma destrutível. Azul.
Nenhum dia hoje tomo café na esquina da sua rua e estou lá todos os dias. Ele não vem e eu penso que é por causa da chuva, nunca da sua morte.

Há depois as fotografias e os nomes, inúmeros, dos que não conheci mas de quem o hélder sempre falou. As imagens deixam de todos, a felicidade que um dia nos passou. O mesmo estalar de quem cresce, de quem apreende, de quem se faz. Num mesmo lugar com uma mesma referência. Saudades de quem nunca conheci. Que farão agora no mundo ?

Ás vezes também tenho saudades de agora. Mas hoje não. Ficou tudo a preto e branco. Ficou tudo no que já foi feito e nos fez.

Só poucos, isto entenderão. Aqueles que um dia julgaram morrer num abraço cortado a comboio.

domingo, junho 01, 2008

El Escorial

O último conto que daqui conto, ali à Sierra Oeste de Madrid. Lá fui ao El Escorial, Real Monasterio de San Lorenzo. Já aqui falei desses sítios, abrigos de reis e de princesas. El Escorial é um cemitério de reis, princesas e corpos arquivados de amores além da linha dinástica. Tem uma biblioteca fabulosa e uma sala de guerras desse Filipe II, que quis fazer história neste reino português. Lá está pintado o desembarque nos Açores, vitória deles. Lá está o corpo do irmão de Juan Carlos, que tirou a vida de seu irmão menor, Alfonso, em Cascais, com um disparo contra a sua cabeça, causada quando ele “brincava” com um revólver. Chegaram a circular informações de que o revólver seria um presente do ditador fascista Francisco Franco, que o nomearia sucessor na “Chefatura de Estado”, na condição de rei que lhe foi conferida por Franco em Julho de 1969. Pode ter sido falta de «caña», admito, mas ainda quiz ouvir de um guia amigo de um amigo, que se Alfonso tem nome entre tantos mármores, o deve a Velásquez que o imortalizou, menino, num dos seus quadros. Ali está a Espanha deitada nas sua catacumbas. Ali deitar-se-á um dia Juan Carlos e a sua última memória, «Porque no te callas?» Ali está também o Portugal livre desses corpos que fazem história, nossa vitória!

o escritor

hoje era o dia deles, dos mais pequenos, e com isso lá arranjei mais um programinha na feYra. Ondjaki ia estar por lá às 5, para um lançamento e autógrafos. o mesmo Ondjaki que, numa devoção à primeira vista, conheci em "Ode a Ouro Preto" (divulgação do FJV). meti na mochila "E se amanhã o medo" e "Os da minha rua", que já tinha trazido da primeira incursão pela feira e lá fui cheia de esperança.

Ondjaki contou-nos coisas do nascimento (ou deveria dizer escrevimento?) do seu último livro numa espécie de corredor (a que chamam auditório), sem micro e do lado de lá de uma mesa pomposa. contou como o livro era para ser uma coisa e depois uma outra história foi nascendo de um lado inesperado, quase quase como se se escrevesse a si própria. explicou-nos as personagens (embora tivesse prometido que as ia desexplicar): crianças angolanas, avós e alguns outros adultos. depois, atravessou a mesa, sentou-se junto a nós e leu algumas páginas.

[nós, éramos umas 5 ou 6 pessoas, contando com o meu filho de 9 anos que quis estar só para não ir para outro sítio]

e ouvi-lo foi como um raio, um relâmpago, uma inteira tempestade de luz, numa feira do livro onde se falou tão pouco de livros onde se leu alto tão pouco onde os leitores que amam a escrita tiveram tão poucas oportunidades de olhar nos olhos os escritores (ouvir a sua voz, ver a mão com que escrevem).

[éramos só uns 5 ou 6 mas quando Ondjaki acabou de ler aquele pedaço de história que falava de chuva, de medo, de trovoadas e de saudade, foi ruidosa a salva de palmas que estalou nas nossas mãos]

[claro que não consegui vir embora sem comprar também este "AvóDezanove e o Segredo do Soviético"]

Etiquetas: ,

Web Pages referring to this page
Link to this page and get a link back!