há dias os meus filhos foram a Serralves, com a escola, participar numas oficinas. mas chegaram a casa a falar de arte: tinham visto umas coisas de um artista muito importante, uma banheira sem buraco com um garrafão dentro, "porque antigamente as banheiras não tinham buraco e tinham de se esvaziar assim", explicaram. tentei perceber melhor o que tinham andado a ver, seria pintura? escultura? que não: "era arte", de "um grande artista, pela primeira vez em Portugal", apregoavam. havia também uns caixotes. e a banheira, descreviam-me outra vez a banheira.
calhou no domingo voltarmos Serralves e enquanto esperávamos lugar no restaurante, lá fomos visitar a exposição: a banheira recebia-nos imponente à entrada. era engraçada, de facto, com um fundo de água e um garrafão de vidro a boiar, preso a um molho de palha uns metros mais acima. mas o que se lhe seguiu, disperso por uma boa meia dúzia de salas e alguns corredores do museu, foi de me abismar: caixotes de cartão, uns bocados de corda, uma outra pedra, um ou outro pneu, algum ferro velho e vários panos de diferentes cores cozidos.
coisas. e algum lixo. nem bonito, nem raro, nem difícil, nem revelador. coisas. lixo. arte contemporânea? alguém me ajuda a compreender?
Tragam lá a vossa esperança de Pedro e os olhos de Inês. Cheguem com a simplicidade possível de quem vai a um primeiro encontro de amor como nas fitas americanas. A linha garante as mínimas condições: tempo para o tempo, vinho, mesa posta, uma escolha criteriosa de rostos bonitos com histórias de encantar, um perfume dentro de um frasco pequeno, que se soltará, se no fim dissermos que nos iremos encontrar mais vezes e ficarmos mais dependentes uns dos outros.
Data: 19 JAN 2008 Concentração: Coimbra B (12:00 horas no bar da estação) Trazer: todos os vícios disponíveis e um lenço para embrulhar as recordações Inscrições: até 31 de Dezembro à meia-noite
Preço: indicar máximo $$$ disponível para o almoço por cabeça própria
Declino assim o olhar Fecho a porta na linha negra Com suprema elegância, não consinto Bela na recusa O olhar é uma dádiva, uma generosidade, uma entrega Recuso, com atitude
Trafegar o fim de tarde no dorso da serra. Viagem onde o desejo sobe sereno ao peito, medindo o dia vivido. O tempo sem tempo não medido na vontade do rebanho. Pára e escuta, sim, sente-se cada batida do coração. Cada pata é uma tecla de piano. Cada não ao movimento é um riso ao tráfego do mundo urbano.
segunda-feira, novembro 26, 2007
Com alto patrocínio de….
Inicio a semana, bem disposta, a agradecer aos meus patrocinadores:
Taberna do Marreta, mesmo ali escondida entre o casario branco das insuspeitas ruas de Birre, Cascais. Um café forte e bem tirado. Como poucos na zona. Uma amabilidade sem fim do Sr. Zé. Com a vantagem acrescida de parar o carro à porta, deixa-lo destrancado e ir tomar café só com a moeda e o cigarro na mão. Até com chuva a solução é eficaz. Varia a clientela consoante a hora. Á hora matinal que agora apareço sempre, mesmo que o caminho não se faça por ali, encontro muitas mulheres que trabalham em casa de outras mulheres e que delas falam desempoeiradamente. Ouço. Despeço-me, invariavelmente, até amanhã e faço-me à A5.
Arcade Fire Funeral. Ofereceram-me este cd e tem sido uma revelação várias vezes revisitada. O encanto ainda consegue ter duração superior ao tempo de desespero da A5. Só por isso, merecia referência. Mas por muito mais que isso, tem direito a agradecimento.
A não perder: SCOPE, a última coreografia de Rui Horta.
Eu, que ás vezes tenho necessidade de desviar as horas, comprei atempadamente o bilhete para o bailado. Ainda não chovia. Agradou-me a hora: 19h de sexta. Ontem lá fui, esbaforida para chegar a horas ao CCB, depois de deixar a vida organizada para a ausência.
Fui completamente surpreendida, genialmente arrebatada, violentamente assombrada.
