terça-feira, julho 31, 2007

Rapidinha a Zamora

Vou ali a Zamora e já volto. Trabalho, bom trabalho. A noite terá vinho Elias Mora, uns quesos zamoranos, jamón ibérico de bellota, música na praça, magia de mágicos e amigos de sempre. Volto quarta. Deixo a chave debaixo do vaso do costume.

segunda-feira, julho 30, 2007

Pequena rota pela direita

Sai cedo antes que o sol te deite no saco-cama a apanhar o seu olhar. Veste-te de fresco e leva fruta e água para o caminho. Apenas por meu desejo, veste os calções de Valladolid e a t’shirt de Hong Kong. Passa a cancela de madeira e segue pela direita a estrada de terra batida. De vez em quando surgem mimosas e uma das nossas fotografias ainda por revelar. Logo abaixo, do lado direito, um pequeno carvalhal ainda resiste como uma ilha no oceano. Continua a descer. Passa a ponte sobre o rio. Bebe na ponta da ponte uma mão cheia de água. A capela aparece logo a seguir à sombra do cipreste. Entra. Reza uma ladainha a nosso favor à Sra. do Círculo. Logo após a capela, uma bifurcação. Vai pela direita baixa até à aldeia. Entra na taberna do Adaíl, fala-lhe em francês, bebe um copo de branco fresco, come azeitonas, uma talhada de queijo da mãe (pede, em francês de emigrante, que ele arranja!), molha um pouco de pão no azeite e leva-o aos lábios. Segue o desenho que deixei esculpido a navalha na mesa do canto e, outra vez pela direita, entra na estrada de calçada. Roda pela tua direita até à sombra dos plátanos. Ouve a música que escrevi apenas para ti, que só se ouve de olhos fechados, depois de comeres o primeiro cacho de Cardinal na cepa ao cimo do carreiro. Contorna a vinha e o olival. Entra no caminho de areia e segue as pegadas dos animais. À esquerda estão uns chinelos que deixei para te suavizar o andar e um mapa do caminho recortado na casca de uma laranja. Debaixo da nogueira deixei também a nossa fotografia de quando fizemos isto juntos. Guarda-a para ti! Estende na sombra o saco-cama e espera-me. Pode ser que te apareça e nesse lugar colocaremos a nossa cruz! Nunca faças isto pela esquerda, porque por aí nunca darás com o caminho. Se o fizeres, não terás as fotografias por revelar, a água do rio, o momento de rezar, o copo de branco do Adaíl, o sabor do azeite, o queijo da mãe, a música que escrevi, a sensação das uvas entre os dentes, os chinelos para te suavizar o andar e o mapa perfumado. Se fores pela esquerda, ficas presa na cancela onde da outra vez, debaixo de uma pedra, mulher ao sol, corpo ao sal, pela sua luz perdeste todos estes sabores e o meu coração.

sábado, julho 28, 2007

é assim:

andei a fazer contas e, como demoro entre 1 a 2 semanas a ler um livro (num ritmo de vida, digamos, regular, podendo chegar a 1 livro por mês em fases de sobrecarga de trabalho, compensadas pelos 15 + 15 dias de férias anuais, em que despacho uma média de 1 livro em cada 2 dias), como demoro todo esse tempo, se viver, por suposição até aos 80, só me resta tempo para ler mais 1040 a 2080 livros. menos que os títulos que foram editados em Portugal este mês, dizem-me. só uns míseros 1000 ou 2000 livros na vida que me resta quando ainda vão sair 3000 por mês x 12 meses por ano x 40 anos. e quando já tenho uns 500 em fila de espera. e se só viver mais 30 anos? e se antes disso ficar cega? demente?

portanto, isto tudo para dizer que, depois de tudo o que tenho lido sobre ele, não tenciono ler o "Foi Assim" da Zita Seabra (nem nenhum livro que não me agarre pelos colarinhos e me leve com ele). além de, como ficou aqui provado, não ter o mínimo espaço na agenda, além disso, já sei mais ou menos como foi.

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sexta-feira, julho 27, 2007

Disse

O que te tinha para dizer já disse!
Ouviste?
Não ouviste!
Tu, que andas tão dispersa à procura de sol
lá nos confins das dunas, onde até o gato preto
te começa a importunar o andar.
Os peixes morrem pela boca.
Os gatos pela falta de sombra que já não fazes.
Os teus homens pelos ouvidos, porque não me ouves
o que te tinha para dizer e já disse!
Os outros homens na ponta de uma bala.
Assim somas incertezas.
Ouviste?
Não ouviste!
Tu, que andas tão imersa à procura de água
lá onde os santuários recriam nascentes, onde até o cão branco
muda de fonte para saciar de ternura o contorno dos lábios.
Os eremitas morrem pelo tédio que criam.
Os cães pela falta do assobio que não assobias.
As tuas mulheres pelos vestidos, porque queres ser
rainha vestida no último templo onde não me restam dúvidas.
As outras mulheres no gume de uma espada.
Assim subtrais números como estrelas.
Ouviste?
Não ouviste!
O que te tinha para dizer já disse!

quinta-feira, julho 26, 2007

amigos II

"Aos Amigos

amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
- temos um talento doloroso e obscuro.
construímos um lugar de silêncio
de paixão"

repito hoje este poema de Herberto Hélder (JPN, podes mesmo confiar em mim) que sempre me ocorre quando penso em amigos, e em especial naqueles que fiz no caldo de cultura que foram os campos.

