terça-feira, outubro 30, 2007

Celular

A propósito da pseudo desorganização orgânica do sistema bicéfalo, disse um político francês que «a qualidade de um político é saber escolher entre dois inconvenientes.» Deixa-os protestar e assentar os seus medos. Pensam tijolos fortes, argamassa da política dos passos perdidos e são já só células doentias do seu herdado método de branquear.
Agarra com a ponta dos dedos essa brasa, que é a palavra que sabes forjada no cérebro inteligente do progenitor. A brasa ilumina hereditárias formas. Brasa que tem o calor da história. Brasa que limita os vindouros sem coluna vertebral a um mundo celular.
Amiba.
Uma palavra amiga
que deixo
para confortar (confrontar) as razões deste dia.
E o que eu disse e não disse!
O que eu penso, suspenso.
Melhora a forma.
Aceita a crítica.
Pratica.
Partilha.
Manter a convicção.
Caminho da razão.

segunda-feira, outubro 29, 2007

O pó dos móveis

É uma espécie de cinza que se agarra aos dedos.
Tempo que em mim adormeceu.

És tu e são todos os outros

haja luz suficiente para mostrar
o

que

do

tempo

se

desprendeu.

domingo, outubro 28, 2007

Bola 8

E esse prazer do pano verde, lembras? As linhas que imaginariamente se estendiam a partir dos teus olhos, rosa-dos-ventos, como pontos de tabelas cardeais. Põe giz na ponta. Aponta. Espera. Não é seca, é deixar à seca. Taco ou tacto, a tua dúvida, desmente-me se puderes. Creio que te disse do ensino de jogar, olhos nos olhos, mas querias apenas a última letra de onde começarias a escrever a giz o meu nome. Não digo. Imagina. Dizias que o triângulo que carambola as bolas era o nosso triângulo das Bermudas, onde nos perderíamos como um barco sem mestre e a luz, fluorescente, combinaria no pano as tabelas das nossas sombras. Mestre fui. Andei no teu ensino porque eras bonita e tinhas unhas de verniz que casavam bem com o verniz da madeira. Depois joguei contigo a vida às três tabelas com a mesma luz do cimo com que me começaste a ganhar. Se quisesses casar, juro que haveria de ter espaço na casa para um bilhar. Assim, dessa descuidada tacada que diz que para o ano outra vez nos principiamos, peguei no giz e risquei no verniz, à marca, a letra R. Bilhares carrinho? Não! Bilhares carinho!

Crónica de um dia vivido

Sentei-me no café, aquele espaço no meio dos livros, onde posso fumar um cigarro e folhear a selecção feita. Acontece na FNAC poder fumar com livros.

Reparo na mesa em frente. Uma senhora de idade avançada, setentas e muitos, a conversar com um homem novo. Não o vejo. Apenas a ela. Reparo no jeito como fala com o homem e diria que é de mulher que seduz. Face à primeira estranheza do pensamento, detenho-me no pormenor da saia trigreza, dos sapatos em perfeita combinação com a mala, do toque dos adereços e dos vestígios de batom. Como é bonito o decoro. Como cabe bem em qualquer idade, em qualquer rosto sulcado, em qualquer atitude. Como é bonito o decoro na dignidade.

Naquela mulher velha está lá tudo, escondido ao primeiro olhar, a beleza que foi fácil e a sedução fulminante. Só aparentemente perdida. Naquela mulher está toda a mulher que foi. Num vislumbre.

Como é bonito. Como é perceptível que a beleza não se perde, transforma-se. Como a beleza tardia, menos fácil e mais escondida, está lá. Requintada e sábia.

Como é fácil e bonito perceber que aquela mulher se estima. Ousa. Seduz. Fala com um homem novo com decoro. Sem romance.

país do medo


venho de uma viagem aterradora ao país do medo: o país onde se fala a língua do "e se?"

e se um filho me adoecesse sem remédio? e se tivesse de sofrer, muito, já? e se ele deixasse de ser capaz das coisas de que hoje faz os seus dias? e se eu não pudesse trabalhar para ficar ao seu lado (que seria dos outros que somos nós)? e se agora nos coubesse a nós uma tragédia?

foi a primeira vez que fiz nessa viagem: nem dei conta que a iniciava (empurrada por uma antiga e dolorosa história do meu mundo de trabalho), despenhando-me por um abismo em direcção a uma dor hipotética e insensata mas que usava, claramente, a minha cara, como se me esperasse há muitos anos. não fez sentido, mas percorri esse caminho.

felizmente, em menos de 24 horas, estava a regressar ao mundo concreto e afortunado que é o meu. em menos que um dia todos os meus problemas se transformaram em meros contratempos, todas as dores em deliciosas provas de vida, todos os minutos em pérolas, todos os raios de sol em outonos luminosos e eternos. todas as crianças em filhos de alguém. todos os pacientes à minha espera no consultório em pessoas a precisarem de um empurrão urgente, abismo acima, para desaprenderem, longe do medo, a linguagem maligna dos "e se?". de volta ao presente, recuperando o futuro.

