liberdade de expressão
Etiquetas: liberdade
Etiquetas: liberdade
"(...) e, embora mais desdentado, acoita-se-me
uma mão-cheia de felicidade, daquela ambulante
que é costume encontrar-se nos pregões
das castanhas, porque apesar do buraco
ainda respiro e a cada passo diminuem as dores. (...)"
mais um texto estonteante de Renato C. no Paixão Sobre Tela
O directório socrático cheira a arrogância.
Precisa de ir ao SAP de S. Bento com urgência.
Drenagens e exonerações são (sem taxa moderadora) a prática médica do regime. A correria de Campos é um melanoma que pontua a preto a pele lusitana.
Por veste preta, só falta uma OPA do Berardo à Lusitânia
e todo o Portugal transformado num hotel do grupo Pestana!
Pergunta, invejoso, o Alberto João Jardim:
- queres ver que já chegámos à Madeira?
PS (perdido socialista): aceito desde já a acção que V. Exa. me possa meter em tribunal. Humildemente, como português com impostos em dia e meia dúzia de tostões na bolsa para sonhadoramente acelerar e especular a economia, aceito a notificação. Mas mal por mal, que seja uma mulher bonita a meter-me uma acção em tribunal.
Etiquetas: Casa Fernando Pessoa, filhos, Porto
Acredito que a minha frágil felicidade se constrói nos horários de sobra. Tudo o que faço dá-me sempre um minuto a mais para o poder apreciar sem correrias contra o tempo. A correr, quando quero, ando eu, sei disso. Mas ter tempo para o tempo do que faço e poder admirá-lo, é privilégio único. O mesmo faz a abelha da sombra da folha, saciada depois do almoço dentro da flor. O mesmo faz o peixe que, não sendo pescado, sobe livre até ao cimo do rio. E o que dirá a águia-de-asa-redonda que nesse minuto do tempo vejo voar alta, fugida ao tiro furtivo, retomando o caminho das orquídeas atingidas pela bala que falhou. O mesmo fazem os ponteiros do relógio, depois de usados nas horas pelos apressados, deixando-lhes o ritmo para o outro privilégio único de poderem parar outra vez. A todos nos sobra tempo. Esse precioso tempo que não está cotado no horário dos homens da bolsa.
A abelha, o peixe, a águia-de-asa-redonda e os ponteiros do relógio,
admirando o mundo nesta frágil felicidade comigo, falando juntos sobre isso
num minuto a mais sem compromisso.
H diz que na conjugação do amor há sempre no fim um nome bonito.
Acredito.
M acrescenta entropia no durante, espécie de desassossego.
Confirmo.
Tudo começa numa manhã dentro de uma caixa de música. A arte de dar corda, ver dançar se ela dança e saber ouvir. Pela tarde, entre um chá e uma torrada - que é o apetite a crescer! -, abre-se a caixa de costura, costureiro que edifica casa para o botão. Acertado o rosto do nome bonito, terminado o desassossego, como um menino falta colorir o momento. Abre-se a caixa viarco e começa-se pelos lábios, depois os olhos e um ou outro traço nos cabelos. O resto é poisar os lápis e pernoitar no que lhe resta de sombras. Puzzle onde tudo encaixa. Um som a mais, um ponto-de-linha que não foi cortado a tempo nos dentes, um risco azul onde o verde pedia carinho, abre como código muitas vezes a caixa de Pandora, que leva de novo à procura do nome bonito, à entropia e à caixa de música. Não há que esperar. Dá corda. Depois tudo segue como dantes.
Assino.
Etiquetas: música, Pedro Abrunhosa, Porto, S. João
Etiquetas: Alberoni, amor, blogs, Milan Kundera, sonhos
A luz que ilumina o novo verão traz os teus olhos mais para perto dos meus muros de pedra e cal. Como dois poços que são, corro à volta dos teus olhos o engenho para lhes dar água límpida de beber. É uma engenharia de alcatruzes. Cada alcatruz um desejo, cada mão-de-água um copo contigo à sombra da parreira da taberna.
Se tivesse engenho de outra imprevisível sabedoria, bastariam as minhas mãos juntas a reter água para nelas poisares uma boca de sede, e depois, saciada, os olhos nos meus olhos pedindo outro engenho e todo esse calor do corpo cantado nas pautas das cigarras.
