sexta-feira, setembro 15, 2006

acudida distância


E quando te levantavas e serena te preparavas para a azáfama dos costumes, livre e fresca, do passado facilmente esquecias, do futuro não reparavas e afinavas apenas o olhar com o meu; no tempo em que o tempo de nós dependia apenas para o crédito gozo de meia-hora de boa sesta por cima do saco-cama, um cigarro, os ombros protegidos nos meus, uma imperial e gordos tremoços, um prego-no-pão manhoso, o café sempre no fim por cima desta frugalidade, a conversa do livro por empréstimo, a busca de limalhas de ouro no fundo dos bolsos cunhando moeda para trocar pelo mesmo peso de todo esse prazer – solidária arte de Midas - a música de fundo que só o fim-de-tarde tocava quando o sol dizia «boa-noite, vem aí a lua no vosso quarto crescente».

E tanta responsabilidade agora. A mim pesa-me por vezes demasiado. Há sempre uma agenda a empurrar-me, estranhamente aflitiva quando vazia. A esperança de seres ainda a figura do lugar onde encontravas comigo o rio e a sombra nobre entre as oliveiras, perdeu-se no espelho côncavo dessa grandeza, de ser livre e disponível, que quando olhado, procurado hoje não me vês, porque tanta responsabilidade me consome as vontades do coração.

Suspeito que desse tempo em que a imagem nos era protegida - porque de nós apenas dependia! - ficou dele uma acudida distância, essa desfocada urgência de nos vermos agora apenas entre palavras e a teimosia de preencher o vazio que ficou na soma das quatro mãos, imenso, ou apenas a energia nos vinte dedos, cruamente unidos, quando guardavam a bonança dos segredos.

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