E eu, que não sou dada a dissertações e análises dos fascínios dou comigo como muda a querer dizer quanto é violenta, dura e fascinante esta última coreografia do Rui Horta. Surpreendentemente. Conceptualmente genial. Violenta e dura. Bonita. Sensual. Arrepiante.
Até amanhã no CCB mas com os bilhetes já esgotados.
Não percam, não percam se a encontrarem aí, de novo, pelo mundo. SCOPE.
Desse frio onde crescemos, cúmplices, caldo de cultura como certos animais invernando a idade adulta, acrescenta o gelo e o frio da imprevisibilidade de uma noite no Triângulo ao Minho, os espaços brancos entre palavras das cartas que nos fizeram vida, todo o Caima a amanhecer líquido nas costas, na frecha da Mizarela, o fio-de-água do Soajo, o nevoeiro imposto em Vilarinho das Furnas, cada momento em que tropeçámos fronteira e o frio do aço que gela a linha, empurrando-nos para voltar aos caminhos de antes. Esperemos o frio da Mónica. Até corta!
quinta-feira, novembro 22, 2007
A memória do frio
Ao contrário do calor, o frio diferencia-se e deixa memória. Há calores incómodos, mais ou menos agradáveis, mas no entanto indistintos. Do frio, consigo lembrar frios belos.
O frio das caminhadas na Serra da Estrela. O frio misturado de assombro e asfalto da estrada, de uivos indistintos de cães e sombras de luar, de confidências e conversas sussurradas, de hipóteses de amor ou dor… andar a pé noite dentro, até amanhecer na Torre, com o frio a gear na bermas das estradas. Frio intenso de felicidade e arrepio.
O frio das férias de Dezembro. A casa grande das Preces, a água fria dos banhos, as conversas no autocarro de carreira que pernoitava junto ao santuário e onde nos escondíamos para conversas de apreender a vida e tentar o amor … o frio do caminho até à Aldeia das Dez, feito devagar, para chegar ao café e telefonar para casa. O frio das saídas solitárias até ao coreto para chorar o nó do que dói, porque crescer não é mais do que doer em dores diferentes. Os outros Dezembros, também frios, no chão da casa de Tábuas, Miranda do Corvo. Dormíamos todos no chão, juntos no jeito de não perder o calor que os corpos e a cumplicidade exalam pelas frinchas do soalho. Tão frio o frio, que bastava guardar (o David!) atrás da portada da janela da capela para que a Macieira e o gin se mantivessem prontos a consumir no queimar das noites em que até a voz falhava o eco na serra. Como tocavam os dedos na viola, não sei hoje… mas tocavam e creio que alguns o tentaram de luvas calçadas. As páginas do “Livro em Branco” do Eugénio de Andrade estão colados a esses dias, com cheiro a laranjeira sem saber porquê. Acho que nunca mais encontrei um frio que me trouxesse Eugénio pousado nas mãos.
O frio do primeiro comboio da manhã que me levava, pela linha do Minho, até ao Porto e depois do rio, até Francelos. O mar na espera do acordar dos amigos. O mar azulmente frio.
O frio do retorno das passagens de ano na Galiza. Só mulheres num carro vermelho. Parar em Vila Praia de Âncora e procurar a padaria para a primeira fornada de pão.
O frio de acordar cedo para partir em viagem. Estremunhado e amarrotado frio, esse arrancado da cama. Um frio com mistura de sono, expectativa e entusiasmo. Desenhar com o dedo no orvalho do vidro enquanto o carro aquece em início de rodagem. O frio de partir como que a fugir do lugar. As casas e as ruas vazias dentro das horas madrugadoras. As viagens de família coladas ao frio das manhãs de partir.
O frio dos lençóis brancos da cama da casa da avó nas noites de inverno. O colchão de folhelho, a botija de água quente para os pés, o corpo a aquecer o espaço mínimo de caber na cama de lençóis brancos e o arrepio de um pouco ao lado se gelar. O frio de Viana é frio de ir ao osso e é para mim, único. Havia depois o frio da botija quando, pela manhã, nelas pousávamos os pés incautos.
O que me ficará na memória deste frio, que ainda não aconteceu ?