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amigos I

os amigos resistem a todas as viagens de circum-navegação da vida, a todos os abismos, as todas as maratonas, a todas as ausências. insistem e persistem, tranquilamente, e, quando um dia regressamos, estão lá, com uma naturalidade do princípio do mundo.

ao nuno, por nunca desistir de mim

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A liberdade da vagabundice

Quem vive, como eu, sem os deveres de trazer as tarefas caseiras dentro dos prazos e dos limpos compromissos, pode chegar a estas horas, pôr música, passear pelos blogues, ler os jornais do vosso amanhã de manhã, lascar um pouco no queijo e no pão caseiro que trouxe da serra, encher um copo e, de seguida, pôr também louça na máquina de dois dias e lavar toda a cozinha. É o que vou fazer sem o sentir de cumprir um dever. Sem avaliação terrena, não sei se é mau ou se é bom. Sei:
- coisas da vagabundice.

quarta-feira, julho 25, 2007

não gostei

de Ricardo Costa a entrevistar Sócrates, agorinha, na SIC. várias respostas do primeiro-ministro foram cortadas com argumentos de que não havia tempo e havia outros assuntos a abordar. no entanto, após cada pergunta inicial, não havia a agilidade da contra-pergunta a procurar, com elegância, as falácias e as fragilidades do rol de benefícios enunciados. chegou mesmo a enveredar pela questão com alfinetada incorporada ("leu a entrevista de Manuel Alegre? Não vai dizer que concordou..."). uma postura lamentável para um jornalista de quem se esperava mais, nomeadamente que fosse capaz de não deixar de transparecer as suas opiniões e embirrações pessoais.

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terça-feira, julho 24, 2007

Aferição

Nesta nossa idade, será que já te aconteceu perder o espanto, que é na vida o mesmo que um cão perder o faro do dono e sermos um numeral, mineral de um cemitério de elefantes?

segunda-feira, julho 23, 2007

intervalo de chuva

o verão segue dentro de momentos...

domingo, julho 22, 2007

Coimbra B erão

Coimbra, como todas as cidades com insuficiência de mar, está asséptica. Os comboios fazem o sacrifício de abrandar. O verão levou-lhe a vida para o litoral. Doutores, quase-doutores, nenhuns-doutores fizeram-se à estrada no caminho do iodo. Resta a sua identidade de cidade de serviços, os mínimos, que no verão se sublimam como cristais: os hospitais, a velha universidade dos exames, a função pública e os vendedores de apartamentos vazios à espera da baixa do “spread” de Setembro. O Mondego juntou todas as suas águas e anda às costas com os barcos na Figueira. Esta é a Coimbra real. Esta é a cidade em que nem o contrariado médico de urgência lhe encontra temperatura, aqui acamada pelo último arrumador em busca da derradeira moeda antes de partir.
As rotundas estão cheias de outdoor’s a anunciar festas fora daqui. Para quem se não está cá ninguém?

da noite

não tenho resistido a voltar todos os dias ao ritmo etéreo que o André desencantou do fundo de uma outra era. não fora então ter sugado a vida até ao osso, tudo aproveitado, 24 sobre 24 horas, hoje o meu nome seria nostalgia.

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prova de vida


não sabe se vive no rame-rame das contas, das compras, dos compromissos, dos aventais, dos refogados, do circuito cesto-da-roupa-suja-máquina-estendal-ferro-gaveta e do trajecto cama-cozinha-trabalho. até que um dia se sobressalta: a silhueta de um homem, o tom da sua pele, a curva tensa do pescoço, apenas. mas reconhece aquela brisa sobre a pele, o frémito que lhe percorre o silêncio das artérias, arpão ferindo águas paradas. todos os sentidos alerta, ainda. prova de vida.

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sábado, julho 21, 2007

oferenda

uma música dedicada às paixões tranquilas e às desvairadas, aos amores acreditados e aos inomináveis, às amizades antigas e às de anteontem (tão vitais como as primeiras), às danças de improviso, e às ensaiadas (passo a passo, nota a nota), às histórias verdadeiras e às que vivemos só na nossa cabeça. às mulheres belas e às feiotas, mas atrevidas, aos rapazes maus e aos bons rapazes. uma música dedicada a todas as coisas, prováveis ou improváveis, que ainda nos hão-de acontecer.


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"um livro para todos os dias"


tropecei há dias neste livro delicioso que a H cá deixou aos meus filhos (só pode ter sido ela, chega sempre carregada de livros e de transgressões). é mais um livro escrito pela Isabel (ilustrações de Bernardo Carvalho) e vindo directamente do Planeta Tangerina.


comecei por lê-lo aos filhotes mas depois, à socapa, roubei-o e li-o só para mim. e fiquei a pensar: será que a Isabel queria mesmo, mesmo, escrever só para os pequenos? e tive quase a certeza que não.


há livros e livros. há livros cheios. e livros que mudam os nossos dias.

