eu com a minha aversão a multidões e a filas e a confusões subitamente aqui em casa a invejar quem está na Cova da Iria, os que chegam, os encontros, a fé e a esperança imensas que ali se respiram, o silêncio que foi possível entre tanta gente, a comoção, as Avé Marias, a Paz, a Paz, a Paz rezada vezes sem conta, as luzes sem fim à noite, os olhos cerrados de alguns, os olhos abertos de outros, a força impermeável que todos exibem.
(fotografia de Paulo Pimenta, no Público de hoje)
Francisco é o Papa que se define como «um Homem de pensamento incompleto». fala insistente e genuinamente dos desterrados, dos excluídos, dos infelizes, dos deserdados. chama-nos a mudar o mundo, todos os dias, um passo de cada vez.
a queima do Porto começa hoje à noite. é incrível como tantos anos depois - ao senti-la no ar por morar bem no meio da movida estudantil universitária - ainda revivo sempre o frémito que esta semana de festa nonstop sempre me trouxe.
eu na serenata da minha penúltima queima, em 1991 (sim, a pasta com as fitas ainda não era a minha). nessa época já mal cabíamos no terreiro da Sé e a comoção das guitarras e vozes do fado era interrompida pelo medo de morrer esmagada naquela multidão. lembro essa comoção e esse medo misturados com a sensação meio louca de que tudo podia acontecer nos dias que viriam. a euforia dessa liberdade imensa e perigosa que é esticar os nossos limites.
lembro isso hoje, uma vez mais, mas desta vez com uma sobressalto extra. começa hoje a primeira queima do meu filho F.
aconteceu na República Checa e vem no Público hoje e em todos os jornais e redes sociais do mundo. um comício do partido neonazi local foi objecto de uma contramanifestação. uma foto feliz apanhou uma escoteira de 16 anos, Lucie Myslikova, numa aura de bolas de sabão, a argumentar com um enfurecido porco neonazi.
«(...) "Eu não estava com medo”, garante Myslikova. “Eu fui à contramanifestação como alguém que está determinada a alterar as coisas. Para mim, faz sentido tentar e mudar o mundo à minha volta”
(...) revela que a discussão se centrou nos refugiados e imigrantes. O argumento que a escoteira apresentou era o de que os países têm o dever de ajudar aqueles que fogem da guerra e que não existem fronteiras, cita a BBC. O homem, que não foi identificado, respondeu, dizendo-lhe que deveria ser violada pelas pessoas que ela está a tentar salvar.
(...) Vladimir Cicmanec foi quem tirou a fotografia (...)»
num segundo, numa só imagem, o eterno triunfo da paz sobre a raiva, da coragem sobre o terror. é também o triunfo da esperança.
«Tudo nos escapa, e todos, e nós mesmos. A vida do meu pai
é-me mais desconhecida que a de Adriano. A minha própria existência, se eu
quisesse escrevê-la, seria reconstruída, por mim, de fora, penosamente, como a
de outra pessoa; teria de recorrer a cartas, a lembranças de outrem, para fixar
essas flutuantes memórias. Nunca são mais que paredes desmoronadas, divisórias
de sombra. Conseguir que as lacunas dos nossos textos, no que se refere à vida
de Adriano, coincidam com o que teriam sido os seus próprios esquecimentos.
(…) Interdizer a si mesmo as sombras projectadas; não
permitir que o bafo de um hálito se estenda sobre o aço do espelho; aproveitar
somente o que há de mais duradouro, de mais essencial em nós, nas emoções dos
sentidos ou nas operações do espírito, como ponto de contacto com aqueles
homens que como nós trincaram azeitonas, beberam vinho, besuntaram os dedos de
mel, lutaram contra o vento agreste e a chuva que cega, ou procuraram no Verão
a sombra de um plátano, e gozaram, e envelheceram, e morreram.
(…) Nunca perder de vista o gráfico de uma vida humana, que
se não compõe, digam o que disserem, de uma horizontal e duas perpendiculares, mas
sim de três linhas sinuosas, prolongadas no infinito, incessantemente
aproximadas e divergindo sem cessar: o que um homem julgou ser, o que ele quis
ser e o que ele foi.»
o Douro de Eça aqui tão perto! 'A cidade e as serras' lidas in loco em 24 horas, caminhadas como Jacinto as terá caminhado - imaginar a subida com as fatiotas da época, o transporte impensável dos seu haveres parisienses serra acima -, as aldeias miseráveis pelo caminho, o arroz de favas soberbo lá em cima (ah! o arroz de favas... em casa tentado mas nunca conseguido tão soberbo como o que foi lido), a Casa de Tormes tão real e plausível.
Sou tão enthusiasta pelos caminhos de ferro, que, se fosse possível, obrigava todo o paíz a viajar de comboio durante 6 meses (Fontes Pereira de Mello)