quinta-feira, fevereiro 07, 2008

vasculhar passados II

outras das actividades ilícitas em que fui envolvida desde a mais tenra infância foi a passagem de bens não declarados pelas fronteiras Portugal-Espanha. a Tuy íamos periodicamente atestar a despensa de caramelos, Cola-Cao e latas de melocoton. o NSU Prinz da família tinha uma espécie de gavetas sob os bancos traseiros onde escondíamos toda a mercadoria. depois ficávamos horas numa fila, juntamente com mais de metade da população do norte do país, à espera de vez para sermos inspeccionados pelo funcionário que, no lado português, dependendo da disposição, ora nos mandava avançar, ora pedia para ver a mala, ora procedia para mero interrogatório (mas nunca espreitava os bancos secretos).

e nunca nos correu mal a fita. fomos ganhando à vontade e passámos assim pelas fronteiras não só a doçaria responsável pela destruição dos meus dentes, mas também um triciclo cromado trazido de Sevilha, uma máquina de costura Husqvarna que veio da Suiça, uma tenda de campismo familiar e uma canadiana compradas em Andorra, sapatilhas, máquinas fotográficas, etc.

mãe e filhos instruídos pelo pai no essencial deste contrabando caseiro, eu vivia este delito com um misto de temor e de gáudio, o mais perto que já tinha estado de uma cowboyada a sério. cresci a achar naturalíssima ideia de ludribiar a autoridade. depois continuei a crescer e hoje acho outras coisas, mais duras e coerentes. mas se eu fosse algum dia, digamos, ministra dos negócios estrangeiros, ou das finanças, decerto iriam descobrir esta mancha no meu passado.

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3 Comments:

At 11:17 da tarde, Blogger David (em Coimbra B) said...

Fantástico, minha clandestina. Nem sonhes ser um dia Ministra da Saúde. O «Público» manda-te logo para as urgências!

 
At 1:06 da manhã, Blogger Helena (em stª Apolónia) said...

lembro tão bem...tão igual. Excelente. Ingenuas clandestinidades.

 
At 10:08 da tarde, Blogger jorge esteves said...

Sou um nadita mais antiguito!... Ia mesmo de S.Bento e ainda lembro ter levado com uma ou outra foleirice de abrirem as janelas mal a bicha saía das estação e entrava no túnel. Era cá um benza-a-Deus com a fumarada que, muito depois de Nine, ainda ia com olhos marados...
(mas essa dos caramelos, aí era igual...)

abraço.

 

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