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sexta-feira, julho 20, 2007

O arquipélago


Contavam-me hoje ao balcão do café, que um amigo comum passa os dias isolado no seu ofício, vivendo tão isolado, que nem um rádio tem por companhia. Não é compenetração pelo que faz, é isolamento mesmo.
Contei que aprendi com o tempo que o meu local de trabalho é um arquipélago. Somos vários, mas cada gabinete uma ilha. Fazemos do almoço e do copo do fim de tarde a parte comum, mas muitas vezes cada um tem o seu terreno, hino, bandeira, governo e mar, sem sabermos a que porto iremos aportar.

quarta-feira, julho 18, 2007

Saleiro

As tuas tentações (esse desejo de constante desafio, que me obrigam a ir por ti a novos sítios) são nos meus ombros pesados sacos de sal. Na arte dos marenotos, junto-os em pirâmide como os egípcios fizeram dos seus momentos felizes, o sol a pique na pele, o corpo nas suas sombras. Cada fractura desse caminho é um novo desafio percorrido no tempo do sal, onde antes correu um rio, que eram as tuas primeiras palavras demolhadas.
O nosso mar, que é também um delta das distâncias, acolherá junto ao porto de abrigo o teu sorriso como um barco de velejar. Dois, três sopros de vento decisivos e o desejo que guardo entre a boca e as cigarrilhas do teu beijo, sempre contrariado como um peixe pescado do mar, que quando aportar será um ruído, som de roca como as sirenes dos navios, a saliva expulsa do sal de que te saberei, quase beijada, falar como pimenta da Índia, lá onde os teus lábios finos saboreiam o colorau sobre os meus lábios, tempero das almas saciadas.
Abre a porta. Cose pão fresco. Põe azeite e ervas aromáticas na taça das azeitonas. Escolhe o melhor vinho que guardaste para esta circunstância de saberes que iria ter contigo a esse novo lugar. Chega o corpo ao avental. Começa. Recria. Escolhe as músicas que ouvimos quando fomos no barco para Marrocos. Poisa na mesa o livro que andas a ler para eu apenas saber, deixando-me salivar o desafio. Acende o fogo. Grelha as palavras ao sal como mariscos. Põe sobre elas o sal grosso dos grelhados com a mesma densidade de cristal dos teus olhos atentos, quando te convenço a ouvir outra vez o nosso tempo na esplanada em que foste sempre senhora de ti.
Queres mais sal?

terça-feira, julho 17, 2007

conversas

Cada vez mais aprecio uma boa conversa. Como aprecio o gosto do vinho. Ambos estes gostos se fazem de palavras. O do vinho, das palavras que se circundam o copo e o das conversas, das palavras que respiram perto do copo.

Uma boa conversa tem sabor encorpado, consistência quente e é de fácil trago.

O tempo de uma boa conversa é um tempo fecundo. Quente. Um verão inventado.

Uma boa conversa é um eficaz arado na terra que nos semeia a alma e o corpo. Semeia-a - nos.

Mas é mesmo de conversa que falo. Não de tertúlia em torno de um qualquer assunto, que nessas, eu mulher que acho quase nada com convicção, sou mais ouvinte que interveniente. Digamos que este é-me um prazer mais cinéfilo, mais visual, mais a preto e branco na beleza. É conversa, mesmo. Vagarosa. Aleatória. Crua. Feliz ou sofrível. Entediante ou exaltante. Conversa com ou sem fundo, com ou sem mundo.

Apreendo a reconhecer o prazer fecundante dessa saliva, a maturidade deste gosto.

Como novo gosto adquirido, trato de o fomentar. Com o pretexto do meu aniversário, organizei, um mês depois, um jantar de mulheres com mais de quarenta anos. Éramos sete e encostamo-nos num restaurante perto da escarpa do mar que deixou, com a noite, de se ver mas se pressentiu sempre. Endossei o convite com a promessa de uma noite de conversa salgada e o desafio de a acabarmos a dançar. As mulheres maduras tem saudades de dançar, suspeito sempre.(Para facilitar, se necessário fosse, prometi aos maridos que para o ano jantaria só com todos eles). E a noite foi cumprida mas a dança adiada. Certa de que as mulheres maduras tem saudades de dançar.

Fico dias com o sal dessas conversas soltas e destemidas, cruéis e lúcidas, enganadoras e desafiantes. Levo-as comigo carro dentro, estrada fora e vão interiormente a falar comigo as conversas que com outros tive. Estimulante forma de saber a vida esta a de engolir, como água ou vinho tinto, as palavras dos outros e com elas novas sedes matar.

Amanhã organizei jantar de “duas mulheres com maridos em Madrid”, porque me apetece uma conversa e dar-lhe nome como título de romance. Assim será cumprida mais uma noite insuspeitamente vulgar. São estes prazeres pequenos que me salgam a vida.

gaivotas

invejo a Carla e as gaivotas de Elsinore: ternas, silenciosas, quase maternais. aqui na estação é a selva: durante todo o entardecer gritos de vários ritmos e tonalidades cruzam o céu disputando o que resta do dia, vôos rasantes às varandas agridem o vento do Verão e sobre todos os telhados pontificam aves inquietas.