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sexta-feira, outubro 26, 2007

Cimeira da anedota

Na cimeira EU-Rússia o ambiente era de amizade pura. O clima atlântico ajudou o ex-espião do frio, Vladimir Putin, a desagasalhar humores e, retribuindo a tradicional forma de receber lusa, contou uma anedota:
«Proponho a criação de um Instituto para a Defesa dos Direitos Humanos!»

José Sócrates riu-se muito e comentou para Durão Barroso:
«Porreira, pá!»

quarta-feira, outubro 24, 2007

teimosia

Pois é… chove, já há vendedores de castanhas, mas continuo a esperar o verão atrás da chuva. Quem faz esta luz que fica depois do cinzento ? O verão que não existe. Eu acredito nisto, porque assim ando mais feliz. Mesmo com os pés que já molhei na água das estradas.

despedida

arrumamos ontem nos armários de cima as últimas T-shirts e os últimos calções. era dia de mudar pijamas e desceram os mais quentinhos. hoje de manhã, à mesma hora de sempre, estava ainda muito escuro e, lá fora, chovia. saímos com os kispos novos que aguardavam a sua vez no cabide.

na rotunda, há 15 dias que já pára o homem das castanhas e, na rua, mesmo em frente às nossas janelas, já temos os enfeites de Natal prontos a acenderem-se umas destas noites iluminando e aquecendo-nos os quartos. planeiam-se magustos e lanches de rentrée.

desistimos oficial e alegremente do Verão. é justo.

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incentivos à natalidade

uma mulher de 40 e tal anos que em tempos fez laqueação de trompas pergunta como pode fazer para engravidar outra vez. está a trabalhar há uns meses e queixa-se de andar muito "cansada e stressada" porque é a primeira vez na vida que está a trabalhar fora de casa (digamos que trabalhar também lhe mete muita impressão). nos últimos anos e até começar a trabalhar vivia do rendimento mínimo. está separada do pai dos seus filhos (que, afirma, nunca foi homem para ela pois não gostava de trabalhar) e tem desde há tempos uma nova relação.

já tem 3 filhos:
  • um homem maior de idade;
  • uma adolescente que deixou a escola sem completar a escolaridade obrigatória e que desde então trabalhou uma única vez, despedindo-se ao fim de poucos meses "porque tenho umas amigas, sabe como é". esta filha tem um namorado que, afirma, "tem vida fácil" e, mesmo sendo mais os dias em que se esquece de tomar a pílula do que aqueles em que se lembra, recusa um método contraceptivo que não dependa da sua memória, declarando que "se vier um bebé, que venha");
  • um rapaz ainda criança.
o que pode levar estas mulheres (mãe e filha) a desejar uma gravidez? muita coisa, eu sei. mas, Deus me perdoe, que eu só consigo pensar numa.

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terça-feira, outubro 23, 2007

Boarding Pass


Nome/Name
D/MR
De/From
Coimbra B
Para/To
SNPAC
Voo/Flight
TP (que queira voar)
Porta/Gate
Procuradoria-geral da República
Hora Emb/Board Time
16:25
Lugar/Seat
Em pé (fumador)

Há mais sindicatos na TAP que o número de leucócitos que hoje me alivia uma infecção no sobrolho. Sim, estes cumpriram, levantaram voo. A TAP é um dos últimos escudetes da nossa bandeira. Permitir que uma rapaziada bem paga, cobardemente acantonada no Sindicato Nacional dos Pilotos de Aviação Civil, - muitos formados na força aérea à custa dos nossos impostos! - se dê ao luxo, por direito de greve, de baralhar a economia e a imagem do país, é abuso que a minha consciência de cidadão contribuinte não permite. Neles não há cérebro atrofiado pelas forças-g, antes um receptáculo de uma consoante, G de Ganância, que os faz voar sobre a bandeira do verde para o vermelho, usada a esfera armilar (cores, que presumo, identificam muita política no assunto).
É lá no ar, num voo TAP, sobre a Europa ou o Atlântico, o lugar onde ainda podemos fantasiar a nossa independência e estes rapazes, conscientes do seu pequeno poder, teimam em transformar-se no sindicato dos trabalhadores de terra. Já existe. Como existe a sua ingratidão para com os portugueses. Cortemos-lhes as asas de vez!

Talasnal musicado

Talasnal musicado. Talasnal, peça de museu. Assim fiquei cilindrado quando M me descobriu uma ovelha perdida e nos manda a banda sonora de há tantos anos, tão simples como a fragilidade da letra e dos acordes. Não era o nosso Punk nem o nosso rock sinfónico. Era uma viola e o calor da eira e os nossos corpos a escorrerem amor e madeixas de intervenção. Sim. Todos fomos novos. Sim. Todos tínhamos toneladas de coisas para dizer. Sim. Éramos (e somos!) um movimento quase oculto, essa forma de estar que felizmente ainda anda escondida das entidades da política fácil a prejuízo de alguma juventude. Quem tiver o senso bom e a ouvir até ao fim, perceberá que terá de recuar muitos anos, vestir uma ganga gasta, uma t’shirt e pensar que a melhor almofada é ainda as costas de uma mochila e, o bom cobertor, o saco-cama pronto para todos os climas onde abusávamos esse viver.
Quem não tiver paciência, paciência! Mas o seu mundo construído de outra forma não terá tantas luzes como o nosso caminho e menos mãos, como nós temos em abundância para tocarmos outras violas e guardarmos entre os dedos os velhos mapas que nos levam aos amigos.

pedaço de silêncio III



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pedaço de silêncio II



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segunda-feira, outubro 22, 2007

pedaço de silêncio I

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casa devoluta

Tenho deixado derramar a luz nos poucos, muito poucos, bocados de tempo sobrante. Vai ser assim até Dezembro, sem sobra de tempo. Tenho deixado a luz derramar-se nas frinchas e vivo o fingimento do tempo a par do fingimento da primavera. Como se eu fosse uma casa vazia, na qual permito que a luz habite rasteira ao chão quando a janela se abriu por uma pequena e insuspeita brisa. Tem-me bastado esta luz para a felicidade de andar vazia.