Vital Moreira hoje (no Público, só disponível para assinantes) a chamar as coisas pelos seus nomes e a aliviar-me um nadinha a sensação de impotência que tenho por ser obrigada a pertencer a uma corporação com cujas posições não me identifico a maioria das vezes.
essa corporação tem-se esquecido de reformular um código deontológico com mais de vinte anos que, entre outras atrocidades, considera infracções gestos que para muitos membros (e para a lei portuguesa) são cuidados de saúde. não só se tem feito de esquecida, como agora se indigna como uma virgem pelo facto do ministro da saúde ter sugerido que estava na hora da revisão (aliás reclamada por muitos membros).
Vital Moreira informa-nos: "A Ordem dos Médicos não é uma associação privada e voluntária de médicos, mas sim, tal como todas as corporações profissionais públicas, uma instituição oficial, criada pelo Estado, de inscrição obrigatória para o exercício da profissão, com jurisdição universal sobre todos os médicos, dotada de poderes públicos, incluindo o poder regulamentar e o poder disciplinar. Como todas as demais entidades públicas, as ordens profissionais só têm os poderes que lhes sejam conferidos por lei. O seu poder normativo, que deriva da lei, está sujeito à lei e não pode contrariar a lei."
(há dias ouvi na TV um linguista defender que o português se devia ir actualizando no sentido de se tornar mais simples e mais facilmente apreendido por estrangeiros. se é isso que se pretende, então eu sugiro: falem com as crianças)
sentir as correntes da teia antiquíssima que é o mundo. tecer o meu lugar nela: um fio que se desenrola da alma, saliva que envolve e revela - sobre fios que outros teceram e me envolveram e me revelaram. rede sem princípio nem fim.
por vezes soltam-se bocados de mim, despenham-se nos dias, estilhaçam-se. varrer os pedaços. lamber as cicatrizes, cozer os remendos. mais fios de saliva. linhas retesadas. correntes. laços. alma.
Tinha um canário dois gatos um cão de loiça e um papagaio.
Ao primeiro mudava a água e assobiava. Aos gatos dizia «fichhttt» entre os lábios, batendo-lhes o pé de seguida. Limpava o cão todos os fins-de-tarde com um pano de camurça. Ao papagaio dizia: «gostava de ter um coração de estimação!» e o papagaio voava do poleiro até ao último centímetro da corrente e repetia «coração».
Estou a mudar a luz em mim, a esquinar o tempo. São mais pequenas as sombras das palavras na folha, porque a mão se projecta para dentro da parede fria.
Fazer o inverno é começar a dormir num quarto cinzento. Acender velas que iluminam as sombras na parede, pousar a alma no frio dos lençóis e entristecer de tanto cinzento. Ouvir chuva, ás vezes. É tempo de interior de casas, interior de desejos, interior de tristezas. É tempo de ouvir o mar batido, assustador e tenebroso, mesmo que o não consigamos antever do quarto cinzento dada a profusão de cinzentos.
Estou a mudar a luz em mim, a acinzentar o quarto.
Sento-me na cadeira que dança, que cospe um parafuso tempos a tempos, tal a quebrança da minha desossada vida. Enrosco o tempo como enrosco a ida. O sentido nos ponteiros do relógio. O mundo que avança. O mudo que fica.
Por vezes há bonança. A chave que serve na fechadura. As rotações acertando-se para a limpidez das vozes que queria ouvir, tal a urgência. O sentido no humor, as boas apostas que faço na aragem das notícias que chegam, sabedoria de que tudo se areja e rarefaz no movimento de uma nora, esse vertiginoso pêndulo da espera que demora.
1. Acredito que esta linha é feita de peças de Lego. 2. Porque foram felizes as nossas descuidadas infâncias. 3. Porque foi uma sorte conhecermo-nos. 4. Porque é uma felicidade continuar na linha e, em algumas das palavras, o gozo das nossas errâncias. 5. Assim chegaremos a cada nova estação! 6. Sangue novo, oxigénio que consumimos no teu coração.
Caminho de areias finas como são agora os meus mais simples desejos. Ano louco, ando louco com Novembro cheio de luz. - Imagina que ainda hoje por aqui me cruzei com os teus pés.
Chegou sem anunciar perto da noite, sexta. A morte. Deixou-se ficar a aquecer nos últimos raios de um verão, que também ele, já deveria ter morrido em Novembro. Deixou-se um pouquinho mais, depois da rua estreita no largo de Lisboa antiga, para dizer adeus ao rio. Cremado o corpo, será lançado ao vento lá para o sul do mundo, já ali depois do rio.