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segunda-feira, julho 16, 2007

ainda a história de Amos Oz

acabei ontem à noite o livro de Amos Oz: um livro grosso e pesado, de capa macia, que pude saborear com gula, sem medo que acabasse depressa demais. uma paixão demorada que me agarrou, me envolveu e me fez 640 páginas de sensual companhia. acabei-o ontem: embargada, angustiada e lavada em lágrimas porque só mesmo nas últimas linhas Amos Oz decide escrever que não foi só raiva que sentiu quando a mãe morreu, foi sobretudo desespero remorso impotência saudade e uma dor que o amordaçou durante décadas, até ser capaz de escrever este livro.

fiquei a pensar como se pode sobreviver a uma infância como a dele: entre uma mãe que entristeceu de morte e um pai alegre e verborreico mas com quem nunca falou da mãe ("o pai e eu parecíamos dois maqueiros transportando um ferido por uma encosta acima"); entre uma ascendência de judeus europeus intelectuais que o educaram como sobreviventes da humilhação e trinta anos passados num Kibutz, onde entrou com 15 anos, ferido a ponto de mudar de nome para escapar à sua história, procurando "uma vida de fraternidade e de trabalho manual"; entre o deslumbramento de assistir ao nascimento de uma nação e a desilusão da guerra interminável, do desencontro e da ausência de honestidade política. como, não só se sobrevive mas, se acaba assim, como o descreviam em criança, "inundado de luz"?

lembro-me que, no prefácio do seu livro "20 mulheres para o século XX" (Dom Quixote, 2000), Inês Pedrosa escreveu que notou uma coincidência na infância das 20 mulheres notáveis que biografou: "(...) quase todas perderam um dos pais, ou ambos, numa idade muito precoce. A esmagadora maioria delas não teve nenhuma das condições que hoje julgamos indispensáveis ao adequado florescimento de uma criança (...)".

fico a pensar nisto, na minha infância fácil e na dos meus filhos. no país de cristal de onde vim e onde os mantenho. que mundos nos são vedados para lá destas fronteiras? as flores nascerão apenas do estrume? será que conhecer as trevas nos ilumina por dentro?

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domingo, julho 15, 2007

A Ibéria: jogada de pedra

A entrevista do Sr. Saramago, publicada no DN, é uma jogada de pedra, um arremesso de sobranceria. Sabemos da sua querela com Lara e Santana; sabemos da sua arte cristalina para a escrita; sabemos da sua crescente arrogância enquanto pessoa e sabemos dos seus «apontamentos», quando em director adjunto do mesmo DN, no ido PREC.

O Sr. Saramago é hoje Dom Saramago na ilha de Lanzarote. Se olhasse desse terreiro para os outros pontos cardeais, teria por inspiração a Madeira e os Açores, toda a constelação PALOP e o Altântico que, a par da língua em que tão bem se expressa, dão ainda identidade e grandeza à “sua” Lusitânia.

Como português, velho sem Restelo, dali olha apenas o Oriente, pousando na primeira pedra que encontra, Sidi Ifni, na costa marroquina e por aí se inspira nas “bravas” conquista de Espanha.

Quem passa o zipp fronteiriço entre Portugal e Espanha, entende que, geograficamente, os espanhóis só pararam o seu caminho de conquista para o mar, porque pedras se puseram, primeiro escolho, depois lusitanas, no meio do caminho.

Para contrariar Dom Saramago, Uderzo ainda há-de publicar um «Astérix na Lusitânia» e estou certo, que se o fizer, não esquecerá touradas, Viriato, os leitões para o Obélix e Fernando Pessoa. O nobel, logo se verá, mas do Brasil constará:

“No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.”

Carlos Drummond de Andrade

Contra a Ibéria, «hasta la victoria siempre!»

Negócios


Bin Laden tem um preço agora fixado pelo Senado dos EUA em US$ 50 milhões.

David Beckham foi adquirido pelos La Galaxy por US$ 180 milhões.

A Gestifute, de Jorge Mendes, vendeu ao mercado do futebol US$ 320 milhões em jogadores, óptimos, médios, maus e pernas-de-pau.

Na América, a iniciativa privada continua de vento em popa e nós, com outro vento, continuamos os velhos mercadores com a argúcia e o tacto dos costumes. Quanto tempo faltará para a Gestifute adquirir o passe de Bin Laden ao Senado dos EUA?

sábado, julho 14, 2007

música fora da casa


ontem mais um concerto no exterior da casa da música. o som do afinar dos instrumentos ainda à luz do fim do dia. a música misturada com o vento, com a cidade e com a pele num efeito estranho, como que destacando a vida da realidade. claro que tudo entrecortado pelo ruído - trágico - das motas de escape livre que periodicamente passam na rotunda e nos trazem (uma e outra vez) a interrogação "onde pára a polícia?"


as gaivotas assistindo, solenes, sobre as gruas, esvoaçando a intervalos ao som das salvas de palmas. não sendo especialmente devota de música de orquestra, impressiona-me deveras o conjunto das mil partes, a sequência, a harmonia do todo, as percursões, os grandes metais. a tuba, dá-me a volta à cabeça a tuba. fiquei a olhar para o homem que tocava tuba: jovem, encorpado, de braços cruzados a maior parte do concerto. o que poderá levar um homem a querer ser tocador de tuba?



e as harpas, o seu dedilhar vindo directamente do mundo dos sonhos e das fadas. depois do "João e o pé de feijão" foi o mais perto que já estive de uma harpa.

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noite verão

São as noites, o que mais gosto no verão. Quentes. Calidamente sombrias. Felizes e com espaço para a felicidade. Gosto de as deixar rasteiras a entrar pela casa adentro, de luzes quase apagadas para afastar os mosquitos do mundo e sentar-me no sofá convicta de que se pode ser feliz em certas noites de Julho. Ou que se pode ser feliz a vida inteira.

Os dias de verão têm duas distinções: os dias de trabalho e os fins-de-semana. Andar na rua, em dia de trabalho, com calor é um arfar pesado, um movimento custoso, um respirar desesperado. Andar na rua, em dia de descanso, é um prazer opressivo mas contornável na procura da sombra do lado da rua, no tacto da cal, na invenção da água. Nos dias quentes nada é mais gratificante que a sombra do quarto e o frio dos lençóis brancos e lavados, misturados com o ruído dos grilos ou do mundo a estalar de calor.

