segunda-feira, fevereiro 04, 2008

Francisco Botelho in perpetuum

© Bridgink

Conheci o Botelho (assim o tratava) há 15 anos nas guerras do desenvolvimento local, nos fenómenos de intervenção social do hoje chamado terceiro sector. Era, como afirmou um dia, «um Ribeirapenense por opção e devoção. Cidadão activo e participante na área da cultura e do desenvolvimento. Com opinião e ainda com uma réstea de esperança.»

Um homem dedicado a Ribeira de Pena e toda a região envolvente, camiliano sem queda para anjo. Habitámos este tempo no mesmo ofício. Sem nos vermos amiúde, tínhamos o mesmo ferrete do esforço pelo saber para depois o partilhar, pontes de arame, sendo tantas vezes a distância um Atlântico tão nosso, que nos fez reencontar há tempos em Salvador da Bahia, na mesma guerra dos costumes. Aí soube que estava doente. Depois estivémos juntos no meu Sicó uma última vez. Hoje fiz os muitos kilómetros que me separavam da sua terra para o adeus ao homem que me ficará vivo para sempre. Deixou promessas que queremos seguir. Deixou amigos que o querem continuar a cumprir. A Ribeira de Pena voltarei para o ouvir, porque lá quiz repousar como desejo das suas derradeiras escritas:


Plenitude
O silêncio…É certo que neste lento pôr-do-sol, o silêncio se ouve com mais força. Mas não é o silêncio. A tranquilidade… Sob a lua rompante, a natureza descansa. Alguns morcegos esvoaçam por sobre o pátio. A água corre no tanque, quase imperceptível. Tudo, na natureza, parece ocupar o seu sítio próprio. Mas não é a tranquilidade. A paz… De repente, dentro e fora de mim, tudo é harmonia. Neste momento preciso, tudo bate certo. Tudo tem razão. Mais, nada precisa de ter razão, porque o coração sente a plenitude. Mas não é a paz. Não sei o que tem este lugar. Só sei que é o meu lugar. Aquele em que tudo faz sentido. Aquele em que consigo reunir tudo o que há em mim. Sem dramas, sem ansiedades. Plenitude, talvez seja isso, o que me enche neste velho pátio da casa ancestral dos meus antepassados. Aqui vivo eu, aqui vivem todos os meus fantasmas, aqui vivem as almas de Santa Marinha. Talvez um dia me possam trazer para aqui para morrer. Talvez um dia possam espalhar as minhas cinzas por estes metros que a minha vista alcança. Porque mais do que qualquer outro sítio do mundo, eu pertenço aqui.

Francisco Botelho

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