sexta-feira, setembro 29, 2006

Momento de felicidade prévia (do JPN, mas podia ser nosso)

"Se vieres, por exemplo, às quatro horas da tarde, às três já eu começo a ser feliz."

(mais uma redundância irrestível: anunciar a paragem no respirar o mesmo ar, uma estação que sempre foi de referência na linha do norte)

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os tempos interessantes (de Pedro Mexia, mas podiam ser os nossos)

"(...) Entre 1993 (Agosto) e 2006 (Setembro) andei no arame, sem ser artista disso, sem que ninguém me tivesse preparado, dizendo às vezes, a custo, está tudo bem mãe sou só eu a sangrar. Tempos interessantes, anos interessantes, os meus anos chineses, anos de pesquisa para saudades e tristezas, anos em que acreditei, anos em que lutei, anos de bruços e costas e navalhas a que se toma o gosto. Anos em que estive tão baixo que me parecia alto e tão alto que não percebia que estava em balão, e durava quinze minutos, e se pagava duas moedas a um velho que trabalhava no parque de diversões desde sempre.

Nem inferno nem paraíso agora, este perpétuo purgatório, um purgatório pausado, com umas acelarações que afinal não são verdade, e ilusões porque as «grandes expectativas» são isso mesmo, é tempo de ser adulto, mais ou menos adulto, fazer coisas porque imaginamos que ficam (mas não ficam), descontar para o jazigo, às vezes pensar em dias como aquele em que fiz tantos quilómetros para te ver três minutos ou disse que te seguia para uma nação estrangeira ou em que adormeceste ao meu colo confiadamente. Tempos interessantes, os meus tempos, esses tão sublimes e acabados, esses que ficam e se apagam e permanecem, esses que orgulham e revoltam na mesma respiração. (...)
"


(Pedro Mexia soberbo, passe a redundância de linkar parte de um post de um blog que é link permanente na linha)

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temperança de uma mulher que me quis ouvir


Acamou o tempo quando chegou
sentando-se
somando os lábios.

Tinha um registo de voz apenas audível onde o silêncio começa,
o mesmo da gota de orvalho quando se precipita da pétala:
- consegues ouvir?

Ficou a saber do que eu dizia
porque embora distante
(parecendo-me imensamente feliz!)
intensamente ouvia.

Quando a sua voz finalmente se condensou
já era só eu que ouvia o que ela dizia.
Hipertermia!

quinta-feira, setembro 28, 2006

mais ninguém escreveu assim sobre a passagem do tempo


"Agora vou dizer como setembro
se aproxima do fim.
E a névoa, da boca do rio.
Setembro foi sempre das colinas

um rebanho de luzes inocentes,
um ramo de estorninhos,
um assobio
distante desafiando o vento.

Um resto de esplendor cantava ainda
na relva, era talvez a voz
do meu amor, um rapazito
vinha vindo devagar.

E o pastor."

Eugénio de Andrade, Branco no Branco, 1984

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vida de (continuação)



a vida de cão de que tem sido feita a minha ausência tem um lado bom: o do desafio, o do crescimento, o do esforço que nos deixa entrever (e participar em) um mundo melhor, cheio de pessoas maiores do que nós, monstros da comunicação, da criatividade, integridade e humanismo. venho de dias assim dentro da minha área profissional e sinto-me como quem tenha conhecido um novo Homem, insuflada de optimismo e de energia.

mas esta vida tem tido um lado menos bom: o do imobilismo e da desonestidade, o da burocracia usada como escudo contra a actividade (pessoas que se dão a um imenso trabalho só para não fazerem coisa nenhuma), o da impotência e o do medo também. é o mundo da escola onde inscrevi os meus filhos, iludida com um ideal de ensino público que havia no meu imaginário: filha de professora primária e eu própria estudante exclusiva do ensino público. esse ideal foi corroborado pelo infantário dessa mesma escola mas prontamente demolido com a entrada no primeiro ciclo do meu filho mais velho.

tenho caminhado assim, em sobressalto, numa raiva contida (canina, quase) mas sem resistir a agir, a exigir e, por fim, a denunciar, restando-me agora um medo (de mãe leoa) de que a minha cria seja de alguma forma penalizada.


