quinta-feira, maio 01, 2008

"A geração de Abril ou os velhos do Restelo que se seguem"

Tiago Tribolet de Abreu* no Público de hoje:

"A geração de Abril anda a dar cabo de mim. A geração de Abril é formada por aqueles que tinham entre 20 e 30 anos na altura do 25 de Abril de 1974. Por isso lembram-se bem do período pré-revolucionário, viveram com grande intensidade a revolução e com frequência tomaram parte em alguns eventos desse período excitante. Muitos licenciaram-se na altura, com fáceis "passagens administrativas", tendo adquirido questionáveis competências profissionais. Têm agora entre 55 e 65 anos. São os chefes e directores dos serviços e departamentos da actualidade.

No entanto, têm uma grande incapacidade para exercerem a autoridade. No seu subconsciente, um chefe que se assume como o responsável máximo, que coordena, orienta, vigia e ordena o funcionamento das coisas é fascista. É fascista porque é autoritário, déspota e não dialoga, não busca consensos, não contemporiza. E por isso a geração de Abril chefia e dirige os serviços e departamentos de uma forma indefinida. Ou apenas marcam presença e deixam as coisas em autogestão. Ou delegam noutros as diversas funções que lhes caberiam a si.

A geração de Abril acha que "as bases", que "o povo" é que deve tomar as rédeas e auto-organizar-se. A geração de Abril não se sente bem a organizar e a dirigir as bases. E, por isso, continuamos como nos descreviam os romanos: "Um povo que não se governa nem se deixa governar." E, no entanto, no século XVI, Camões dizia "que um fraco Rei faz fraca a forte gente". E o general Beresford, no século XIX, tecia rasgados elogios aos soldados portugueses e, já então, concluía que a nós só nos faltava liderança competente.

A geração de Abril viveu a conquista da liberdade. Arrumou na prateleira os velhos do Restelo da altura, e eles ficaram na prateleira a suspirar pelos "bons velhos tempos do fascismo", enquanto a geração de Abril experimentava o poder recém-adquirido da mudança. A geração de Abril gosta de lembrar às novas gerações como as coisas eram más antes de Abril, e como a situação actual representa um progresso tão grande sobre o tempo do fascismo. Sempre que as novas gerações se inquietam e se desagradam com o actual, e incomodam, impertinentes, com a vontade de mudar, de evoluir para mais acima, a geração de Abril, com paciência, mas também com um pouco de enfado, relembra como viemos lá de tão abaixo e, perante a agitação inquieta de quem não se satisfaz com o presente e quer mais, sempre mais, exclama: "Mas estamos tão bem, funcionamos assim há dez, 15, 20 anos, para quê mudar?"

E as novas gerações não querem saber das conquistas de Abril, da liberdade, dos "direitos adquiridos dos trabalhadores". Não querem saber do passado, querem o presente e o futuro. E bocejam, quando a geração de Abril insiste em falar, de forma incompreensível, em coisas que as novas gerações não conheceram: o PREC, o Grupo dos Nove, Vasco Lourenço, Salazar, Otelo, Marcelo Caetano, Spínola, 11 de Março, 25 de Novembro, direita, esquerda, reaccionário... O que foi tudo isto? E o que interessa hoje? E a geração de Abril, todos os anos, nas comemorações da revolução, suspira com a forma como as novas gerações se desligam dessa importante data. As novas gerações querem mais. Querem profissionalismo, eficiência, competência, mais do que ser de esquerda ou de direita ou convicções político-partidárias. Querem economia a crescer, mais do que "direitos adquiridos dos trabalhadores". Querem saber quem manda em quê, mas também quem é responsável por quê.

As novas gerações acham natural que todos se submetam à avaliação da qualidade e quantidade do seu trabalho. A geração de Abril considera a avaliação uma afronta e uma intromissão intolerável do "patronato" sobre "os trabalhadores". Mas as novas gerações nem sabem bem o que são "os trabalhadores", visto que todos trabalham, desde o marceneiro ao gestor da marcenaria, desde o repositor do supermercado até ao seu gerente.

A geração de Abril fica assustada quando se fala de formação, considera ridículo pensar em voltar a aprender, muitas vezes com pessoas muito mais novas, principalmente se essa aprendizagem envolver avaliação final. As novas gerações sabem que só um esforço contínuo em aprender, de preferência com avaliação repetida do que sabemos (para descobrir e corrigir o que não sabemos), é que poderá levar à realização e estabilidade profissionais.

A geração de Abril assusta-se com a possibilidade de despedimento na função pública. As novas gerações estão fartas da incompetência da função pública. A geração de Abril considera que a segurança no emprego é essencial. As novas gerações sabem que a segurança no emprego depende da evolução da economia e da competência de cada um naquilo que faz. Gostavam que a geração de Abril se ouvisse a si própria e se lembrasse do que ouvia aos dinossauros do regime, antes de Abril. Gostavam que a geração de Abril saísse da frente e deixasse a vida avançar. Porque sopram ventos de mudança, que já não são os de Abril, esses já sopraram, foram bons, úteis e importantes, mas pertencem ao passado e já não servem agora."

*Médico

Etiquetas: ,

Web Pages referring to this page
Link to this page and get a link back!