Mesmo quando incómodo, suporto o calor a pensar no começo das noites de verão azul e na luz derramada. Deixamos o mundo entrar nas casas e abrimos as janelas abertas para que se instale no espaço o conforto quente que exala do mundo. É fácil ser feliz, no verão.

Hoje, determinara o dia para arrumar uma dispensa da casa, montar uma cama no quarto das crianças e pendurar as fotografias na parede. Não fiz nada. Nada, nada. Andei na rua a esquinar o calor, tratei de dois ou três pormenores da vida e acabei deitada em cima da cama, janela aberta a ouvir o mundo a estalar e adormeci. Decidi-me ao prazer de não fazer nada, nada. Ao vagar quente de gozar o verão. Ao poder ser feliz sem qualquer importância. Ao ser plena sem qualquer metafísica.

Varia com o vento ou as marés, mas de vez enquanto, dou com o cheio a maresia e iodo quando abro a porta de casa para o mundo. Aconteceu também hoje. Felicidade com cheiro a mar, é Julho!

E aqui estou, a escrever como quem está a caiar, à espera da noite. Noite de verão. Para me sentar numa varanda em cima do mar, escolher o vinho, e continuar a conversa que a vida interrompe.

Jogos sem Fronteiras

Eram bons esses verões. Depois de infrutíferas caçadas aos pássaros pela sombra e pelo calor dos olivais, onde só se ouviam as cigarras e um ou outro galho a mexer-se nas muitas camas da sesta, tomávamos banho na pia dos bois, comíamos na cozinha que dava para a nespereira, esperávamos ansiosos que a avó Beatriz devorasse o seu telejornal e, depois, éramos os meninos felizes que fomos.
Era a época dos Jogos sem Fronteiras. Imperdível. A preto-e-branco primeiro, mais tarde com outras cores. Conhecíamos os árbitros como amigos de sempre, o Guido Pancaldi e o Gennaro Olivieri, que falavam um pouco mal todas as línguas dos participantes.
A meio do serão chegava uma prima nossa, que constantemente adormecia a fazer renda e acordava, sobressaltada, sempre que o apito do Guido ou do Gennaro dava início a mais um jogo. Uma noite sobressaltou-se mesmo, porque um crocodilo tinha entrado na piscina do jogo atrás de um par de concorrentes, crendo que era verdadeiro.
A inocência. A emoção das apostas do Joker. As somas finais. No fim uma grande caneca de leite e tudo para a cama menos a prima que já tinha dormido tudo e falava, falava, (ouvíamos da cama!) noite dentro sobre cabras e os horários de água para regar. Na manhã seguinte haveria pássaros e caminhos. E carinhos. Eram bons esses verões.

sexta-feira, julho 13, 2007

Sentidos

Quando as coisas da vida presas nos bolsos começam a beijar o contorno de um vagar que há pouco guardaste comigo, porque não ouves a música do Verão que nos sobra das mãos, a frescura da sombra que cresce entre os nossos passos, na pele da nossa pele, e te recolhes à caixa das cartas, e tiras uma ao acaso - uma do nosso maço! e desejas que as palavras que há pouco te deixei no ouvido sejam as mesmas que relês, e que tudo isso fosse apenas um avivar de memória de quem sabe de um vinho antigo a que sabem os nossos lábios.

quinta-feira, julho 12, 2007

Partidas

Deixei-os hoje ir carregadinhos de luz como pilhas novas, roubada à cal branca da igreja da praça velha. Uns finos, as últimas assinaturas nos documentos urgentes, as velhas piadas, a consciência de que voltaremos lá por Agosto à luta dos costumes.
Quem me escuta, eles, eu sei, com as orelhas abertas no nosso ninho do trabalho, algumas vezes amargo por asneira – nem é amargo, é o meu modo de dizer prioridade «podíamos fazer melhor todos os dias!» - sabem que criaram, absorção dos costumes, asas para viajar. RB diz-me que vai voar para o ali perto de mim com jeitos de ficar três semanas, quase vidro fosco, vitral cardíaco, no meu outro achamento do Brasil (Santos e São Vicente, a nossa caipirinha na praça Tom Jobim) e RC, que levanta outras asas para os Açores, perto das sombras do Simas, que lhe terei de explicar, quando voltar, sobre a nossa velha história de uma ilha que pulsa, íntima de azul e sol a destilar hortênsias.
Ficar pausado, aqui, entre os voos, é energia mínima. Vão, ambos, pelos merecidos fenómenos do ar. As almas fora dos corpos. Uma imprecisão de indecisos. Um porque discute consigo a volta da não volta, outro porque leva ordens para voltar. Quando chegarem, estarei à mesa do PSI 20 de Lisboa, dizendo-lhes que o jogo da vida é o mesmo da bolsa, a distracção de um beijo que perdeu o viajar, como o teu, que avalio, contido, nos índices do PSI Geral.

terça-feira, julho 10, 2007

Sabores nocturnos

Leio cada vez com mais frequência nos meus autores preferidos, que o néctar do prazer é um irish whiskey «bushmills». A última referência encontrei-a no Francisco José Viegas, no livro «as duas águas do mar», versão malte, de rótulo verde-vivo, entre charutos Cohiba e conversas sobre o argentino Che. É uma tentação única, cúmplice que me é nos gostos da boca enquanto vivo nocturno a vida.

