o meu 25 de Abril
eu tinha 7 anos em 74. andava na 2ª classe e só tinha aulas à tarde. o meu pai tinha ido trabalhar e para mim, os meus irmãos e a minha mãe, era uma manhã igual às outras. lembro-me de estar na cozinha e de ouvir lá fora a voz de um vizinho amigo dos meus irmãos que chegava e se surpreendia: "Então vocês ainda não sabem? Houve um golpe de estado!" - palavras que nunca tinha ouvido antes mas que se preparavam para mudar, para sempre, o clima lá de casa.
a sensação que mais forte me ficou foi a de, nos dias seguintes, à mesa, o assunto ser sempre o mesmo. era uma conversa absolutamente nova entre os meus pais e da qual nós os 3 ficávamos de fora. eu esperava, confiante, que aquilo passasse porque já tinha acontecido outras vezes, surgirem umas conversas assim impenetráveis dominando durante uns tempos as refeições, mas que acabavam sempre por se desvanecer. mas isso nunca aconteceu. aquilo nunca mais acabou.
os meus pais aderiram, desde a primeira hora, ao PPD, galvanizados pela personalidade de Sá Carneiro, esse extraordinário homem do norte que assim tiveram o privilégio de conhecer. lembro-me de no dia das primeiras eleições, ouvir a voz da minha mãe na rádio, para onde telefonou assustada pela fraca afluência à sua mesa de voto, apelando para que as pessoas fossem votar.
lembro depois os dias quentes de 75 e o medo que o meu pai tinha dos comunistas (que o faziam desdenhar da generalidade da iconografia da revolução). o meu pai tinha um pequeno terreno em Águas Santas (onde nasceu) que nessa época se apressou a vender: "antes que venham aí os comunas e fiquem com tudo". isto era assunto de conversa meu com as crianças da vizinhança que às vezes se riam e eu não compreendia completamente porquê.
foi isto o meu 25 de Abril, o meu golpe de estado, uma coisa que só começou a acontecer nesse dia e que não trouxe logo consigo o conhecimento e a compreensão de tudo o que estava em jogo. tive que aprender o que me faltava da revolução mais tarde, à minha conta. e é por isso que é fascinante revivê-la pelos meus filhos, aprendendo todos os anos mais alguma coisa, com eles e para eles. ainda hoje passamos o feriado quente por casa com eles a passarem repetidamente o Grândola Vila Morena e o E depois do Adeus (de que ontem, pelos vistos, falaram muito na escola) e eu a comprar no iTunes umas músicas de Fausto e de Sérgio Godinho (autores que muito cantei à roda de fogueiras em campos de férias mas que nunca fiz representar decentemente no meu espólio musical). com mais alguns temas da colecção dos 50 anos de música do Público, fizemos a festa cá em casa. só faltaram os cravos.
Etiquetas: 25 de Abril, minhas histórias, política
3 Comments:
Foi bonita a festa, pá!
A memória é um trunfo para jogar, quando dele precisamos.
Mónica, deixei-te lá uma corrente no MP. Beijo.
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