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quarta-feira, setembro 27, 2006

estádio às moscas dos cães

(Almedina Estádio - Coimbra)

Acabei de ladrar o guião de ontem, na livraria Almedina, sobre museologia e territórios rurais, ali ao estádio cidade de Coimbra.
Hoje tinha concorrentes fortes. O Benfica, o Manchester, o Porto, o Arsenal, todos à mesma hora a disputarem-me público.
Consegui cerca de sessenta transeuntes (e moscas dos cães), que à limpidez da montra grande, da luz forte interior e do vinho que se anunciava entraram, cada qual na sua regra de atracção.
Estádio da Luz e Arsenal Stadium encheram pelas costuras. Estádio cidade de Coimbra quase, muito quase vazio.
No fim do debate, o branco fresco prometido e conversas sempre mais saborosas de copo na mão, encheram-me mais o peito depois das formalidades dos costumes.
Homem de futebol, ladrei à saída sobre o resultado dos outros.
«Ambos perderam» - zoou-me uma mosca a quem dei boleia no regresso à remela dos olhos do seu cão.
Ficámos amigos: eu, ela e o cão.
A ele ladrei ainda: «esta noite fui o único dos portugueses que ganhou!»
Zoou a mosca: «zzzzzzzzzzzzzzzz!»
Ladrou o cão: «ggrrrr!»

terça-feira, setembro 26, 2006

mudar a linha


Mudei a linha. Tinha a janela do lado esquerdo para ver chover na oblíqua. Trouxe tudo, mudei o lugar na casa, instalei o portátil no quarto onde se guardam os livros das crianças e onde a janela fica agora do lado direito, ligeiramente pelas costas da chuva. Tenho uma parede nova e um globo mesmo ao lado. Gira, gira e o mundo está aqui tão táctil para distraidamente o mover. Se isto faz viagens, ainda não sei. Como nele posso fazer a chuva da janela, ainda menos. Mas que relembro a geografia, aí isso sim. Que posso reaver memórias de lugares, cheiros e imagens...sem dúvida. Que daqui posso imaginar comboios a atravessarem furiosos pelo mundo, posso. Vou confundir-lhes o fumo com o do cigarro pousado na mão. Se temos direito a crónicas de viagens... mantém-se uma incógnita.

Não ando feita de palavras. Não estou com a temperatura exacta para a condensação das mesmas. São como ventos ou pequenas aragens... fogem depressa e volatizam-se num instante. Não tenho nada para dizer... e o pretexto foi hoje este mudar de lugar, a outra parede de que nunca falei e o globo aqui posto, mesmo ao lado.

comboio-cão-de-fila


H e M andam seguramente em dias de cão. Estarão, algures, num destes carros parados à espera que a máquina passe.
H deixa silêncios que se articulam entre si (latidos de inquieta revolta).
M não trás música nem uma sílaba latina.
Acabei mesmo agora, também nesta semana que se anuncia de cão, de ladrar um guião para uma conferência amanhã à noite sobre museologia e territórios rurais. Sossego. O ambiente será bom. É numa livraria. Tem vinho branco fresco no fim.
Que sei eu disso…
Sei que me pagam a imaginação
de falar sobre isso.

segunda-feira, setembro 25, 2006

tempo de chuva

Gosto da chuva. Desta certeza da água, é isso. Corpo de chuva, como escreveu um dia de forma sublime H. Ensinas abrigos para o sol e para os gatos, procuras roupa mais quente, abres as persianas para a ver chegar contra os vidros.
No início da tarde com um copo por perto, a cigarrilha holandesa, as conversas baixas, o livro aberto, a música do fundo da sala… é um prazer suave.
A meio da noite, acordado por um bom relâmpago, é procura de aconchego – a iluminação natura de que carecem todos os corpos!
Falta o frio que complementa este prazer. A lenha, as pinhas, a carpete junto ao fogão, a primeira visão do fumo certo a caminho do céu que habitaremos todos num dia de chuva.
Próximo desse dia, quando chegar o nosso frio, dirás:
«Vi o relâmpago! Chamaste? Que tal um copo por perto, a cigarrilha holandesa, as conversas baixas, o livro aberto, a música do fundo da sala…»

sábado, setembro 23, 2006

fábula dedicada à gente das escolas


Esta é do arquivo, das aulas de HR quando provocava. Passo a citar:

«Era uma vez…
Bem. Neste caso, os animais acharam que era mais que tempo de encontrar uma solução radical para enfrentarem os problemas do novo mundo. Então, organizaram uma escola.
Fixaram como actividades do programa: correr, trepar, nadar e voar.
E, para facilitar o trabalho de cada um, decidiram que todos os animais deviam seguir todos os cursos.
O pato nadava muito bem… melhor até que o seu instrutor. Mas mal chegava à mediania no voo. Na corrida, fraco. Estava tão atrasado nesta matéria que, acabada a aula, tinha de ficar mais tempo a repetir. Resultado: abandonou a natação para se treinar na corrida. Isto, até que os pés espalmados ficaram em tiras. É claro que a nota da natação desceu. Mas um aluno médio é muito aceitável em qualquer escola e ninguém se afligiu com o caso, a não ser o pato.
O coelho encabeçava a classificação na corrida. Mas sofreu uma depressão nervosa, tal o seu trabalho para conseguir nadar.
O esquilo era excelente a trepar, até ser atacado de complexo no curso de voo, pois o professor queria que ele arrancasse do pé da árvore para o cimo em vez de lhe mandar o contrário. Apanhou um entorse em razão do cansaço excessivo e ficou nos últimos lugares na subida e na corrida.
A águia era um aluno problema, muito indisciplinado. No trepar, batia os outros e chegava sempre primeiro ao cimo da árvore. Mas recusava-se a seguir as normas estabelecidas pelo professor.
No fim do ano, uma enguia normal, que andava maravilhosamente e corria, trepava e voava um tudo nada, obteve a média mais alta e levou o primeiro prémio.
Então os cães organizaram um piquete de greve diante do Ministério da Educação Nacional e recusaram-se a mandar os filhos à escola, pedindo que fosse acrescentado ao programa a arte de escavar o chão e fazer uma toca.
Finalmente, já desesperados, entregaram o filho a um texugo e, mais tarde, chegaram a acordo com arganazes e toupeiras para abrirem uma escola particular que, segundo dizem, promete bastante…»

(Fábula composta por G. H. Reavis, inspector das escolas públicas de Cincinnati, USA)

sexta-feira, setembro 22, 2006

paris souvenir


Naquele Abril de 93 andaram de mãos dadas, literalmente dadas, entre as livrarias e as esplanadas do boulevard St.-Germain. Ele ofereceu-lhe uma orquídea na rua. Ela, no café «Les Deux Magots», do Hemingway, comprou um maço de Gitanes, azul sem filtro, pagou os cafés e saíram a fazer fumo como locomotivas a carvão.

Perguntou ontem por ela na reunião de Lisboa.
Não veio. Não estava. De um século para outro descomprometeram-se na boa.

quinta-feira, setembro 21, 2006

o capital e a capital


Quando me perguntam o que faço, respondo cada vez com mais convicção «estou em Director Executivo de uma associação de desenvolvimento». O verbo «estar», aferição maior que roleta de nomeação, implica responsabilidade permanente e resultados visíveis. Aqui me aguento desde o século passado. Os políticos mudam, as políticas mudam… vou ficando. Acredito hoje sem cristais de vaidade que ainda sou capaz. Há dois desafios nisso: criatividade e procura constante de dinheiro para a pagar, no limite, para me pagar.
Hoje fui à busca do desafio dinheiro – capital – à capital. Não telefonei a H porque também andei em dia de tapete rolante.
Passa a portagem. Trava. Arranca. Olha o semáforo. Arranca. Mete aí no passeio. É aqui a Defensores de Chaves? Vamos beber um “pirata”. Não dá tempo. Foda-se! Chegámos.
Depois reuniões e mais reuniões, os mesmos funcionários da alcatifa e do ar condicionado, mais velhos, mais cómodos, mais irreais. Horas e cafés para dizerem poupem o dinheiro. Falo com RC num constante vocabulário de asneiras. Provoco. Sou feito disso quando a minha dama é disputada, questionada, manipulada.
Saímos. Vamos à Portugália da Almirante Reis? Tira aí do passeio. Dá moeda. Arranca. Trava. Olha o semáforo. Passa a portagem. Temos gasóleo? Sai em Santarém. Aponta Almeirim. Atravessa a ponte Salgueiro Maia. Praça de toiros. É ali à direita. Dá moeda. Tira a antena. Vamos a pé. Catedral «Zé Toucinho». Sopa da pedra. Branco fresco. Barriga cheia da miséria centralista. Dinheiro zero. Não há orçamento rectificativo. Haja criatividade. Não somos o Gil Vicente do Fiúza. Não fomos ao jardim zoológico. Mais vale o Terreiro da Erva do que o Terreiro do Paço. Escrevi um dia e mantenho.
Havia um tipo neste país que durante anos assinou decretos, despachos e textos «A Bem da Nação».
Começo eu - esta minha alma hoje mal educada com boca de enxó e formões em vez de dedos - a assinar, convicto, «A Bem da Regionalização».
-Vamos ao Paulo beber um copo?
- Estará lá a miúda de fumar leve e corpo apetecível?
- Presumo que está.
- Vamos, pois!