Um bushmills, um charuto, um livro e uma boa música são um losango mágico como os que povoam os meios-campos das boas equipas de futebol. Uma mulher bonita a ponta-de-lança desse losango, que transforme o prazer em golo, é o desejo ideal. Disseram-me na Irlanda que Deus inventou o wiskey para que os irlandeses não fossem os donos do mundo. São donos do «bushmills», não chega? E, ó meu Deus! O Teu paraíso não tem bar?

domingo, julho 08, 2007

festas de anos III


tenho um filho que anda há 6 anos numa escola pública e, talvez por isso, foi habituado a ser convidado apenas para algumas festas, poucas (embora às vezes também em estilo de armazém). é um rapaz que sempre preferiu um tête-a-tête a grandes grupos, uma boa brincadeira aos polícias ou aos professores a grandes correrias e euforias. ainda ontem festejamos os seus 9 anos nos jardins do Palácio de Cristal: uma festa bonita, cheia de sol e de 11 dos amigos que mais significam para ele. crianças que venho conhecendo e me conhecem e pousam a cabeça no meu ombro quando precisam. acabou num fantástico jogo de futebol entre as crianças, 2 dos pais e o avô (meu pai).

foi a outra filha de 6 anos que, ingressada há 1 ano no ensino privado, nos proporcionou a experiência do armazém e nos confrontou com a insanidade do preço de uma aventura destas: uma média de 10 euros por cabeça a multiplicar por 28 colegas + alguns primos e amigos = quase um salário mínimo. e a primeira festa dela pós-colégio continuou a ser em casa, depois da selecção difícil de 8 colegas a convidar. no entanto, à chegada, dir-se-ia que alguns julgavam estar num armazém: entravam a correr de olhos esgazeados, sem uma saudação, um olhar nos meus olhos ou nos da aniversariante. são crianças que ainda hoje, se encontro à porta do colégio, não me reconhecem.

imagino que nem todas as festas-armazém seja terríveis como as que experimentei mas estimularei enquanto puder as festas - e tudo na vida - que priviligiem o olhar nos olhos, a escolha e o ser escolhido, as relações intensas, enfim, a aprendizagem da amizade, esse laço vital.

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festas de anos II

este ano descobri (bem tarde, bem bom, eu sei) outro tipo de festas: turmas de escola inteiras convidadas a eito para 2,5 horas, religiosamente contadas, de correrias dentro de um armazém cheio de insufláveis e entretenimentos vários, com um lanche servido ao toque da sirene, sejam 10 da manhã ou 6 da tarde, pizza, gelado e bolo de anos, entre hordas de aniversariantes e convidados de outras festas. à entrada, balcões de check-in registam, de modo profissional, os nomes dos convidados que chegam, as prendas são atiradas directamente para um saco gigante ficando-se sem saber ao certo quando chegarão às mãos do festejado e, no fim, todos têm direito a um saco de guloseimas ou um brinde qualquer.

é frequente à chegada já não vislumbrarmos o aniversariante, que não resistiu à espera e desapareceu no barco dos piratas ou na nave espacial com participantes de outras festas. os pais muitas vezes não conhecem os nossos filhos, colegas dos seus, muito menos nos conhecem a nós e nós a eles. no meio do barulho e demais confusão que reina nesses espaços, tentamos por vezes que tudo se assemelhe a uma chegada a uma festa, e não a uma entrega de um embrulho: "é a mãe do Pedrinho? eu sou a mãe da Paulinha. então é às 5 horas que acaba, não é?", mas é quase sempre muito difícil. no fim vêm suados e felizes mas sem histórias para contar.

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festas de anos I


quando eu andava na escola primária, as festas de anos eram feitas em casa. convidava uma mão cheia de amigas (porque a minha primária, embora interrompida a meio pelo 25 Abril, foi sempre numa turma só de meninas) que no dia aprazado chegavam com as suas prendas (livros da Anita, dominós e caixas de costura) para uma tarde inteira de uma brincadeira que se tornava mais divertida à medida que se aproximava a hora do fim da festa. caçadinhas, escondidinhas, cowboyadas e quarto-escuro, com a participação desenjoativa dos meus irmãos e de 1 ou 2 vizinhos rapazes, eram um must. para o lanche havia invariavelmente sumos Alsa, bicos de pato com salsicha ou fiambre e um bolo feito pela mãe, com as velas necessárias. convidava um núcleo de amigas consistente ao longo dos anos, acrescido de algumas que futuavam ano após ano, ao sabor de diferentes circunstâncias e simpatias.

o reverso também se verificava: era convidada ano após ano para a festa de meia dúzia de amigas (algumas das quais esperava ansiosamente) e, esporadicamente, para festas de primeira vez. lembro-me de frequentar vários tipos de casas (umas mais abastadas, outras mais próximas da minha, outras ainda visivelmente mais pobres), de acordo com a heterogeneidade de uma escola pública de um lugarejo junto ao mar e a uma grande cidade. em cada casa, em cada festa, um fascínio diferente: os brinquedos de uma, o quintal imenso de outra, ainda a escadaria de outra, e, inesquecível, o muro baixo de uma, a dar para um pinhal de areia, rente às dunas para onde nos escapávamos a seguir ao lanche.