Um rato morto, cheirando melhor cheiro que certos juízes e processos em decomposição, foi encontrado no gabinete da presidente da quarta vara do Tribunal da Boa Hora. O bicho adormeceu até morrer aconchegado num cachecol. A sua pele seca «blue velvet» foi analisada com luvas jurídicas CSI. Cinco juízes, cinco, cruzes, credo, tapemos o nariz, chamem a ASAE, apresentaram queixa, tomaram principescamente conta da ocorrência e exigem agora que sejam tomadas medidas com a máxima urgência.
Muitos deles nasceram felizes entre ratos e gatos e foram alimentados à sua semelhança. A outros tantos, a passagem pelas faculdades do direito destorceu-lhes o ego e a recusa das origens e, chegados, poucos, aos calabouços do Centro de Estudos Judiciários, passaram a ratos de jurisprudência ou sacristia.
Mas eis que aparece um rato que não tem classificação de Lineu na sua nova família. Vetustos, lançaram do alto da toga com luva branca o bicho ao ar e aos media, desculpando com ele a inércia do sistema judicial.
O rato voou pelo Tribunal da Boa Hora. Aterrou hirto no teclado de um computador. Era, estou convicto, um rato de trabalhar, acelerar processos, ligado ao hardware. Ninguém lhe pegou. Terá processo sumário e dois ou três gatos a testemunhar a seu favor. O rato não rói processos. O rato-rói-a-rolha-da-garrafa-do-rei-da-rússia, todos sabemos, é o único que lhes é familiar, no bar, nas mesmas sortes de Boris Yeltsin ou Putin, para sistema andando-e-andando, a fresco wodka de fim-de-tarde.
Haverá juízes justos com trabalho somado. Tenho-os na família e na família de amigos. Nada de ego familiar. É o ego deles que não se alterou. Gatos contra outra espécie de ratos. Mas no caso presente, a ASAE que tome conta da ocorrência. Mais processos serão arquivados, culpa do rato.
No «Aqui há Rato» - um bom bar de Coimbra B onde se ouvia Triumvirat do rock alemão progressivo, rato sempre na capa – alguns juízes lá vi na onda da assimilada jurisprudência germânica, álcool em abundância. Processos a andar? A ver vamos. O rato do computador queria trabalho, afago de mão jurídica, morreu porque ninguém lhe mexeu.
E as pulgas? Post-its sobre o teclado com urgências de decisão, merecerão também processo sumário?
E se o bicho fosse uma rata? Delenda est Cartago!
1. O desejo dos campos que me ia dando corda aos pés. Assim vos revejo num arco de volta inteira, duas amigas, duas vidas, sobrepostas num desenho do caminho linear de pedra, quase gasta, sem rasto nem rosto, parecendo uma.
2. O cenário a compor-se na fugidia luz do candeeiro para o céu de Órion, teia tecida e a nossa juventude exposta no musgo dos muros, essa vertigem de ir a que a alma já não damos.
3. A vossa silhueta de mãos nos bolsos onde guardam uma e outra os meus e os vossos segredos, perto da cruz, ali à sombra do cedro e dos dias. Num desses, recomeçaremos todo este caminho logo em baixo, perto do rio, quando soubermos regressar por três quartos de tempo das vidas decididas por cada um.
Na estante, encontro um livro que me entrou na vida em 85, anos apaixonados.
“Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas
janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios
de aparelhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar
da nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor
Em letras enormes do tamanho do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carácter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia
quotidiana…”
Falamos da sua elipse nos nossos olhos, do que nos ocupa a cabeça sem nos deixar pensar em mais nada.
Desaforo, sempre em segredo, até ao fim, até que o seu brilho se esgote e se reordene toda a música e toda a escrita.
Desprendimento, como o seu acento tónico na última sílaba.
Etiquetas: amor
Etiquetas: amor
Etiquetas: amor
Etiquetas: amor
Etiquetas: amor
Etiquetas: amor
Etiquetas: amor
Etiquetas: amor
A exposição «Pianofortíssimo» foi produzida pelo Museu Vostell Malpartida e pela Fondazione Mudima de Milão, instituições detentoras das obras.
