quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Estrada até Outubro

reencontrar agora esta música é uma viagem, diz M.

Fim de setembro, o amor imenso, procuravamos um lugar no mundo para nele caber sózinhos. Havia sempre os comboios que nos levavam aos braços um do outro.

“ Eu estou sempre como agora. Tu não sais nunca da minha frente. As pessoas não crescem. As árvores não morrem. Se a vida pudesse ser parada, eu parava-a aqui.”

A aldeia abandonada, Talasnal, a casa de xisto para nos abrigar. Tardes deitados na eira, sem uma única palavra, esta música e a serra.

“As coisas que não se deixam continuar são as mais tristes de todas. Não são tempos mortos. São tempos assassinados. As coisas vivas têm o direito de morrer devagar. “

Não sabiamos ainda, mas fomos lá morrer. Devagar. Dolorosamente como acontece aos amores que julgamos infinitos.Como acontece ao que respira. Aos pés desta música.

“ As coisas transformam-se enquanto as seguramos. Deixavam vazios onde as víamos. Só o nosso olhar não parece transformar-se. Mas é um sítio onde os outros já deixaram de procurar. Em tempos atravessou-me os olhos uma luz ansiosa que se deixava perseguir e acalmar.”

Descemos a serra para de novo acabar em Coimbra-B. As estações e os comboios sempre foram o princípio e o fim dos braços e abraços. A luz dolorosa do entardecer. O abismo. Esta música na pele. Ela, não cabia nos comboios.

“ Sou contra as viagens. As viagens existem,mas não se deviam forçar. Partir para quê ?”

Do Sul escrevia cartas. As mais bonitas e únicas cartas de amor. Recortava frases, como estas transcritas, do Independente de sexta, colava fotografias, escrevia nelas o que não cabia em mim.

“ Mas as coisas velhas não se curam com coisas novas. Sobretudo quando não se lhes dá o tempo para envelhecer.É como se quiséssemos mudar de corpo cada vez que adoecêssemos.”

Houve o tempo.A aprendizagem do amor. Assim se percorreu, milímetro a milímetro, a pele da dor. Com esta música.

Desta música sou feita, como desta história.

5 Comments:

At 11:35 da manhã, Blogger Mónica (em Campanhã) said...

a música é poderosa e está em toda a parte de nós

 
At 3:51 da tarde, Blogger Gabbiano said...

A música é, ela própria, a linha, o combóio, a viagem, a vida de pernas para o ar, o(re)começo, o que resiste, o que não passa (como os perfumes, de resto, sei do que falas...), que nos leva,estrutura de nós, implosão da saudade, estrada, estação e estilhaço, ...um absurdo, Durutty Column às 4h da tarde, há de repente um arrepio a sublinhar o dia (uma linha, portanto). Meninos da linha, importam-se de me deixar trabalhar...???

 
At 2:46 da manhã, Blogger David (em Coimbra B) said...

Eram cartas trabalhadas a cinzel. Recortes, fotos, frases escolhidas para o momento. Muitas sairam daqui em combóios rápidos na distribuição dos costumes. Quantas têm ainda minhas, tu e M?

 
At 12:08 da tarde, Blogger H em Stª Apolónia said...

M terá seguramente. Eu tenho-as dispersas, sem lugar certo na casa. Só as muito, muito antigas tem cordel e tem exactidão no lugar.

Sempre foram fabulosas essas tuas montagens.

 
At 10:26 da tarde, Blogger Mónica (em Campanhã) said...

nunca contei, mas tenho-as TODAS.

 

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