Houve um enterro e um fim. Houve o norte e o mar.

Fiz uma viagem, um comboio, uma estação. Coimbra-B. Curvei vinte anos numa tarde, num encontro retorno no tempo. Voltei para sul que é onde se faz o vazio e o futuro. O meu de casa devoluta, por uns tempos.

Ainda fiz uma manhã de domingo em Lisboa. Sentei-me na esplanada da Biarritz a esperar a hora certa e o café e descobri que ainda tocam sinos em Lisboa, ainda se aperaltam certas senhoras, ainda se sente esta cidade no silêncio nu de algumas manhãs.

Leio o mesmo livro há muito tempo e faço planos impossíveis de histórias a meio.

Ando feliz como se esperasse o verão. Sem buraco de tempo. A noite a teimar em não me deixar aceder à Linha e eu a acreditar que há ordem perfeita para o vazio. Incapaz de saber da chuva e do frio.

Casa devoluta presa ao tempo.

Câmara Clara

Câmara Clara é um programa na RTP 2 fantástico. Serviço público verdadeiro. Vejo-o sempre que posso. É daqueles, como o de hoje, em que podemos ir para a cama descansados, tal é a memória que nos deixa para podermos sonhar mais um pouco. Até amanhã.

sexta-feira, outubro 19, 2007

Tratemos do Tratado - A pirâmide decisória

O tratado de Lisboa está fechado a 27, depois do Carvão e Aço em 1951 em Paris, enquanto o meu avô trabalhava na Bethlehem Still, Pennsylvania, nos fornos do carvão e do aço, sabendo apenas da lide dos fornos e do método de aforro para alimentar família. Depois o circo de Roma em 57; Fusão em Bruxelas em 65; Acto Único partilhado, quase flamengos, quase wallons, Bruxelas e Haia em 87; o célebre Maastricht da União por nome gaguejado em 92; os ventos dos moinhos de Amesterdão em 97; a estação quente de Nice em 2001; saltado o século, referenda-se ou não a Constituição Europeia, o medo do poder do povo, eis que, na ponta da Europa, há um Tratado de Lisboa, do português ao cirílico. Parece que tudo está bem. Está? Não sei. Cheira-me a um novo rastilho, breve como o caminho do fogo. Caros amigos europeus: e quando bater à porta a sério a Turquia? Com o árabe, tratar-nos-emos em cirílico por "tu"? Tratado do Bósforo ou do Fósforo?

quinta-feira, outubro 18, 2007

sala nova


depois de quatro dias de arrumações, limpezas, compras e montagens até à exaustão (à loucura), aqui está ela: a nossa sala nova. dá uma espécie de fôlego e de ânimo à vida. quase vida nova.

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quarta-feira, outubro 17, 2007

Anos no tempo

Para M

Que coisas juntaria para te dar, prenda minha. Uma acta da assembleia-geral de quando reunimos juntos um beijo de parabéns, um caixilho que teria uma fotografia de saudades, um bilhete da linha, destino Campanhã, para bebermos juntos um copo logo ali à chegada, no espaço das tascas antigas.
Deixo-te nesta noite de parabéns o Caetano Veloso, que veio aqui a Coimbra B nesta tua noite assombrar-me, sussurrar-me, com as suas palavras que nos vão fazendo o destino dos dias. Olha o espelho. Olha melhor o espelho. Vês? A tua cara com todas as cicatrizes do tempo. Merecidas, porque bem vividas. Ao cantito, lá no cimo, se focares bem o olhar, estou eu, a minha cara a olhar-te, as minhas cicatrizes a rirem-se porque continuamos felizes. Parabéns!


"uma noite para comemorar"

"Esta é só uma noite para partilhar
Qualquer coisa que ainda podemos guardar cá dentro
Um lugar a salvo para onde correr
Quando nada bate certo
E se fica a céu aberto
Sem saber o que fazer

Esta é uma noite para comemorar
Qualquer coisa que ainda podemos salvar do tempo
Um lugar para nós onde demorar
Quando nada faz sentido
E se fica mais perdido
E se anseia pelo abraço de um amigo

Esta é só uma noite para me vingar
Do que a vida foi fazendo sem nos avisar
Foi-se acumulando em fotografias
Em distâncias e saudades
Numa dor que nunca acaba
E faz transbordar os dias

Esta é uma noite para me lembrar
Que há qualquer coisa infinita como o firmamento
Um sorriso um abraço que transcende o tempo
E ter medo como dantes
E acordar a meio da noite
A precisar de um regaço
"