de cão

sou mais contundente que tu H: tenho tido uns dias de cão!

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quarta-feira, setembro 20, 2006

tempo rolante

Rolo eu no tempo rolante. Não tenho tempo, pior ainda... não tenho vagar. O vagar de sentir, de ter alma para as horas. Sei que o verão vai morrer e a luz já se adoça à tarde. Sei que tenho a estrada e a vida e a existência para organizar, as tarefas a cumprir e o sono a esperar. Mas falta o vagar. O vagar de sentir.

Por isso me desculpem se não escrevo, é porque não há vagar e ando rolante na existência. Até à chuva...

terça-feira, setembro 19, 2006

«a cantiga é uma arma»


Na busca de música entre Aveiro e Coimbra, o rádio do carro apanha uma frequência local, não identificada, com um excelente programa sobre o “velho” José Mário Branco.
Nada a dizer, apenas ouvir. A conversa era mesclada de velhas vozes de luta, alguns diálogos completamente obsoletos, passe os valores, mas a música de fundo enchia em crescendo o peito e a lembrança. Não, não era o FMI – essa obra de arrepio para ouvir sempre quando queremos dizer não! – era um poema fabuloso da Natália Correia, «queixa das almas jovens censuradas» que me habituei a ouvir desde cedo, desde que a consciência política me exigia mais que isso: arte, também.
Aqui fica por uma noite.




a casa na estação


A casa anda num «pause» urbano
a dedo de comando.

Os móveis não se movem.
Os livros têm todos abrigo apertado na estante.
Os cd’s tocam instante.

A pouca luz que se refugia nas janelas
anuncia a noite
e ilumina o caminho dos carros na garagem.
O escuro corrige-se com cores primárias de passagem.

As horas somadas são curtas-metragens
e as camisolas de lã voam como pássaros ágeis a sair do ninho.
A estação é Setembro, plasma onde se começa a ver o Inverno.
- ainda tens os meus lençóis de linho?

domingo, setembro 17, 2006

clássico da sabedoria


Fim-de-semana de volta de um clássico. Os sete pilares da sabedoria, de T. E. Lawrence. Agora que o mundo árabe faz cada vez mais parte das nossas vidas e o Papa Bento XVI anda à toa, percebê-lo, é um bom passo para ter opinião. Melhor que estas palavras de viagem, só mesmo as imagens de Peter O’Toole no Lawrence da Arábia.

«Lloyd e eu marcámos o ponto da via férrea onde tencionávamos atravessar, logo abaixo de Shedia. Quando as estrelas se elevaram no céu, decidimos que deveríamos orientar-nos por Oríon. Por isso, pusemo-nos a caminho e seguimos Oríon horas sucessivas, sem que a estrela parecesse estar mais perto de nós e sem que houvesse sinais de alguma coisa entre ela e nós. Desembocáramos das cristas numa planície, e a planície era interminável e monotonamente raiada por leitos de uades pouco profundos, com margens baixas, planas e direitas, que, à luz leitosa das estrelas, nos pareciam sempre obra humana, o tão esperado caminho-de-ferro. O terreno era firme, e o ar fresco do deserto, que sentíamos no rosto, fazia que os camelos avançassem energicamente. Lloyd e eu adiantámo-nos para observar a linha…»