Morrer um pai deve ser como arrancar a raiz da terra. Um buraco. Uma negritude infinita. Um futuro com um vazio desenhado.
A morte comove-me.
Para o ML
Chegou sem anunciar perto da noite, sexta. O fim. Não houve lugar para pousa-lo senão na tristeza que resta sempre que o amor acaba. Sempre que o amor não se confirma. Sempre que o romance se desmente.
Perder um amor é acreditar com vazio no futuro. Difere da morte porque não há vento e o desenho do vazio se apaga um dia. É uma morte com hipóteses.
Começo por referir que faliu recentemente uma grande empresa de camionagem, chamada Jaime Dias. Tinha um slogan que lembro de menino, quando era pequeno e os camiões grandes: «O mundo gira, Jaime Dias rodam!».
A recente classificação das instituições de ensino, avaliados resultados e discutida aqui, na linha, a competitividade público/privado, fez-me trazer-vos, para que vejam, a ovelha negra dessa família. Colégio Cidade Roda, o pior classificado. É vizinho. Lido com as suas vísceras todos os dias.
Os docentes passam a vida no café Roda do Paulo Chepa, queixam-se ninguém sabe de quê – presumo que nem os próprios! – porque os ouvimos sempre a falar alto, estigma de professores entre copos de água, cafés e demasiados cigarros. Os discentes fazem do café a sua cantina, ao almoço confundem-se com os docentes, entre comida de plástico e bebidas gasosas para futuras diabruras do estômago, entretendo-se ao fim-de-tarde no jogo das setas, matraquilhos, bilhar à espera da camioneta, lixando o orçamento familiar.
O Colégio é na rua de cima. O café é no largo, frequento, é o nosso bar mais próximo, tirando as jornadas na Ti Gracinda, coisa mais gastronómica de prazeres antigos.
Brincamos agora com o Paulo Chepa que a culpa da classificação é dele, coisas da sua má alimentação. Premiado o colégio como o Íbis no futebol brasileiro, deparo-me com um cartaz a convocar o 2º encontro dos antigos alunos para um jantar no «truck stop». Custa 13 valores, coisa que pelo demérito publicado será para eles um excesso ou devaneio, uma vez sem exemplo.
Pronto, divertem-se! Ignoram a classificação. Como fecham lares de 3ª idade por falta de condições, deveria haver no ensino um ranking como no futebol... descer de divisão, que no ensino, traduzir-se-ia em simplesmente «fechar para balanço!»
Enquanto fechado, alinhando pelo nome de baptismo do restaurante e com tantos acidentes no país, ao menos que os discentes se transformem em grandes camionistas e relancem a Jaime Dias.
um post sublime, um post do Mal. a lembrar-me que desde muito pequena me senti do lado da minoria. a minha equipa era sempre a última nas gincanas da catequese e os meus favoritos perdiam sempre no concurso da Cornélia; aos 8 anos, o partido dos meus pais perdeu nas primeiras legislativas (eu soube-o sempre e temia por eles no seu entusiasmo da campanha); no ciclo preparatório cheguei a ir uns campeonatos de atletismo de iniciados onde, claro, fui invisível; assustavam-me as multidões, os coros e o poder.
a vida concedeu-me algumas medalhas, alguns momentos de "dinâmica do vencedor", é verdade, mas de certo modo é como se elas fossem a excepção, o equívoco do destino, confirmando, mais cedo ou mais tarde, o meu lugar do outro lado da corrente.
fui hoje forma(ta)da para aquela que, pelos vistos, é considerada "uma das medidas mais emblemáticas" do programa Simplex: a marcação (a partir do Centro de Saúde) de 1ªs consultas hospitalares por via electrónica. saudando, evidentemente, o princípio da ideia (informatizar, informatizar, informatizar), que permitirá curar muitas maleitas de que padece o actual sistema (de cartinhas para cá e para lá), além de permitir, por exemplo, que um dia se possa saber, afinal, quantos pacientes esperam há quanto tempo por cada consulta hospitalar,
saudando, evidentemente, a ideia, fico abismada e incrédula
(e a bradar aos céus)
por, para a referida marcação electrónica, o Ministério da Saúde ter adquirido uma aplicação informática nova, diferente da usada no meu dia-a-dia para todas as restantes tarefas da consulta (e que até já continha parte das tarefas agora propostas).
