quinta-feira, julho 31, 2008

Muralha electrónica da China


Em 1989, 90, o jornal «O Independente» lançou um desafio para enviar ao governo chinês um fax de protesto contra o massacre de Tiananmem. Listou um sem número de faxs oficiais, usados ao nosso limite das convicções democráticas. Estive na China em 1992, numa miséria de comunicações, acompanhado por militares num velho autocarro como se de gado se tratasse, quando ali ao lado, na fronteira com Macau e Hong Kong, a aranha da tecnologia já nos facilitava em abundância a rede de liberdade do uso de telemóveis e chamadas locais a custo zero. Sabemos agora que com as Olimpíadas nada mudou. O acesso à rede é vigiado. A notícia é riscada. Há sempre um fio de seda imperial a embrulhar de censura os textos e as fotos. Podemos sempre entrar com novo protesto. Encontrei uma pequena porta na página oficial do governo chinês. Para lá tenho mandado avisos de Rosseau, Keynes, Popper, Milton Friedman e Alexis de Tocqueville. Vocês saberão outros mais. A porta? Batam aqui! Escolham a versão inglesa e, no «contact us», tentem o maintenance@mail.gov.cn. É a porta por onde não esperam. Boa sorte e peçam recibo...

quarta-feira, julho 30, 2008

Manual de procedimentos para quatro estações



Artigo Primeiro
(Da memória)

Lembra-te de quando não tinhas dinheiro e todas as moedas cabiam nos teus bolsos.
Tudo isso foi fotografado na Primavera, umas guardas, a preto e branco, lá estamos entre as tendas e os caminhos.


Artigo Segundo
(Do desejo)

Lembra-te da paisagem onde nos conhecemos. Muita pedra, muita gente, pouco sono.
Éramos quase dois frutos maduros. Havia água na boca e o Verão recolhia-nos a casa com uma mágoa nos olhos.


Artigo Terceiro
(Dos diálogos)

Areja todas as cartas, lê-lhes as entranhas.
Faz Outono dessas letras. Arquiva-as na memória.


Artigo Quarto
(Das disposições transitórias)

Lembra-te da chuva que não nos molha. Acorda música, que depois cantas, para espantar os medos.
Aquele Inverno que chega. Essa tela branca onde ainda nos vemos.

domingo, julho 27, 2008

a realidade

só quando o tempo de desenrola à nossa frente e nos mostra desdobradas as várias faces do prisma da realidade, é que começamos a perceber o que já fomos, o que já consentimos, as coisas em que acreditamos.


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terça-feira, julho 22, 2008

Dylan

“Temos o ontem,
o hoje e o amanhã,
tudo ao mesmo tempo,
e há pouca coisa
que possamos
imaginar
que vai acontecer.”
BD


Ao acabar de ver «I’m Not There” sobre Bob Dylan, registo que a grande produção continua assinada por Martin Scorsese no «No Direction Home».

domingo, julho 20, 2008

ler (n)o verão


sexta-feira, julho 18, 2008

Apita o comboio

Major Valente Loureiro
Major Valentim Loureiro
Major Valentim Lour
Major Valentim
Major Valen
Major V
Major
Majo
Maj
Ma
M
$

quarta-feira, julho 16, 2008

porque terei eu guardado esta frase ?

“ A poesia metafísica é ilegítima. Como assim se a metafísica é legítima, e a poesia é um produto intelectual, como o é a metafísica ? Porque a metafísica não é um produto exclusivamente intelectual. Baseia-se no sentimento, ainda que se exprima pela inteligência A inteligência deve servir-lhe apenas para interpretar o sentimento. Tudo o mais é, ou pensado com o sentimento, ou sentido com a inteligência – qualquer destas coisas é doentia (...)”
Alvaro de Campos
( porque a terei eu guardado tão bem? porque a encontrei hoje e me interroguei ?)

terça-feira, julho 15, 2008

resto de silêncio

Wim Mertens: música que não fere o silêncio de que também somos feitos.