sexta-feira, setembro 15, 2006

acudida distância


E quando te levantavas e serena te preparavas para a azáfama dos costumes, livre e fresca, do passado facilmente esquecias, do futuro não reparavas e afinavas apenas o olhar com o meu; no tempo em que o tempo de nós dependia apenas para o crédito gozo de meia-hora de boa sesta por cima do saco-cama, um cigarro, os ombros protegidos nos meus, uma imperial e gordos tremoços, um prego-no-pão manhoso, o café sempre no fim por cima desta frugalidade, a conversa do livro por empréstimo, a busca de limalhas de ouro no fundo dos bolsos cunhando moeda para trocar pelo mesmo peso de todo esse prazer – solidária arte de Midas - a música de fundo que só o fim-de-tarde tocava quando o sol dizia «boa-noite, vem aí a lua no vosso quarto crescente».

E tanta responsabilidade agora. A mim pesa-me por vezes demasiado. Há sempre uma agenda a empurrar-me, estranhamente aflitiva quando vazia. A esperança de seres ainda a figura do lugar onde encontravas comigo o rio e a sombra nobre entre as oliveiras, perdeu-se no espelho côncavo dessa grandeza, de ser livre e disponível, que quando olhado, procurado hoje não me vês, porque tanta responsabilidade me consome as vontades do coração.

Suspeito que desse tempo em que a imagem nos era protegida - porque de nós apenas dependia! - ficou dele uma acudida distância, essa desfocada urgência de nos vermos agora apenas entre palavras e a teimosia de preencher o vazio que ficou na soma das quatro mãos, imenso, ou apenas a energia nos vinte dedos, cruamente unidos, quando guardavam a bonança dos segredos.

quinta-feira, setembro 14, 2006

e por falar em DN Jovem

(Agosto 1986)

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quarta-feira, setembro 13, 2006

verdes anos


Eles pareciam muitos e esbeltos, homens endeusados pela imprensa da especialidade feito actores principais de filmes italianos, arte, papel decorado, tatuagens visíveis, mulheres tablóide e dinheiros disponíveis.
A bola foi sempre nossa!
Como o filme que fez furor quando nasci - verdes anos - hoje fiz quilómetros a correr e, depois, a linha verde do metro, para lá e para cá, para ver o filme de outros verdes anos com os miúdos da academia do Sporting contra o Inter de Milão.
A esta hora vejo tudo verde de prazer.
“Só eu sei porque não fico em casa” ainda soa nos ouvidos.
Querem acompanhar-me no último copo e na cigarrilha?

terça-feira, setembro 12, 2006

cheguei, com imagem de nós

(photo de H)
Cheguei ontem à noite. Fui até perto das montanhas, da terra onde as mulheres dizem segredos em marroquino e os homens se sombreiam na cal quase azul. Deixei a luz na praia mas é de Chefchaouen que trago a imagem. Dos três, como na Linha.

a história da exposição

o cartaz (do PR) da exposição de 1990, numa impressão fraquíssima, e o texto publicado pouco depois no DN Jovem. das fotografias do ZB não guardei nenhum exemplar (sinais desses tempos em que o dinheiro nunca chegava).

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gestão de espaços e memórias


A memória, a esta hora traiçoeira, leva-me ao «bar Labirintho» no Porto, onde numa tarde de Fevereiro de 90 me deslumbrei com fotografias de JB e legendas de M, tudo sobre o muro de Berlim. Berlim, uma palavra redonda, bola de Berlim. Discutiu-se depois o que fazer daquele espaço bombardeado de liberdade e eu ali rodeado de gin, cigarros, amores sem bilhete, clandestinos e arquitectos em catadupa – quando “O Independente” era “O’Independente”.

Mas lembro também os espaços de Hiroshima e Nagasaki, trauteando Bono no “how to dismantle an atomic bomb” e imagino que muitas discussões como a de Berlim tenham feito novos espaços e memórias.

E lembrar a correr Auschwitz, Tarrafal, forte de Peniche, Tiananmem, cowboiada 11 de Setembro em Santiago do Chile e o espaço agora silencioso da escola primária que a Ministra mandou fechar
a favor do litoral
por falta de pessoal.

Hoje é inevitável pensar no espaço que ficou das duas torres. A mesma inquietação, a memória revisitada do visto pela televisão.