(Mafalda Veiga)

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Outonal

1. És um sopro de vento. Tudo me ficou assim outonal como a queda de um pássaro soprado à boleia de uma folha. Assim, nesse voo desprendido, consinto que me caiam a pincel restos de aguarelas de verão, as poucas certezas. Assim digo de como me caiem os braços, também outonais, no sentido de Newton para o centro da terra. O corpo às vezes é este cansaço, como um iogurte fora do prazo, o cata-vento sem vento, a pele lavada pela chuva, perdendo o sabor salino dos tempos da colheita. Assim vai, cai o meu mundo no teu mundo, espécie de espiga na eira que, se fosse vermelha, ainda te obrigaria (mesmo contrariada) à encenação pública que reza a tradição de um beijo.

2. És um saco de sal. Todo o teu saber é um fruto proibido. Todo o teu sabor é pasta de amendoim e cornflakes. Que queres da tua vida? Dinheiro? Não sabes como o ganhar? Aconselho que vendas o saco de sal, troca-o em feira franca por um outro de cal e tenta palavras com o pincel com que me caiam a vida.

3. Se fores uma espiga vermelha, foge da labuta do sem-fim da debulhadora, porque o fim ou a solução dos dias está em ti mesmo, energia que contraria a queda do pássaro, F = G x mM/d2; o perfume da folha e os meus braços, errata têm, nessa fórmula com o nosso erro de sempre nos contrariarmos.

4. Se fores uma espada, tens na lâmina o comprimento do teu tempo. Não é a excalibur do Artur, é um punhal, daqueles cheios de torcidos como os da idade média, que não cortam aço, mas versátil, para descascar a espiga onde te escondes e sangrar todos os nossos medos.

5. És. Se fores.

Cara de ferro

É dos cânones das famílias que a educação nasce a partir de casa. Não teve essa sorte. Não é líder, é um homenzito que a sorte dos votos trouxe ao cimo da montanha russa da política. Quase já não tem séquito. Quase já vive politicamente como uma alface, vida vegetariana. Contenta-se a dar ordens que são desordens. Sois rei de um reino sem cavalos nem espadas. Bicéfalo não é o sistema proposto, para si inquieto, é essa derradeira atitude de curto e grosso.
Dito isto, acesa a discordância, terá um ano no tempo para ser rei, sela frágil onde cavalga a ignorância.

segunda-feira, outubro 15, 2007

Memória do Adriano

Mais dia, menos dia, há 25 anos, deixou-nos o Adriano. Ouvia-o em casa do HR com a cumplicidade das estrelas lá no alto da varanda. HR gostava muito da «Trova do Vento que Passa», passou-nos a letra, alegre, de mão-em-mão, cantando-a tão mal (uma noite das Mimosas, creio que já um pouco zimbrado) que só a sua convicção eu perdoei, zimbrado também. Agora estão juntos e acredito, cantam em uníssono as nossas vidas e os nossos escritos, a rirem-se um para o outro sobre as nossas fragilidades. As mesmas arestas. A mesma alma de intervenção. Memórias, mais do que dos homens, das saudades felizes das Mimosas.


sexta-feira, outubro 12, 2007

Sumptuário de Fátima

Sempre gostei do património religioso. Em todos estes séculos tiveram gosto de que gosto. Em todas as edificações, das alminhas à mais mediática igreja da Santíssima Trindade, a arte foi a arte de escolher o artista, dinheiro público dos que acreditam bem gasto, passe as convicções, assim fosse a arte dos estadistas. Sem convicções, entro sempre. Admiro o que está e o que não está, escolha certa.
Passada a mão pela asa do anjos e ornamentado todo o altar, sinto que há política no assunto. O pastor alemão Ratzinger mandou um “chegamisso” à inauguração, crente que todas as obras inauguradas em Portugal nunca estarão completas no momento (virá para o ano!), facturação de trabalhos-a-mais para o empreiteiro do regime.
Acreditaria nisso se não sentisse que há política nisto. As irmandades portuguesas em volta de Fátima, virgens-quase-virgens e outros acólitos, gostam mais de João Paulo II. Erguem estátua e por ele rezam desalmadamente como um amor perdido. Ratzinger ciumento, pois.
Daí o sumptuário. Não pelo dinheiro gasto, mas pelas rezas a Ratzinger em vão, crentes em João Paulo II.
Demos uma voltinha ao assunto. Acompanham-me? Sai a virgem da igreja da Santíssima Trindade, acedem-se as velas, dá uma volta pela direita à rotunda do Sagrado Coração de Jesus, para na portagem de Judas (trinta dinheiros), mete gasóleo na estação de S. Pedro, come uma sande mista S. Paulo, acelera aos cristãos, volta à rotunda e recolhe na igreja. Não é o povo da Ferrarri ou da Maclaren. É o povo que chora João Paulo II (o seu Mourinho) e, cabisbaixo, aceita Ratzinger como um castigo de Deus. 90 anos para isto.
30, tem o PSD em congressos, a mesma gente, outras bandeiras. 90/30. Por estas contas do rosário, ao PSD basta rezar um terço.