A Mostra é composta por 16 pianos, tratados por distintos artistas pertencentes ao Movimento FLUXUS e documentados por uma série de fotografias históricas da autoria de Fabrizio Garghetti.
É no quadro do Movimento FLUXUS que nasceu a ideia de uma Mostra em que os artistas, tendo como base um piano de cauda, recriam um novo universo conceptual.
Em Outubro de 2006, a propósito da comemoração do 30.º aniversário do Museu Vostell Malpartida, é apresentada a exposição.
«Pianofortíssimo» é uma mostra que me chegou ontem ao território. Anda por cá até Setembro. Deixem-se andar aí distraídos e não visitem o SICÓ em Alvaiázere. Só digo isto uma vez.
O meu pai fez hoje 80 anos. Fumou 3vintes, um maço que lembro amarelo da sua juventude do fumo e disse-me ao telefone «mudei o maço para 4vintes!»
Já não fuma. Fumaria ainda se a família e os amigos fossem um vício de fumar. Tem o copo vazio, a sombra do chorão do pátio e a bandeira. Lê aqui à sombra bons livros e na mesa escreve memórias em papel pardo que um dia me serão incontornáveis. Conta-me que já dorme pouco e ouve agora a «tralha da rádio noites inteiras entre o barulho dos camiões que lhe limpam velozes a janela do quarto». É dos que não trata Deus por tu e, sem entusiasmos de missa, vive a vida a contar histórias à pilheira dos Domingos. Domingo lá estaremos na sua homilia, desafinados, a encher-lhe o copo, cantando os parabéns e a ouvir-lhe as palavras, prontos a transportar o seu sorriso para os nossos dias.
O meu avô materno, António de Pádua, (conta a minha mãe de ouvir menina, à mesa dos almoços caseiros) que o pai, sem nadinha a ver com o 13 que aí vem, exclamava no século salazarento a cada aparição, na TV, do dia da raça:
«PORRA! Outra vez o Camões!».
Depois, educado, pensava «foda-se!» e resguardava-se no Guerra Junqueiro, no Eça e no Camilo, anti-clerical, acutilante e romântico, temendo apenas as ordens da mulher, avó Beatriz.
Quis a vida e o mundo que o herdeiro varão e família fossem homenageados, plural magestático, às mãos do Cavaco de 10 de Junho, pelo trabalho de anos à frente da Associação para Recuperação de Cidadãos Inadaptados da Lousã – ARCIL.
Tem um filho nesta casa, lutando pela sua cidadania. O meu primo João António «Jone», nascido por eles na Angola vivida na diáspora (nome que para mim sempre soará a origem Bantu, etnolinguístico Kimbundo, Ganguela ou Nhaneca-Humbe, porque me apetece) é, nos seus condicionalismos, dos mais felizes da família.
Cavaco, metódico, foi ver antes. O Jone fez-lhe, moldando o barro, uma espécie de «quizaca com moamba de ginguba» acompanhada a «pirão», rindo muito. Depois chamou o varão Zé Manuel ao 10 de Junho, sentou Sócrates a bater palmas e entregou-lhe uma condecoração da Pátria reduzida sem a África onde foram felizes.
António de Pádua, ainda indeciso no purgatório, pronunciou finalmente um «foda-se!» em alto estilo – como hoje dizem os seus netos com educada frequência, lendo-lhe os mesmos livros! – e disse outra vez «foda-se!» e «quem me dera poder estar ali com o meu filho, o Sócrates e o Cavaco sem o Camões!».
Talvez por isso e pela primeira vez a RTP não transmitiu a cerimónia na íntegra e quase, quase escondeu a porra do zarolho.
- Vês, avô, o que vale um bom «foda-se!» dito do alto do peito?
DA manda foto e diz:
«Olhamos no chão o que sobe».
D publica e diz:
«Olhamos também no chão o que desce. Sobe e desce à tua velocidade. Tens na linha uma estação afectiva».
Como as flores
que moídas dão perfumes
o teu amor consumido à exaustão
é um espelho partido
um cântaro de água quebrado
de que nos arrogamos depois ao direito dos pedaços
adormecidos nos números do calendário.