Mas por nostalgia, memorizo Vilarinho das Furnas, esse espaço aquoso onde mergulhei entrando por uma porta e saindo pela janela de uma casa que já não era. Era água apenas que em gelo se tornará com o tempo. Esquecimento.

Enquanto Mário Soares e Pacheco Pereira
esgrimem o mundo na TV e esboroam a história
do que não abdico, ainda,
é da gestão do espaço e da memória
(sim, porque disseste sim, não disseste não!)
essa palavra que me deixaste
sem bilhete
a crescer no coração.

domingo, setembro 10, 2006

vindima 2006


Contei-vos em Fevereiro da empa e do educar a vida para a liberdade. A vinha estava pronta com todos os açúcares disponíveis e ontem fez-se a vindima. Pouco grau – diz o mostímetro – mas a mesma alegria de sempre.
Vindimar é uma procissão de cestos, sorrisos, conversas em voz alta porque todos vindimamos longe uns dos outros e em voz baixa com cada cepa, a vida e os cachos.

Mosto doce ainda.
Mundo doce vida.

Lavas os pés debaixo da nespereira com a boa água do poço e pisas. Depois haverá o álcool que nos anima. Aqui não interessa a qualidade do vinho, antes a azáfama que nos liga.

A vinha fica num pós-operatório de Setembro. Recuperará para o ano com novos frutos, forte pelo sol e pela nova empa que o tempo trará.

Ficam os melros e as abelhas à toa. Quem comeu, comeu.
Ficam também agora a fileira do tomate, os pimentos, os diospiros, as laranjeiras, as pereiras e os figos a disputar a atenção, enquanto a lenha já arrumada procura nuvens de Inverno e uma lua nova que faça chover.

Os gatos dormem ao sol, desligados disto nas suas vidas clandestinas, excepto o “burrito”, gato preto, pequenito, que andou hoje todo o dia enrolado no pêlo de um lado para o outro. Presumo que seja do Benfica.

Mosto doce ainda.
Mundo doce vida.

sábado, setembro 09, 2006

não há outra forma de o dizer


tenho-me perdido a vasculhar no meu baú e o meu baú está cheio de fotografias e está a tornar-se evidente que, não há outra maneira de o dizer,

as minhas fotografias começam a ser povoadas por pessoas que já morreram

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sexta-feira, setembro 08, 2006

pactos

Ao fim de todos estes anos, pacto político, o PS e o PSD assinam um pacto parlamentar para a reforma da justiça.

Ao fim de todos estes anos, pacto jornalístico, há uma sexta-feira sem a publicação d’O Independente.

Ao fim de todos estes anos, pacto com Deus, a instituição Igreja deu um chuto na sala episcopal contra a troca de seringas nas prisões.

Ao fim de todos estes anos…

sons audíveis


Conheço alguns sítios assim como o que M nos trouxe pelas mãos do FJV. Os meus têm o dorso da serra como espinha calcária, campos de lapiás, outros, penteados pelo vento, dunas de areia e mar apenas.
Em ambos a voz humana é hierarquicamente o som mais escasso.

Primeiro
o estilhaço dos gravetos a cantar com as cigarras.

Previsível
os sons da subida da maré e o cair das pinhas
do alto dos pinheiros velhos.

Depois
os badalos do rebanho
o latido dos cães
os gemidos da arte xávega
e os do carro de bois, esforço de dois.

Por cima
o zumbido alegre das abelhas a almoçar.

Neles
cada vez mais há uma língua de fogo muda
que os devora para serem lidos na cinza dos dias
onde a água, escassa e aflita, sobe em esforço à altura dos poços.


E então sim
ao fundo, a voz humana.
Conversas de futebol, mulheres, vinho branco e tremoços…
sempre antes dos almoços.