assim: quando esta "emblemática" medida de simplificação entrar em vigor eu vou trabalhar com 2 aplicações em simultâneo. numa tenho uma agenda, faço registos clínicos, arquivo o historial dos pacientes, emito receitas e credenciais várias e uso um sem fim de instrumentos úteis à consulta. noutra, peço consultas hospitalares: abro uma nova e sofisticada aplicação onde os necessários dados clínicos do paciente terão de ser inseridos de novo (digitando-os ou fazendo todos os copy-paste necessários). simplicíssimo, não? (é que deve ser mesmo muito difícil introduzir mais essa função na aplicação anterior)
não, ainda não me acredito. e não, não é asneira própria deste ou daquele governo. isto só pode estar inscrito (em papel azul e devidamente carimbado) no DNA lusitano.
há dias que parecem jornadas por campos minados: o mundo em ruínas de um homem que chora; a cegueira de outro que procura uma mulher perdida; a dor lenta de crianças abandonadas que não é possível resgatar; a miséria de um velho que ainda é pai de um homem louco.
sobrevivo aos impactos como a pequenos abanões, só uma ou outra sacudidela mais violenta - sigo blindada na minha felicidade, na minha segurança -. só quando tiro a bata é que o sinto: venho moída. pisada. exausta.
O Sr. Presidente do Município de Santa Comba Dão quer um museu Salazar. A União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP) lança petição contra essa motivação. João Lourenço pensa a memória dos santa-combenses, fundamentado na distância do tempo em que começa o facto histórico, devendo ser preservada em, por exemplo, caixilhos de fotografias e todos os discursos em caixinhas de veludo.
A URAP resiste. Tem outra memória. Exumará corpos, se preciso for, para exibir 48 anos de assassínios e outros desenlaces sanguíneos.
Chamem o Calatrava, o Frank Gehry, o Sisa, patrocinem-se na Fundação Guggenheim, que eu ofereço o esboço do projecto:
- uma grande casa de banho pública dos tempos da ditadura!
À esquerda, onde se situaria o mictório masculino, uma entrada de três portas de carvalho, umas abrindo sobre as outras sem Otelo, apenas a evocação da resistência. Espaço amplo com paredes de cal e chão de madeira. No ambiente, música do Zeca e, na parede do fundo, uma fila de urinóis correspondente às siglas dos partidos candidatos às eleições legislativas de 75. Mijar da esquerda à direita, haja impulso mictório para isso.
À direita, onde se situaria o mictório feminino, uma única porta, porta do Estado Novo feita de tola, abrindo para um crucifixo, madeira leve mas dura levitando a história, tola de inteligência. Espaço acanhado com paredes de adobe e chão de carpetes de sisal sobre placas de mármore. No ambiente, música do Pe. Borga e, na parede do fundo, uma pia de água benta correspondente à União Nacional. Benzer da esquerda à direita, haja mãos fora das luvas, sem frieiras, para a beatificação.
Que não puder entrar,
é porque não têm vontade de mijar ou de rezar.
Ou porque não têm dinheiro para o bilhete,
ao preço a que nos estão a pôr a cidadania em Portugal!