Etiquetas: Eduardo Pitta, feira do livro, Vasco Graça Moura
Etiquetas: blogar
Etiquetas: amor, filões, joy division, música
Etiquetas: amor, filões, joy division, música
Imagina que um dia um miúdo de 25 anos acorda, confere os números do totoloto ao balcão do “Paulo Chepa” e tem disponíveis para a vida mais de 500 000 euros. Gasta a volúvel juventude em fichas de mulheres velozes, carros, álcool em abundância, passeia o feltro das mãos em mesas de jogo, distribui uma maquia filantropa pelos irmãos, casa, constrói casa e deposita o resto na compra de um bar. Nada que eu não fizesse, tirando as mesas de jogo.
Mas não estava preparado para a sorte. Homem mal aconselhado, deixou no feltro de mãos terceiras o numeral da única santa que venero: Santa Casa da Misericórdia.
Caiu na vida. Contorceu-se nessas dores de desengano. Recuou tanto no tempo que voltou à infância dos dez dinheiros com que nasceu.
O amigo, Zé para os amigos, ganhou forças e reabriu hoje o Santana Bar com uma nova energia. Afinal, aquela que tinha quando nasceu. Dez dinheiros sem totoloto. Estavam a mulher e a filha e os amigos cúmplices, muitos deles apertados em novo espaço urbano habituados à imensidão do espaço poeirento dos bailes rurais de paróquia. Lá estive ao balcão, contando um rosário de finos que caiam como lágrimas de alegria, a desejar um totoloto, fichas de mulheres velozes, carros, álcool e maquia filantropa para os meus.
Se a sorte da vida me trouxer essa dádiva, correrei quase todos os seus caminhos, menos uma estante para o álcool, mais uma estante para os livros e o meu bar – esse que um dia irei abrir para os cúmplices! - chamar-se-á, desejo antigo, «politikiss».
Porque é que não se constrói o novo aeroporto na cabeça do Mário Lino? O seu espaço disponível não é um deserto, antes um condomínio com área de inteligente testa larga para todos os serviços necessários. Tem pista central, desimpedida, onde o único impacte ambiental ao tráfego é uma meia-dúzia de moscas e mosquitos sem risco de sismos visíveis à falta de cabelo, dualidade política de centrão para aplicação do restaurador Olex, ou preto de cabeleira loura, ou branco de carapinha.
Asseguraria os sindicatos, controlados pela sua formação PCP. A cabeça, ao que lemos, reuniria todas as informações da navegação aérea, PAN-OPS - Procedures for Air Navigation Services and Operations - e espaço suficiente para a torre de controlo e serviços de catering associados.
Os low-coast usariam o espaço das orelhas, (ágeis, entram por uma, saiem por outra como pequenas conversas!), voos ortorrino e ornitológicos de pássara em DN à Graça Moura e a ANA – nossa futura H privatizada – ocuparia os salões do seu farto nariz.
Na boca reservar-se-ia um hangar para os dos passaportes diplomáticos, bar-aberto na língua, PALOP´S como saliva, dependendo o serviço mais ou menos personalizado consoante os espaços já disponíveis na dentadura.
Móbil como és enquanto ministro, teríamos oferta de navegação aérea em todos os lugares a benefício do país, a exemplo, o ministro vai a Miranda do Douro, há aeroporto em Miranda do Douro, mesmo que não fale mirandês. Menos oneroso seria para os portugueses se o ministro passasse a viver, a descanso político, num bairro Bragaparques fechado, ali à Portela. Simbiose, pois, que diz que só nos teus olhos não poderão poisar aviões. Esse nevoeiro OTA que te cerra a vista não o permite.
Zambujal, Mário, À noite logo se vê, Oficina do Livro, edição 2007, Lx.
Toda a gente já muito naturalmente se esqueceu daquilo de o Natal ser quando um homem quiser. Também, quem raio se lembraria disso em pleno fogo de Junho? O céu destes dias é uma fogueira alta. As tardes são alentejos longos. A praia, o campo e o rio são a santíssima trindade da estação corrente. Natal? Espírito solidário? Paz no mundo? O melhor é ir chatear as almas de outra freguesia. Está bem, eu vou.