Colonoscopia

Alguém, a quem agradeço desde já, inventou uma cápsula para avaliação da mucosa do cólon. Toma-se, esquecendo a violação, com uma mini ou uma caipirinha. Ando na idade dessa cápsula fazer uma viagem por dentro de mim como um esquiador desce o monte branco. Regista as deficiências, deixa relatório e desliga-se para poupar energia. Tudo tão DECO, tudo tão QUERCUS, tudo tão GEOTA, tudo tão GREENPEACE, tudo tão Al Gore, tudo tão Stephen Hawking, investigando o ambiente e a evolução do universo no intestino. Um dia terei de ceder. Está melhor a proposta científica e, melhor que uma violação sem consentimento, mais vale uma consentida viagem de impacte ambiental à volta das minhas entranhas.

quinta-feira, outubro 11, 2007

Groucho Marx

Pergunta a uma mulher:
- Que idade tem?
- Estou a aproximar-me dos 40!
- Sim, mas de que direcção é que vem?

quarta-feira, outubro 10, 2007

Fausto Correia

Desde lá da Bruxelas sem governo, chegou-me a triste notícia do falecimento do Fausto Correia. O coração grande que tinha não aguentou o seu excesso de altruísmo, a sua dedicada vida, filantropia por vezes em esforço incontrolado, para estar sempre a animar o que de mais frágil e intenso acontecia na vida dos amigos. Era um homem que falava alto como gosto, que se fazia ouvir como trovões (tempestade de convicções!) e com esse coração que o tramou sempre emprestado às causas primeiras ou apenas a vir à boca, sinal de que era um dos poucos homens de causas que conheci, enquanto político, a cagar para a política partidária se o leme apontasse Coimbra e a Região Centro e o mundo dos amigos, que conquistava como conchas na praia com o sonho ontem roubado de uma dia, em que eu votaria, de ser Presidente do Município de Coimbra. A cada acto público é da lide que haja um político. Não há ninguém? Liga ao Fausto. E o Fausto vinha, importante, como catalogo todos os homens que estão sempre disponíveis.
Nas próximas autárquicas, se o coração me deixar, deixarei escrito no boletim de voto “Fausto Correia”. Sei que me anularão o voto, mas não me anulam a memória, mesmo que o conhecesse mal como uma concha na praia que um dia numa outra lide de Abiúl me conquistou, entre toiros, charutos, copos e lições de vida vivida.

pérolas ou pão? das barrigas cheias de tecnologia

pode parecer incrível, mas há um mundo de gente - incluindo crianças e adolescentes - que não têm computador, nem em sua casa, nem na de familiares, nem na sua sala de aula. é um mundo quase inimaginável, mesmo para mim que o constatei entre os colegas da escola onde o meu filho andou até ao ano passado. são pessoas que não falam a linguagem do mundo actual e que, assim prosseguindo, só à margem poderão encontrar um lugar para si.

no entanto, continuam a surgir vozes desdenhando da iniciativa que tem facilitado aos estudantes a aquisição de computador com acesso à internet: alertam-nos para os perigos da tecnologia e avisam-nos que não será ela a salvar o ensino nem o mundo. sim, eu também fui feliz e fiz o meu curso sem computadores. mas isso foi naquele tempo: de lousas, sebentas de papel barato e penas de aparo metálico que se molhavam no tinteiro. sim, eu também doseio todos os dias as horas que os meus filhos passam no computador (e na TV e na play-station). sim. sim, quem dera que o que quer que fosse salvasse o mundo.

só não acho bonito desdenhar assim, de barriga cheia de tecnologia, desvalorizando a possibilidade, assim oferecida, a mais alguns de correrem connosco na posse de um mínimo de ferramentas (e quase insinuando que oferecer um computador a algumas pessoas será como dar pérolas a porcos).

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terça-feira, outubro 09, 2007

Inverno

Estou já preparado para o Inverno, que só chegará no solstício. A lenha toda arrumada como a roupa de Verão. A mulher do 1º andar pôs o andar à venda para que possa acender a lareira sem a incomodar. Os livros espalhados pelos novos sítios, sempre mais perto do fogo para que sejam lidos. Ganha a sala músicas, preces que façam chorar e chover, fados e mornas de Cabo Verde. Venha a chuva. Já desistindo do pouco sol que resta, indeciso Outubro, estava até capaz de comprar 100 metros cúbicos de água para ferrar o seu caudal, secas que estão já as folhas para os chás e o mel todo coado e o pólen enfrascado e o vinho escolhido para aquelas horas, entre as duas e a cinco da manhã, onde no meu Inverno tudo acontece! E sou homem de o partilhar, sabes isso! Tens um sofá à espera e uma daquelas coisas de que não sei o nome, para que possas poisar os pés, pegar no copo e ouvir-me, ouvir-te sem desculpas.

metablogar

eu alinho.

embora não ache que blogar seja nada de especial. é só o caminho que temos hoje para nos encontrarmos: hoje, século XXI, com esta tecnologia; hoje, na nossa vida, na nossa contingência carente de outras possibilidades de encontro. no meu caso, tenho-lhe chamado emotional rescue. tudo isto faz hoje de tal modo parte de mim que é como se toda a vida tivesse esperado por um blog.

a blogosfera reune quase tudo o que desde sempre juntou as pessoas, promove o olhar sobre o outro, a autonomia, a escolha. misto de diário, fanzine, programa de rádio pirata, grafitti, slideshow, exposição privada, atelier, instalação, mesa de café, varanda, esplanada.

e o que não é? andar na bloga não é viver. (é comunicar). a vida fica lá fora, à espreita. deslumbrada, louca, atenta, maior.