Os amores são segredos.
(Fala-se da Marisa)

que quando não é nome de mulher, é o diâmetro do gargalo da garrafa,
caudal pelo qual
a pensar pela sua boca bebemos.
Morremos.
No vilarejo do monte.
Marisa Monte.


quinta-feira, setembro 07, 2006

ando assim, fascinada

"Aí se acolheriam, a princípio como dois animais em que as feridas cicatrizam ao contacto com o sol, o ar seco ou húmido que repousa nas colinas de uma montanha ou até de uma falésia sobre o mar. E receber a família durante uma semana, em férias. E escrever cartas, ler paperbacks ingleses, fazer sestas em pinhais, ter saudades e poder satisfazê-las. Compraria os instrumentos para pescar no rio, mesmo sem haver peixes. Ganharia hábitos, cultivaria horários, ritmos, adivinharia o tempo da geada. Um lugar assim, perverso e inocente, obscuro e doce, leve, onde chegasse o som das tragédias e dos muros que se abatem, a luz do amanhecer, jogos de futebol ao domingo, domingo sim domingo não, seria sócio do clube da terra, beberia uma cerveja vulgar, qualquer uma, comeria tremoços, iria a funerais, seriam convidados para casamentos, compraria um fogareiro a carvão para cozinhar ao sábado, teria um médico fixo, apenas um, vida simples, sem nome, sem itinerários, iria aos miradouros mais próximos, estudaria fotografia, talvez viesse a ter filhos a quem ensinaria pouco e gostaria que eles brincassem na terra de um jardim ou na beira de um rio, e quereria que eles fossem felizes. E gostaria, afinal, que Isabel viesse com ele, não porque fosse absolutamente necessário, evidentemente, mas porque se deve eleger uma companhia, um corpo, um cheiro, uma maneira certa de comer connosco à mesa, de arrumar a roupa nas gavetas e os livros nas estantes."

Francisco José Viegas in Morte no Estádio (ASA, 2002)

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quarta-feira, setembro 06, 2006

céu de Setembro

Havia um velho na Gândara - o Manelão! - que sistematicamente afirmava sobre qualquer coisa que disséssemos menos certa:
- és um planeta!

Acabo de ver no terraço do meu prédio um dos primeiros céus de Setembro. Está lá tudo como milhares de Setembros antes. Esse céu de Setembro também já foi cais, uma noite, quando as palavras deram música e sentido à jovialidade que vivíamos. A ordem mantém-se. A energia cósmica é mais perene e rigorosa que todo o articulado de um Tratado Internacional.

De novidade, apenas Plutão, (agora despromovido dessa outra Liga dos planetas, como hoje li num artigo certeiro)
apresentou uma providência cautelar contra a União Astronómica Internacional.
Quem lhe dera que o velho Manelão fosse ainda vivo para o constituir como cliente e, obviamente, de tudo discordar e afirmar com o chá da manhã (tacinha de branco) ou o café da tarde (tacinha de tinto) ao juiz de turno:
- Meritíssimo, és um planeta!

Esperemos, pois, o que dirá sem o Manelão, o tribunal administrativo e fiscal de Plutão.

terça-feira, setembro 05, 2006

tempo e espaço

Teremos ainda tempo no espaço para nos vermos
ou só espaço no tempo para lembrarmos?

domingo, setembro 03, 2006

vilar de perdizes


Dizem que no terreiro há um cheiro a rosmaninho e hortelã. Ervanários, cartomantes, quiromantes, curandeiros, exorcistas, médiums, endireitas e alguns padres amigos do Pe. Fontes exercitam as sabedorias olhando para a pouca luz no alto da cruz.

É a hora do oculto. Silêncio absoluto. Morde o estômago. No seu aconchego entra um «caldo de urtigas», um pratinho de «presunto fumado nas lareiras do inferno», uma «vitela do Barroso abençoada com batata com murro de bruxa e arroz de feitiços», tudo regado a «vinho de uva» e, depois de resolvidas estas pequenas formalidades, um copinho de «levanta o pau do diabo», não vão as «mulheres possuídas» que nos servem pensar que saímos daqui cabisbaixos.

Montalegre é longe para quem parte. Montalegre é perto de nada para quem fica. Tratado o estômago, vamos ao sagrado. Endireitar as costas no endireita. Já está. Exorcizar a perturbação de pânico nos aviões. Já vou… já voo. Regularizar a capacidade do fígado. Já bebo.