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Conímbriga e Coimbra

Dois castelos, três mosteiros, um palácio e uma torre, são?... as novas sete maravilhas de Portugal. Confesso que não assisti ao espectáculo e duvido muito que essa hierarquia seja reconhecida pelo comum dos portugueses, passe o interesse mediático de alguns.
Feitas as contas, a estação arqueológica de Conímbriga e a Universidade de Coimbra são dois arquétipos que ruíram na mente lusitana. Sucessivas gerações foram educadas na tradicional visita de estudo a Conímbriga e ali lhes diziam junto às termas da casa de Cantaber, que bem perto estava o seu futuro, a Universidade dos sonhos, a Coimbra dos doutores.
A escolha de ontem prova que Coimbra é um mito apenas e campus como Aveiro, Vila Real, Beira Interior, Évora, entre outros, atraem cada vez mais os mais novos às sebentas do saber, fugindo do umbigo de Coimbra que tem hoje demasiados olhares antigos e pouca estratégia.
Conímbriga é-me mais querida, porque ao meu trabalho pertence. A culpa não é do Director nem da sua equipa, mas da Administração Central que lhe rouba as receitas, mantendo-a como um velho num lar de idosos.
As 7 maravilhas provaram que Coimbra deixou de ser desejo e comprovaram as sucessivas baixas de visitantes a Conímbriga.
Coimbra tem massa encefálica suficiente para dar a volta. Conímbriga precisa urgentemente do processo de regionalização que defendo. Quando a estação arqueológica não depender do Terreiro do Paço, o seu terreiro terá orçamento para realizar o que andamos todos a pôr no papel e, quem sabe, terá os instrumentos que alimentarão a imaginação e a animação que merece, porque gente competente tem lá em abundância.


Padrinho

Mesmo por obrigação, nunca fui padrinho de ninguém. Baptizado que sou – uma manhã fria que me deixou testa abaixo uma eterna constipação! – fez-me renunciar desde esse dia, caso a caso, sucessivos convites. Poderia ter exercido essa investidura com uma sobrinha de que sou tio-mais-que-padrinho, coisas de que nos sabemos merecer pela vida que nos corre no peito.
Ela, feliz à mesma, sabendo inteligente das minhas relações com a instituição Igreja, aceitou que são de bons-dias apenas.
Um dia serei, mude a Igreja. Baptizada está, Deus a debulhe.
Lutaria com a dúvida a vida inteira se não tivesse, lendo, encontrado no Guerra Junqueiro uma possível razão para a teimosia:

O Baptismo
Exeat de vobis spiritus malignus.
Ritual.

Baptizais: arrancais dum anjo um Satanás.
Desinfectais Ariel banhando-o em aguarrás
De igreja e no latim que um malandro expectora.
Dizeis à noite: - limpa a túnica da aurora,
E ao rouxinol dizeis: - pede a benção da c’ruja.
Dais os lírios em flor ao rol da roupa suja,
Representais a farsa estúpida e sombria
Dum cónego a lavar um astro numa pia,
Finalmente extraís da inocência o pecado,
Que é o mesmo que extrair duma rosa um cevado,
E tudo isto porquê?
- Porque na bíblia um mono
Devora uma maçã sem licença do dono!

cadeia de livros 2 a 5

os restantes 4 livros da cadeia são de há 20 anos. são livros que me formataram, que li e reli quando o tempo de ler era infinito, que sublinhei e anotei, emprestei, transportei, transcrevi e, literalmente, desfiz (hoje caiem-me folhas ao chão quando pego em qualquer um deles).

O que diz Molero, de Dinis Machado (Bertrand, 13ª edição 1984), para mim ainda o Livro dos livros. já deu uma peça de teatro que esgotou bilheteiras sem que eu conguisse assistir mas, inexplicavelmente, nunca deu o filme que inevitavelmente passa na cabeça de quem o lê.


Todo o alfabeto dessa alegria, de José Amaro Dionísio (Salamandra, 1985). uma escrita desvastadora, imprópria para pessoas felizes, descoroçoante, imperdoável nos tempos que correm.


A vida material, de Marguerite Duras (Difel, 1987). MD no seu mais lúcido. escolhi este mas na verdade poderia pôr aqui muitos outros: o amante, claro, uma barragem contra o pacífico, sempre, o marinheiro de Gibraltar, dez horas e meia numa noite de verão (se não o tivesse perdido).


A explicação dos pássaros, António Lobo Antunes (Vega, 1981). foi neste ALA, nesta escrita já triste mas ainda límpida, que me viciei aos 20 anos. e já tenho saudades.

e agora lanço a teia aos meus companheiros de linha (H e D, é convosco), ao JPN, ao Francisco (que está de férias e certamente a ler do melhor) e ao André (que espero alinhe nestas cadeias da felicidade, como lhes chamou o Luís).

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sábado, julho 07, 2007

cadeia de livros 1


o Luís emudeceu-me com um poema e depois aprisionou-me numa teia (e eu nunca resisto a esta espécie de cadeias pré-adolescentes): pediu-me cinco livros, que alguém (a quem também tinham sido pedidos) lhe tinha pedido a ele. mas como não assisti ao princípio de tudo não sei bem que cinco livros sejam esses: os do momento? os urgentes? os que aguardam à cabeceira? os de sempre?

o do momento é Uma história de amor e trevas, de Amos Oz (ASA). é um livro autobiográfico e é, simultaneamente, a história do povo judeu, da construção de Israel e do nó do problema israelo-árabe. não podia, portanto, tratar de um mundo (uma geografia, uma família, um património) mais diverso do meu e, no entanto... (que coisa vulgar!) é como se eu tivesse sido aquela criança - que foi Amos Oz - um dia deitada ao entardecer a sentir-se uma migalha "num universo dentro de outro universo dentro de outro universo". mesmo quando o autor relembra a raiva que sentiu, aos 12 anos, por a mãe se ter suicidado ("foi-se embora, sem me avisar"), mesmo aí, sem conhecer essa dor, é como se eu já tivesse sabido exactamente onde ela me magoaria, insuportável, se me acontecesse. talvez todas as infâncias sejam amassadas assim: em partes iguais de luz e escuridão, de medo e de amor, de imensidão e pequenez.