A minha terra é Coimbra. Coimbra é a cidade sem futebol de primeira. Há por lá muitos estudantes. São mais ou menos um por cada dez garrafas de cerveja. A universidade lá está em cima, alta, altaneira, atrasada, doutoral, salsicheira, caduca. A velha Torre produz mais e mais desempregados com habilitações. Diz-se, porém, que nela andou Camões.
Sou de Coimbra, disse, mas Coimbra não é minha. Coimbra pertence aos barbados que tratam das vereações, das infinitas rotundas, do abate de árvores lindas e antigas. Coimbra pertence aos especuladores da habitação. Comprar casa em Coimbra é quase o mesmo que dar entrada para as águas-furtadas do Taj Mahal. Coimbra também é dos tristes homens-sexuais que bordam a marginal do rio à cata de rapazitos de aluguer. Soberana, catedrática, a cidade vende e compra hot dogs e hamburgers até às seis da manhã. Quando passa, o carro do lixo leva consigo a memória dos adormecidos.
Apesar de tudo, Coimbra é uma aguarela combinada a partir do verde-escuro do Choupal, do azul-faca do Mondego e do ouro-citrino das laranjas da Lapa dos Esteios. Do miradouro do Vale do Inferno, a cidade aparece em clarão postal: linda, humana, intemporal.
Faltam seis meses para o Natal, eu sei. Mas por causa do calor ou da melancolia física que o calor traz, lembrei-me de dar o presente deste beijo ácido à minha terra.
Sou de Coimbra, essa estranha terra adormecida à sombra da Torre da Universidade. Chamavam-lha a Lusa Atenas. Para muitos, é lusa, apenas. Lá, a cultura é quase sempre uma coisa de doutores. Lá, raros são os doutores com alguma cultura. A coisa dá mais para rotundas, abate de árvores, parques de estacionamento, capas e batinas, tapas e latrinas. Tenho pena, mas é verdade.
Apesar de tudo, gosto da minha cidade. Tem ruas bonitas e tristes. Há lá uma qualidade do entardecer só legível por quem lá respirou o ar de raparigas fluviais, o ar de laranjas boiando nas antigas cheias do Bolão, o ar das ciganas com um rancho de filhos a caminho da mata. Coimbra ainda é a cidade onde o meu pai e a minha mãe encetaram uma linhagem de pesquisadores de um ouro que talvez não haja.
Os astrónomos datam as bissectrizes dos ventos, somam anos-luz nas luzes das estrelas que chegam mortas como nados canto-do-cisne. Consigo ainda ver essas estrelas que me ensinaram quando na noite tinha tempo e os teus olhos para essas coisas.
Os políticos datam-se em agenda, efémera mas decisiva, como penteados de ancinhos formando paveias de agulhas de palavras. Agora, dizem, iniciativa e empreendedorismo.
Os emigrantes datam-se nas casas que edificaram, soberbas para eles, misericórdia e espanto para quem ficou e edificou os antigos mundos, os nossos que permaneceram.
Os escritores datam o tempo nas suas personagens. Voam o mundo. Matizam desejos. Por eles são o que querem ser que deles já sabemos.
Datado ficou o beijo que te deixei à sombra, debaixo da acácia. Caminhei contigo sem que o sentisses. Vem a terreiro. Procura-o. Disso sei eu da arte de procurar. Datar urgências. Saberias tu se trouxesses a velha mochila às costas, olhos abertos, cúmplices, pelo acreditar dos dias. O mundo e a vida datarão o peso dessa energia.
O lançamento esta noite, em Coimbra, do livro «Doze Naus» de Manuel Alegre, aqui à livraria Almedina.
"Na poesia de Manuel Alegre -- e não apenas naquela que obviamente imprimiu aos seus poemas a sua aura inicial -- existe uma consciência profunda do tempo trágico que a título pessoal ou colectivo lhe foi dado viver (...) Porventura o mais dilacerado canto a um país impossível, a um destino colectivamente frustrado e idealmente exemplar, num momento em que o sentido da sua aventura vacila e se perfila diante de muitos portugueses como nebuloso ou mesmo inviável. "
SAGRES
Nau de Sagres nau de pedra nau abstracta
Só ela diz ainda a rota exacta.
De vaga em vaga a alma não sossega
Só em Sagres ainda se navega.