Aos padres não fui, porque não tenho cura possível para a falta de Fé e eles, sapiens, sapiens, sabem disso. Acredito em quem acredita. Ponto final. Mas na tenda da cartomante aconteceu. Sento-me do lado dos perdedores. As cartas, dispostas em semi-círculo ordenado, falariam por mim. As mãos que as manipulavam não eram estranhas. Havia uma cicatriz na mão esquerda que um dia curei com algas do Alva, quando caís-te sobre o meu corpo entre as acácias. Curandeiro apaixonado fui. Agora queres-me dizer da minha vida? Sim. As mãos são tuas e eu estou do lado dos perdedores! Não adianta, pois, o exercício. Guarda as cartas. Tu sabes, ambos sabemos o meu destino. O nosso destino.

em memória d'O Independente II



Também fui, como M e tantos outros, dos que se agarrou àquelas páginas. Nos bons tempos, a primeira escarafunchava o Cavaquismo
(que para muitos, infelizmente, é a face mais visível em comentário primário),

mas o seu essencial, a sua alma, era um novo testamento em fascículos para rezar às sextas-feiras, com outros mandamentos, outras cenas bíblicas, outros apóstolos.
S. Paulo era um Portas irreverente, MEC um Messias contundente com palavra própria e se Cavaco e tantos outros pendurados na primeira página fossem o Judas, que se lixassem, digo eu.
O Génesis fez-se de imagens, textos, músicas, que até então não estavam autorizadas na linha de fronteira Portugal.

Quando nesses tempos fazia os caixilhos das folhas das cartas antes de escrever, como quem aplica madeira nobre para portadas e janelas, os textos e imagens d’O Independente eram presença assídua. Era o caixilho da derrota pelo que escreveria a seguir, porque já estava dito, fotografado, escrito, ouvido momentos antes de compor.

O tempo levou-me com eles à revista K, seguindo-lhes os passos, mas esse tempo bom d’O Independente acabou quando dele saíram os apóstolos.

Enquanto o Expresso muda de roupa e se anuncia um novo SOL, tenho dedicado os olhos a duas publicações exemplares na mesma linha: a revista Egoísta, editada pelo Casino Estoril e, mais recentemente, o Courrier Internacional (curiosamente também às sextas). Deste, obrigo-vos por imperativo de gosto a ler e a procurar a edição nº 71, de 11 a 17 de Agosto último, sobre viagens de escritores… ai, ai, H e M o que gostaríamos um dia de fazer.

A notícia da morte d’O Independente não me surpreendeu. Era uma história de coma profundo com fim anunciado. Alguém desligou a máquina. Interessante é saber que o último número esgotou em poucas horas. Gente de colecção, nostalgia… não sei, sei que guardo – com nostalgia sim! - em arquivo, o primeiro número e muitos recortes para reler e reler. Não encontrei o último nas bancas a tempo. Está o seu corpo ainda em câmara ardente na Internet. De mortuis nil nisi bonum.

sábado, setembro 02, 2006

os buracos negros da memória


no BKC: John Cale no Rivoli em 1988. concertos esquecidos mas nos quais várias evidências provam a minha presença.

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em memória d'O Independente

O Independente foi para mim uma revelação: um jornal podia falar de coisas interessantes sem ser sisudo; podia fazer sonhar, como os livros; podia publicar fotografias malucas e poemas ou mesmo falar de música; em suma trazia-me todas as sextas as coisas que me fascinavam na época e que até então só surgiam impressas no underground (nos fanzines, por exemplo). tenho muitos recortes desses primeiros anos, a maioria à volta de textos de Miguel Esteves Cardoso (que era para mim a face / a escrita mais visível dessa descoberta).

soube agorinha, por este blog e por este, que o Independente acabou (hoje). e fiquei triste, embora já não me lembre há quantos anos deixei de o ler (só sei que foi antes de deixar de ler o Expresso). apesar de tudo, fiquei com pena, como quem lamenta morte de um amigo de juventude que acabou por se perder por maus caminhos e com quem nunca mais nos cruzamos; como se ainda esperasse que um dia, sei lá, pudéssemos voltar a estar juntos.

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sexta-feira, setembro 01, 2006

ouve (saudades da Xfm)

saudades de ouvir, com deslumbramento, música no seu estado puro. de ouvir por vezes também palavras: ditas (e de ir com elas éter fora). saudades também, claro, do tempo todo que nessa época eu tinha na vida e de ficar dias e noites a fio a ouvir rádio. nostalgia de pertencer a essa imensa de minoria.


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