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Aguarela p'ra férias urgentes

Fosse este tempo meu amigo como o são os meus amigos. E, seguro, poderia desbotar a cor que pinta o céu de Julho, trazer-me madeira para já desejos de lareira. Riscar desenhos nas paredes brancas como fazem as crianças mais capazes. Trazer sobre o meu corpo a sombra de um gato-sem-nada-que-fazer. Deixar cartas no correio, tantas que me obrigassem a sentar-me no velho sofá azul, a boca a comer pipas de ovos-moles, os lábios a ler os barcos nelas pintados e as palavras. Seria um tempo que não tenho. Música que não ouço. Um cão sem o seu osso. Clepsidra de sidra. Candeeiro sem luz. Ando a calor. Ando neste torpor, velocidade cabisbaixa de um santo num andor.

segunda-feira, julho 14, 2008

arfar de verão


Foi verdadeiramente o começo do tempo. Rumar ao Douro. Terra quase esquecida no caminho do tempo depois de a memória a habitar durante um ano lá pelos meus 11/12 anos.

O rio mantém-se quieto e curvo e a vinha escarpada até à água. Levei a alma, a família, uns amigos e ainda dois livros para ler. Mas primeiro e urgente, o vagar.

A quietude do entardecer quando a terra arfa a calor e ao longe se ouvem os cães de uma quinta longínqua. A luz a sossegar a terra e a vinha depois do estalar intenso e abrasivo.

A memória do verão sem mar, tem esse calor insuportável, de ferir a pedra e a terra, com zumbido de abelhas. Tem a crueza da luz e a definição precisa da sombra. Verão sem sal. A dolência do corpo a esconder o esforço das palavras. Conversas, são coisas de acompanhar vinho depois do entardecer…

Comecei o verão a estalar calor seco de terra que escorrega até à água.

(depois apeteceu-me ler Monte Abraão… acabei a faze-lo, ontem noite, já no sopro do mar).

Verão a arfar.

domingo, julho 13, 2008

Visa

Avisar que estou vivo. E vivo Julho como o percurso do sol, esse engano, que são as coisas terrenas e o trabalho a moverem-se com sentido.

quarta-feira, julho 09, 2008

das estrelas, outras


que saudades tenho de um céu iluminado de estrelas, quase incandescente, de o respirar com força. eu sou a favor das reservas CC, o resto do mundo já é bastante inabitável.

é das memórias mais antigas que tenho: nós no pátio da casa de Coimbrões e a minha mãe a mostrar-nos a via láctea. Coimbrões, a 2 ou 3 Km do Porto, é hoje um lugar inabitável, de onde não se deve descortinar nem a Sirius, a estrela mais visível do hemisfério norte. mas há 30 e muitos anos não era assim.

eu devia ser ainda muito pequena, calculo que de uns 3 ou 4 anos, porque a minha mãe estava a explicar-nos aquilo e eu lembro-me de ver as estrelas todas, a nebulosa e, juro, o meu pratinho de papa láctea a passar lá em cima. a princípio custou-me a acreditar, mas só podia ser ele, tão branquinho, com colher e tudo a mover-se lento como os aviões. e depois, se a minha mãe dizia que lá em cima era a papa láctea, ou a via láctea, é porque era mesmo.

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só consigo chegar...

pousar

ler (vos) no vagar de chegar

chegar devagar. muito devagar. a luz também cega.

terça-feira, julho 08, 2008

Intercidades

Intensidades.
Uma foto roubada à pressa
entre trabalho disperso
para regarem da vossa janela
agora que Julho me faz do avesso.

segunda-feira, julho 07, 2008

festas de anos


venho de um fim-de-semana de festas de anos, esses eventos onde, basicamente, mães se empenham em rodear os filhos de balões, bicos de pato, sumos e guloseimas várias, conversando entre si no intervalo de duas bandejas ou de 2 beijos de sarar feridas. mães que chegam e trazem filhos, mães que vão levando-os depois, mães algumas que ficam e contam a sua história (mães que julgávamos conhecer até nos contarem a sua história), mães de mães, que nos sabem explicar o mundo, e saram mais uma ferida e levam mais uma bandeja. mães felizes e orgulhosas. comovidas. exangues. frágeis. invencíveis.

e alguns pais, claro. poucos. e exaustos no final da festa.

