JOGO DE FUTEBOL
Joguei este jogo anos a fio. Ouvi centenas de relatos. Conheço o espaço todo do rectângulo, a surpresa boa que sempre me trouxe o meu pé esquerdo, cheiro ainda o bálsamo nas pernas em Domingos gélidos, o saibro coberto de água e sei da angústia do penalty, 9,15 metros, chutando seco sem nunca ter feito a “paradinha”. Vi, exposto na cara o cartão amarelo e o vermelho, nem sempre com a razão do lado do homem de preto. Parti dente, pé direito, tenho a canela direita massacrada de “takles” e vivo o jogo agora de sofá, a copo e cigarrilhas, raramente no estádio onde o momento é perfeito. Hora e meia mais descontos, em casa ou no conflito (só eu sei porque não fico em casa!).
(Diálogo de café)
- Este fim-de-semana é estranho!
- Porquê?
- Hoje vem o meu Sporting a Coimbra-B, sou deles, que queres, não janto, tenho de ir. Se ganharmos (ganhámos!), amanhã torço pelo Benfica.
- Consegues torcer pelos vermelhos, SLB?
- Consigo… é Carnaval, podemos disfarçar-nos!
Subscrevo. Que ninguém me proíba de ser homem de futebol. Venham mulheres com carga libidinosa falar do Molero e do Maior Vendedor de Sapatos do Mundo, do Stanley Matthews, o do drible que enlouqueceu nove defesas esquerdos e mais três defesas centrais que foram à dobra… (pág. 139 da minha versão) e outras mulheres de outras artes empurrarem-me para a poesia, a música, o passeio clássico de fim de tarde, o fim-de-semana programado nas estradas do desejo, a ementa escolhida que há muito não me tem passado nos lábios.
E as que não vêm novelas e sabem o enredo e os que não gostam de futebol e espreitam com comando a SportTV, entre o Mezzo e o Odisseia? Dessas e desses não gosto, porque não assumem a pele de que são feitos.
Mas há quem cumpra o mesmo ritual no espectáculo dos Coldplay ou Depeche Mode. Há quem vá, certeiro, a casinos, apostar na máquina dos frutos, 777, morango, morango, morango, limão, limão, limão.
Se os meus jogam, jogo com eles. Acabado o jogo, volto a ser fiável para as práticas dos costumes. Hora e meia mais descontos, é pedir muito? Comigo tem de haver espaço para o jogo, para ver o jogo, para lutar com eles, heróis de verde e branco, já que o corpo agora apenas vê! Acredito, claro, que com esta barriguinha, faria ainda um bom golo, ao segundo poste, a cruzamento teleguiado do Garrincha. O único que fintava sempre para o mesmo lado, passando e cruzando, mesmo que o rectângulo de jogo fosse para ele, como era, o estreito espaço de um guardanapo.
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