PS Joaquim: posso roubar-te a etiqueta do metablogar?

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CHE 40 - Hasta Siempre

O comandante de uma geração que apanhei já na fase de folha, caída a flor. Ainda o tive em poster no quarto dos 16 anos, no célebre «Hasta La Victoria Siempre - Patria ou Muerte!» Depois tropecei com ele demasiadas vezes nas festas do Avante e numa ou noutra luta que se foram perdendo no tempo, porque esse alimento de geração também se foi substituindo pelas minhas próprias convicções. A minha construção e desconstrução. Ainda lhe guardo uma boina basca e uma estrela e uma memória como um santo de relicário, 40 anos passados do seu assassinato, que é a distância da minha idade e de outros maços de ideias que me preenchem agora as indignações. No entanto, de cada vez que o encontro ou mo fazem encontrar, como hoje, ainda há uma larva de nostalgia que por mim cresce como crescem todas as saudades.


segunda-feira, outubro 08, 2007

Silêncio

Pelas estradas da serra, são assim alguns Domingos. Há tanto silêncio, que se ouve ao longe uma tesoura a cortar um cabelo e o som de um desejo, a pensar em ti, dizendo-to em segredo.

domingo, outubro 07, 2007

ainda o concurso literário

não sei se ainda se fazem concursos literários como aquele de que falei no post sobre Carlos Tê. foi há cerca de 20 anos, não sei datas certas, e em Biomédicas a ideia foi copiada da Faculdade de Ciências que durante alguns anos teve um concurso assim. demos-lhe o nome de Abel Salazar, nada mais apropriado, adaptamos um regulamento e num entusiasmo fenomenal avançamos.

este "nós" éramos, se bem me lembro, eu e o João Luís do Poesia & Lda.. o júri de prosa integrava o Carlos Tê, o Dr. Soares de Sousa (um internista nosso professor na cadeira de Medicina), a escritora Filomena Cabral (de quem nunca li nenhum livro mas que, ao contrário do Carlos Tê, possuia sinais exteriores de vida literária) e talvez eu própria (já não estou certa de nos termos incluído nos júris, enquanto estudantes e aspirantes a escritores, pois claro).

para o júri de poesia conseguimos outro personagem fantástico: Rui Reininho, himself. mal refeita da surpresa por ele ter aceitado o nosso convite, encontramo-nos no Velasquez para a troca de manuscritos e para o que viria a ser uma espécie de primeira consulta da minha vida. além do cantor, faziam ainda parte o Dr. Manuel Laranjeira (o neurocirurgião, ele próprio, que o João Luís sabia ser dado à poesia), a poetisa Inês Lourenço e, provavelmente, o João Luís (que, ao contrário de mim, passou muito além de aspirante a escritor).

recordo vagamente o resto: os manuscritos (indescritível como tudo era quando poucos usavam computadores), as reuniões dos júris no edifício soturno em que a faculdade se transformava durante a noite e os prémios que incluíam a publicação do texto a concurso (o que nunca aconteceu porque entretanto mudou a direcção da associação de estudantes e a literatura não veio a ser uma prioridade de quem chegou). foi a H que arrebatou o prémio de prosa, tenho quase a certeza. e é uma vergonha mas não me lembro quem ganhou na modalidade de poesia.

adenda (com a memória disponível do João Luís): o prémio de poesia foi para Óscar Faria (ver caixa de comentários).

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Carlos Tê

o tempo passa e não cesso de me deslumbrar com a escrita deste homem que dá corpo à música de Rui Veloso. sempre achei que, para além da dupla musical, dele viriam um dia grandes livros, grandes histórias. o mundo da música está cheio de escritores mas Carlos Tê, escrevendo sempre à roda da vidinha e do que nos é tangível (a cidade, o amor, a melancolia de viver), é magistral - provocando frequentemente a sensação de nos roubar da ponta da pena aquilo que nós estávamos quase quase a escrever (mas, claro, nunca conseguiríamos).

nos meus tempos de departamento cultural da associação de estudantes da faculdade (dando cumprimento ao lema de Abel Salazar, nosso patrono: "um médico que só sabe Medicina nem Medicina sabe"), estive na organização de um concurso literário* para cujos júris decidimos convidar, além de um escritor e de um professor dado à literatura, um escritor de letras de música. foi assim que um dia fui parar, com o molho de contos concorrentes à modalidade de prosa, a casa de Carlos Tê. impressionou-me que um homem para mim tão obviamente condenado a um estrondoso sucesso literário tivesse afinal um emprego banal e vivesse num apartamento simples na outra margem. ainda assim considero um privilégio, um passe de mágica, ter chegado à fala com esse meu ídolo feito de palavras.