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Um dia depois

Todos os dias acontece. Levanta-se cedo com o rádio a assobiar Renascença, ouve o intercalar desportivo das 7:30 e toma o pequeno-almoço no café perto da pedreira.
Todos os dias lê o jornal do dia anterior que sobre o balcão dormiu.
«Leio-o sempre de trás para a frente, porque assim chego a tempo à notícia do dia! Os que chegam, clientes das 8:00, que o leram no dia anterior pelo início, não tiveram tempo de o ler todo. Encontramo-nos, pois, pelas páginas do meio e esse é o assunto para conversar em cada manhã», disse-me P e eu acredito. Gente que, pelo ritual, morrerá sempre um dia depois.

sexta-feira, julho 06, 2007

Trojan Horse

H tinha razão na procura que fez por nós. Eu fui feito refém por um «trojan horse», bicho cobarde, que me aprisionou o passe para a linha.
Preverso, soltou-me hoje, mas roubou-me todos os endereços dos amigos.
Para o contrariar faço um apelo a todos:
- mandem-me uma mensagem para voz guardar no vosso antigo lugar, 1ª classe, como sempre.

O mundo ou os próprios que respondam...

Onde andam vocês da linha? … em campanha, não. Nessa deveria andar eu mas tenho-me limitado quase a lembrar o cheiro a alfazema que em Agosto me espera e o tempo que em redor dela se fará para meu usufruto. Mudaram as agulhas na linha e nalgum lugar inverteram o sentido do mundo? Digam, digam… preciso de saber o outro contorno para o longe que passe pelo mundo. Ou estarão vocês reféns, vendados e encapuçados, a arfar num qualquer lugar sombrio da estação, quiçá debaixo do balcão de atendimento e venda de bilhetes ao público? Que movimento terrorista vos assaltou? que causa vos reivindica ? Exilaram-se em Julho ou auto-determinaram-se ? Fizeram-se comissários nesta presidência ou foram só beber um copo e pescar no rio ? Onde andam vocês, meus pontos de sentido ?

Não me deixem tão só que eu, não tarda, tenho de roubar romances para fazer linhas.

quinta-feira, julho 05, 2007

ciclo do tempo - II

Há um outro ciclo do tempo, eterno, que fica concavo sobre todo o tempo do mundo. O ciclo das mulheres. A paisagem do mundo vista no feminino. O ciclo da reconstrução eterna.

O mundo morre pelo menos uma vez por mês, porque as mulheres quase morrem de tristeza profunda e dolorosa. Sentimento intensamente desesperante e destruidor. Irritável. Fecundante. As mulheres enrolam-se sobre si porque o mundo chove sobre elas em pedaços de tristeza e dor. Refeito o mundo com o passar do dias até à força da tempestade. Ao sangue.

O ciclo concavo dos dias.

terça-feira, julho 03, 2007

Falta ler o Zé...

No domingo, com a chuva esqueci. Esqueci de deixar aqui o repto para que lessem a crónica do José Eduardo Agualusa – “ O meu primeiro livro” na Pública. Bonita, como quase todas as suas crónicas. Mas esta, mais do que todas as outras, é para alguns de nós uma crónica íntima. Sabida. Visualizada. Saudosa. E muito, muito bonita… Fronteira perdida.

segunda-feira, julho 02, 2007

celebrar julho

Tínhamos a tarde, a entrar pela noite,de hoje agendada à muito. Esperávamos o calor para poder fazer uma tarde de alpendre e conversa, afastar mosquitos atraídos pela luz das velas, conversar a quente com o tinto no copo até escurecer nos montes e se ouvir os grilos. Marcamos à muito: quando houver calor e férias escolares. Foi hoje. Tentamos a tilintar de frio, mudamos a mesa para o outro lado da casa a abrigar do vento e falamos do verão… acabamos por entrar pela casa adentro e por necessidade e provocatória celebração de Julho, acendemos a lareira. Conversamos muito rente à lareira. Bebemos o tinto. Acendemos conversas.
Despedi-me de todos aqueles que esporadicamente naquela casa encontro , com “ um bom verão… se o houver”.

domingo, julho 01, 2007

a propósito de Erico Veríssimo


o meu "O tempo e o vento" são 670 páginas daquelas que era preciso rasgar uma a uma para poder avançar. é uma 3ª edição (da Livros do Brasil, pois claro), sem data inscrita, que a minha mãe rasgou pacientemente umas décadas antes de mim. 670 páginas de uma saga que, numa outra era, me foi possível ler de um fôlego só.

como me tinha esquecido de que este é o primeiro tomo de uma trilogia, na última feira do livro perdi uma oportunidade de explorar este filão, ao arrematar por 10 euros 3 títulos mas trazendo, em vez de "O retrato" e "O arquipélago", os que se seguem:

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