o meu trabalho II
ela contou-me como foi perder, aos 30, o homem (de quinze anos) da vida dela: como foi enfrentar a teimosia da doença, primeiro os dois lado a lado, depois ela atrás (a força dele à frente) e sozinha no fim, ao lado de um corpo que respirava mas já não era. contou-me como ouviram a morte a chegar: lenta (tão lenta que começaram a tratá-la pelo nome), o seu passo firme. contou de que é que tiveram medo e de como isso os deixou fazer uma espécie de preparação (mesmo se nunca ficaram preparados): como foi ouvir o homem dizer-lhe que era preciso que ela continuasse depois dele, em frente, em direcção a um futuro qualquer que ele já não conheceria – e ser isso que a segura, tantos meses depois. contou como foi feliz, tão feliz, por o ter, mesmo depois da doença ter começado tê-lo também. contou como foi que cresceram, amaram e viveram tudo juntos e a falta que agora sente disso. e de o ter. o espaço que ficou: vazio. a vida que já não está ali. mesmo se metade dela ainda é ele, meia vida passada à sua luz, dois num só, agora outra vez só um e já não sabe ao certo o que era cada qual. contou-me isto e havia um homem a brilhar no fundo da dor dos olhos dela e os meus doíam de não chorar - não se chora em trabalho – e fiquei outra vez a pensar que termo-nos, ainda, é uma espécie de eternidade.
3 Comments:
Muito bonito. Intenso.
a mesma intensidade. a mesma. muito bom.
Não vim de comboio (poderia ter vindo de tanto que os gosto); vim por mão amiga. Gostei desta estação...
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