(*já não me lembro se foi nesse concurso que a H ganhou o primeiro prémio de prosa, ficando com a promessa, nunca cumprida, de publicação)

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Guardador de Margens

"Enquanto a cidade inteira vai digerindo o seu jantar
E todas as ruas e praças se lavam com essência de luar
Enquanto as estátuas famosas bebem brandies e aveledas
E as tílias se entreolham meigamente nas alamedas
Vou guardando as margens
Velando os lírios do jardim

Enquanto a meia-noite encerra mais uma sessão
E o senso-comum ressona tranquilo e pesado no colchão
Enquanto a cidade inteira lava os dentes e faz toilete
E os taxistas recolhem as sombras que restam da noite
Vou guardando as margens
Velando os lírios do jardim

Enquanto a luz do promontório ensina a costa ao barqueiro
E arde o rum forte no zimbório e traz lucidez ao faroleiro
Vou pondo malha sobre malha com o labor dum tapeceiro
Palavra, acorde, som, a talha e a devoção dum mestre-oleiro
Vou guardando as margens
Velando os lírios do jardim

Enquanto a cidade inteira vai feliz na sua faina
E o sol boceja na ladeira ao som do martelo e da plaina
Saúdo a bruma e o orvalho e a luz do dia madrugado
Guardo as cartas no baralho meu sono é enfim chegado
Vou guardando as margens
Velando os lírios do jardim
"

Carlos Tê, para a música de Rui Veloso

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?

Talvez porque ande a ler outro livro do José Eduardo Agualusa ( “ As Mulheres do Meu Pai “) e ele me apareça na contra-capa com a mesma voz forte e quente, acabando involuntariamente por ser o responsável das perguntas que agora caem de mim…ou talvez só porque as perguntas sejam só as pedras do tempo quando a terra de renova… tenho questionado pessoas, ou melhor, o vestígio das palavras de pessoas… que é feito da Teresa Leonor Vale ? Que é feito do Paulo Gamelas? Que é feito do José Riço Direitinho depois dos primeiros livros?
De tantos outros poderia perguntar. Do que fizeram das palavras ?

long lost: The Gist



os The Gist apareciam num LP, cujo nome esqueci, com 2 outras bandas: os Weekend e os Young Marble Giant. estavam assim juntos porque as 3 bandas eram compostas por elementos umas das outras, meio sobrepostos. o LP era do Carlos Gomes, uma das músicas secretas que ele conhecia e cujo conhecimento me oferecia como um presente e eu guardava como um tesouro. não me lembro de mais nada e é uma das poucas coisas que hoje não encontro numa pesquisa no Google: nada, nem uma referência, um nome de que se possa ir atrás, uma canção, nada.

mas ao fim de muitos anos encontrei a canção: primeiro só um pedaço no limewire, a provar que não tinha sido apenas um sonho meu, depois inteirinha no e-mule (obrigada Hugo).

deve ser isto a imortalidade, Carlos: carregar contigo na pele, vinte anos depois de te teres ido embora.

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sábado, outubro 06, 2007

Conimbrigense

Na revista “Única” do “Expresso” de hoje, conta o crítico dos apetites, José Quitério, que visitou a estação arqueológica de Conímbriga, citando Cortesão “en passant” para adornar a sua crítica de cultura de avental e seguiu o seu GPS culinário ao restaurante do museu. Deu o corpo ao sol da varanda, amesendou-se no mobiliário moderno e, esticando a língua para além da ementa, (sabendo de cor o Livro de Cozinha de Apício), entre sopa de peixe, peixe assado no forno, sardinhas e empadas de carne e frutas aromatizadas, entre outras iguarias, deslumbrou-se na crítica criticando as sugestões do dia que, segundo a língua exigente do próprio, «pretendem representar a gastronomia mediterrânica, a das forçadamente chamadas Terras de Sicó e a do romano Apicius.»
Apicius responder-lhe-á em latim «se vera est fama». Em português lhe digo que o trabalho que o território da Terras de Sicó tem vindo a fazer para preservar alguns dos produtos ímpares da gastronomia portuguesa (queijo Rabaçal e vinhos Terras de Sicó, a exemplo), mereceria do crítico um parágrafo mais atento. Em Conímbriga, sei por experiência, em jejum o pensamento é mais certeiro.

sexta-feira, outubro 05, 2007

Resistência

O verbo na saliva da palavra não me é gasto ainda. Continuo de peito feito. Chamam-me os deveres e cumpro. Chamam-me os prazeres e digo presente. Chamam-me as injustiças e ergo a lança (que é o coração a querer sair pela boca!) e digo. Quando imaginei em criança esta idade, era a imagem de um homem seguro, segurado por um bom seguro, vida a viver numa apólice que a Deus pertenceria. Na infância não há destino nem tino. Há uma roleta que nos coloca do lado dos bons ou dos maus, mais ou menos cálcio na coluna vertebral. Hoje, num jazigo de coerências, fui um nó de garganta. Uma pinha acesa na paveia. Um índice incontrolável da bolsa. A forma plena de um beijo antigo, que permanece no lenço da noiva que fugiu a caminho do altar. Um coração diferente num galo de Barcelos. Uma conta a mais, que não contava, num rosário contado por várias gerações. Um bilhete de ida-volta-ida, como quem não tem regresso, mas sempre um caminho para cumprir.
Os que têm medo não me chamam, pensam que ando a dormir. Não ando. Faço a sesta, cama curta, no tamanho da sombra que não fazem. Quantos somos ainda?

quinta-feira, outubro 04, 2007

memórias: aos amigos D e H


"(...) Ah, quem sabe, quem sabe,
Se não parti outrora, antes de mim,
Dum cais; se não deixei, navio ao sol
Oblíquo da madrugada,
Uma outra espécie de porto?
Quem sabe se não deixei, antes de a hora
Do mundo exterior como eu o vejo
Raiar-se para mim,
Um grande cais cheio de pouca gente,
Duma grande cidade meio-desperta,
Duma enorme cidade comercial, crescida, apopléctica,
Tanto quanto isso pode ser fora do Espaço e do Tempo?

