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na Pública do passado Domingo foi publicada uma impressionante reportagem de Ana Cristina Pereira sobre uma mulher do Bairro de Aldoar, espécie de santa protectora dos moradores. chama-se Esmeralda Mateus e, além da sua intensa actividade beneficente (pela qual foi, há dois dias, homenageada pela Câmara Municipal do Porto), é presidente da associação de moradores do bairro e representa o Bloco de Esquerda na assembleia de freguesia de Aldoar.
entre os seus protegidos, conta-se Laulau. Laulau é "um velho acamado" que vive com os seus 2 filhos deficientes num T2 deste bairro camarário. a jornalista acompanhou Esmeralda à casa de Laulau e a descrição é uma descida ao fundo dos infernos: o "cheiro nauseabundo", um velho doente que "escarra nas paredes", borra de café nas paredes e no chão, uma filha que "deita tudo no chão, mija em qualquer lado". Esmeralda recebe 200 euros por mês da Segurança Social "para aquilo estar limpo". "Vai lá três vezes por semana, limpa o pior (...). A mulher-a-dias vai com ela, cobra 30 euros por semana, limpa o resto. A mulher-a-dias está sempre a mudar. «Têm tanto nojo. O que lhes mete mais nojo são os escarros na parede». Há três meses que a Segurança Social não dá um tostão para a limpeza do apartamento de Laulau. É como se o tivesse esquecido. Esmeralda é que tem suportado os custos da mulher-a-dias, dos detergentes, de alguns medicamentos «para o velho não chorar de noite»".
é uma história que nos revolve por dentro mas tristemente é apenas uma entre muitas outras do Portugal tecnológico do século XXI, aspirante à vanguarda nos cuidados de saúde. são situações bem conhecidas de quem trabalha, por exemplo, num Centro de Saúde: pessoas tão dependentes como crianças entregues a si próprias (e à caridade de estranhos) num quase total alheamento do estado dito social, dito providência. digo quase total alheamento: por vezes há uma pensão, um dinheiro que chega erraticamente, ocasionalmente uma visita da assistência social ou até, como neste caso, um T2 gratuito. não interessa se o que dá é o que é preciso, se permite a cidadãos doentes, totalmente incapazes e vulneráveis, uma vida no limiar da dignidade. nada disso importa. o estado passa ao largo, dá o que pode, como uma esmola, como se a mais não fosse obrigado.
(citações são da reportagem mencionada, Pública de 20 de Abril de 2008; fotografia de Adriano Miranda, recortada da mesma reportagem)
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