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sexta-feira, julho 04, 2008

das estrelas

"olhem o céu inundado de estrelas... As estrelas são os olhos do universo brilhante. Estrelas a rodopiar no deserto negro... preciso de estrelas, companeros, eu preciso de estrelas... Porque o céu não sabe dançar sozinho!"

Ondjaki, Avó Dezanove e o Segredo do Soviético (Caminho, 2008)

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"o que a maioria das pessoas quer é ver os seus à mesa do orçamento"

isto é, mais ou menos, o que penso, cansada, sobre a discussão política que vou ouvindo.

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Actas e cartas

Acabei agora um conjunto de actas.
O trabalho feito.
O que me apetecia era escrever cartas.
O coração trabalhado.
Entendes?

quinta-feira, julho 03, 2008

do escritor, ainda



"- Antigamente é um lugar.
- Um lugar assim longe?
- Um lugar assim dentro."

custa sempre tanto, acabar um livro que nos levou assim longe longe dentro e mais dentro, no sonho. doi mesmo. e a doer queremos mais. e precisamos de chorar alto: leiam leiam não deixem passar. é o meu escritor mais recente. e o meu consolo é saber que o mais certo é eu morrer e ele ainda estar a escrever.

"vou aceitando as diferentes modalidades do meu exercício de sonhar. escrevo em busca de outros flancos - outros pontos cardeais - do mesmo sonho: a infância é abismal nos seus segredos e magias; não é a séria astrologia que me interessa mas o manto de poesia que as estrelas libertam.

se isto serve, se é útil, o tempo o dirá. se as cicatrizes da saudade saram, não sei,

apenas vou reunindo vozes como brilhos num céu que às vezes me sucede demasiado escuro - estou certo que sabes ao que me refiro. assim vou cruzando os dias, inventando o tempo, tecendo as vozes, reinventando as impossíveis constelações.
...
a cidade de luanda cresceu no seu caos de tempo moderno. o antigamente continua sendo importante e belo. devagarinho, adivinham-se passados como labirintos coloridos...

que o céu dançante, vestido de estrelas caintes, possa bailar outra e outra vez. que as crianças aprendam sempre como pássaros a secreta magia dos gritos azuis.
...

não é dessas paisagens, sobretudo, que o sonho trata?"

Ondjaki, Avó Dezanove e o Segredo do Soviético (Caminho, 2008)

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quarta-feira, julho 02, 2008

Paralelas assimétricas

Vi e ouvi hoje o Sócrates na RTP. A sua ginástica política de novo não-fumador. Uma mão na barra do equilíbrio orçamental, outra na oferta de uma ou duas benesses aos contribuintes, correcção social. Pareceu-me bem. Porreiro, pá! Preparado como nunca, antevendo o próximo circo eleitoral, fez a sua ginástica sem a quase irritabilidade do costume. No jogo de pernas de que também é feito o exercício político nas paralelas assimétricas, saltou sobre Alegre, a crise do petróleo, o velho PCP + CGTP e ainda dançou, à Fred Astaire, com a Manuela Ferreira Leite. Seriam maus os entrevistadores ou Portugal está no bom caminho?

terça-feira, julho 01, 2008

Festa

O Portugal divertido. Lembra aqueles sítios onde púnhamos no descanso as mochilas quando éramos nómadas. Nos Carpinteiros, as mulheres mais velhas saiem no fim do calor da sesta para o largo. Há cadeiras postas pelos mais novos, essa assistência condescendente ao parco movimento das idades. Parece um tribunal de xailes negros. Logo há baile e sardinhas assadas. Por enquanto há tremoços, amendoins e minis. Há famílias e olhares furtivos aos poucos corpos roliços. A capela está aberta. Da sombra, na sua sombra, olha-me um santo do altar. Ouve comigo o Quim Barreiros. Creio que o canta como um salmo, alegre no seu altar. Bebo um copo com os amigos. O santo trocaria comigo de lugar, não fosse o seu vício, compromisso, decorado a rosas e aguado a água-benta das beatas. Trouxe-te aqui este dia se ao teu tempo o quiseres adicionar.

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