Sim, dum cais, dum cais dalgum modo material,
Real, visível como cais, cais realmente,
O Cais Absoluto por cujo modelo inconscientemente imitado,
Insensivelmente evocado,
Nós os homens construímos
Os nossos cais nos nossos portos,
Os nossos cais de pedra actual sobre água verdadeira,
Que depois de construídos se anunciam de repente
Coisas-Reais, Espíritos-Coisas, Entidades em Pedra-Almas,
A certos momentos nossos de sentimento-raiz
Quando no mundo-exterior como que se abre uma porta
E, sem que nada se altere,
Tudo se revela diverso. (...)"

da Ode Marítima, de Álvaro de Campos

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chover por dentro, apesar do tempo

Acontece chover dentro de certas pessoas quando o mundo está seco e a finar o verão. Por isso nunca sabemos verdadeiramente como está o tempo quando olhamos para o mundo e nos esquecemos do espelho. A meteorologia já fingiu águas e cheias de inverno e docemente nos engana agora com a luz amena… mas há quem já se desfaça por dentro, folha a folha, e chova até doer. Morrer a terra é um bocadinho morrer por dentro. Morrer por dentro é remover a terra e querer enterrar o futuro previsto.

Estou embaciada. Chove por dentro.

Empréstimo

No meio da papelada sempre insistente na caixa de correio, deparo à chuva com uma cartinha do banco sobre um empréstimo, anunciando a alteração da taxa de juro, arredondada, segundo eles, à milésima.
É uma precisão do tamanho do aumento do valor da prestação.
E falta de educação, porque termina “com os melhores cumprimentos”, sem sequer ser assinada.
Amanhã de manhã lá colarei para afugentar estes espíritos o autocolante:
- Publicidade não endereçada!

quarta-feira, outubro 03, 2007

....

O meu tio L espera a morte. Disse-me o meu pai. Fiz-me então à estrada. Estava também triste e chuvoso, o tempo. E logo ali, frente ao mar, cruzei-me com um camião grande de transportadora, onde se podia ler “ Mudanças “…

A grande porta de Kiev

Como na vida, há homens e mulheres guardados para os momentos decisivos. Polga sonhava com um golo que nunca fez, como os homens e mulheres procuram uma cara-metade da sua vida e, com o tempo, pensam que a encontram ímpar, decisiva, à medida que se escoam todos os sonhos. Polga marcou o golo decisivo, a cara-metade ímpar encontrada. A esta hora viaja a equipa dentro de um tubo com asas, como um ramo de salsa caído de um copo, em esforço, por falta de água. Terá dito um sportinguista que a nossa equipa, muitas vezes jogando e desiludindo, é a correcção para os dias em que somos mais felizes. Hoje foi ao contrário. Ganhou o Sporting, mas tocaram-me no dia algumas desilusões, tão mais importantes porque mais antigas. Da grande porta de Kiev sai uma equipa, entra uma desilusão. Sobre essa espécie de felicidade e esse baloiço de querer ser Sísifo, presumo, compôs Mussorgski, “Great Gate of Kiev”.

segunda-feira, outubro 01, 2007

Lírios do CADC

Passei hoje na couraça de Lisboa, sim, aquela do tempo dos lírios. Tudo está por lá quieto, tempo parado à chuva, a mesma porta, a escadaria, o murmúrio das vozes de claustro, os mármores e as vistas da varanda das assembleias para o botânico, as palavras ainda na máquina do stencil, gastas como as pedras da calçada. Tudo está ainda por lá projectado para que nos vejam como um filme da cinemateca, que vi pelos teus olhos de quando eras uma pluma carregadora de mochilas.

know who you are at every age



Cocteau Twins
poesia sem palavras
no dia internacional da música

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Uma visão

Excelente, a entrevista do pai do SNS, António Arnaut, à visão. Não é por ser quem é, é pelo que conseguiu manter, ainda substantivo, neste mundo político de sobe-e-desce. Santana Lopes com um voo mediático na SIC Notícias, recuperou a esperança. Menezes, ganhando a cadeira no PSD, deu outras asas a Isaltino Morais, Valentim Loureiro, Carmona Rodrigues, Fátima Felgueiras e a outros tantos cães que lambem a perna da política conforme o osso a que desejam afiar os dentes.
De todos estes não temerá Sócrates. Mas basta um António Arnaut, de vez em quando, para Sócrates ter que marcar consulta, clínica geral, no SMS por Arnaut criado, lembrando-lhe que não há saúde no país.

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