Na picada com Joaquim Furtado. A GUERRA que a RTP nos tem trazido de forma tão séria. Acompanho. Hoje Nambuangongo. Visto do Google Earth é uma mancha. Visto da história…
Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente A maneira mais triste de se estar contente a de estar mais sozinho em meio de mais gente de mais tarde saber alguma coisa antecipadamente Emotiva atitude de quem age friamente inalterável forma de se ser sempre diferente maneira mais complexa de viver mais simplesmente de ser-se o mesmo sempre e ser surpreendente de estar num sítio tanto mais se mais ausente e mais ausente estar se mais presente de mais perto se estar se mais distante de sentir mais o frio em tempo quente O modo mais saudável de se estar doente de se ser verdadeiro e revelar-se que se mente de mentir muito verdadeiramente de dizer a verdade falsamente de se mostrar profundo superficialmente de ser-se o mais real sendo aparente de menos agredir mais agressivamente de ser-se singular se mais corrente e mais contraditório quanto mais coerente A via enviesada para ir-se em frente a treda actuação de quem actua lealmente e é tão impassível como comovente O modo mais precário de ser mais permanente de tentar tanto mais quanto menos se tente de ser pacífico e ao mesmo tempo combatente de estar mais no passado se mais no presente de não se ter ninguém e ter em cada homem um parente de se ser tão insensível como quem mais sente de melhor se curvar se altivamente de perder a cabeça mas serenamente de tudo perdoar e todos justiçar dente por dente de tanto desistir e de ser tão constante de articular melhor sendo menos fluente e fazer maior mal quando se está mais inocente É sobre aspecto frágil revelar-se resistente É para interessar-se ser indiferente Quando helena recusa é que consente se tão pouco perdoa é por ser indulgente baixa os olhos se quer ser insolente Ninguém é tão inconscientemente consciente tão inconsequentemente consequente Se em tantos dons abunda é por ser indigente e só convence assim por não ser muito convincente e melhor fundamenta o mais insubsistente Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente O mar a terra o fumo a pedra simultaneamente
Decidimos assinar nome próprio, agora David, agora Helena, agora Mónica, agora disponível nos caracteres toda a nossa impressão digital. Habituem-se. Sei que somos, perfumes de anos, todos diferentes, triângulo escaleno, mas os seus ângulos, por vezes inadvertidamente isósceles, desenham pelo menos duas linhas de concordância, fique por momento o vértice acanhado, aqui e ali apenas angular pela opinião expressa dos outros dois. Não era atitude maçónica, era protecção apenas, tão visceral que nunca admitimos comentários anónimos. Protecção também, não tanto nossa, mas todo o trabalho que daria a responder a balas que não se querem dar a conhecer. Nesse jogo não entramos. Quem nos visita tem que assumir «blogger» pré-comprado livre para a linha e, a esses, dada a nossa descuidada filantropia, qualquer dia até aqui revelamos os nossos apelidos e as fotografias dos nossos amores. Aos anónimos não fazemos favores.
Saúdo a transferência do “ Respirar o Mesmo Ar” para as nossas Estações Afectivas. Porque há muito que o é. Porque há muito que o carril desvia por ali e se acolhe e se abriga para depois continuar viagem, o comboio. E eu. E nós, quase certa.
Saúdo também a transferência do “ Dos Livros e Outras Histórias” para as Estações Afectivas. Só agora realizei que é o blog da nossa Rita, a doce Rita.
Misturar o fazer café com o ensinar a por travessões nos diálogos escritos, tudo ao mesmo tempo, com a janela aberta e Novembro a entrar. Mais uns copos na máquina, do último vinho da última noite do último escuro e ensinar a linguagem escrita a quem, pequeno, no canto da mesa grande a tenta a lápis de carvão.
Falar de escrever ou de contas em pé e cheirar a café forte ou a rosmaninho, bem pertinho nos cantos da casa, ajeitar os pregos para por na parede e responder às dúvidas da ciência, tem tudo a mesma importância. Esta de haver uma ordem gostosa para as coisas misturadas.
Esta desorganização de assuntos simultâneos parece-me a imagem feliz da vida. Hoje pareceu-me. Sábado a começar a tarde, cheia de luz a casa. Um vagar sereno que me basta para sentir plena e de alma arrumada, porque tudo o mais na ordem desse vagar pode ser aleatório. Já agora… com um café forte e um cigarro lento.
pois dá trabalho. ter os filhos numa escola pública pode dar imenso trabalho: um trabalho hercúleo, raiando a escravatura, que se estende a todos os membros da família (incluindo trabalho infantil) e que, como cá em casa, não é garante de resultados positivos.
andei uns anos nesse trabalho, cheia de certezas e de opiniões sobre quem optava pela demissão e se rendia à facilidade do privado. depois, um dia, percebi que, na minha cruzada privada pelo ensino público (que levava anos e não conhecia ainda esperança de fim), não tinha o direito de privar os meus filhos do seu curto presente. percebi isso e mudei, é preciso saber desistir a tempo de viver.
agora temos na mesma trabalho: o trabalho de ser feliz, de crescer todos os dias, de ter um projecto, de cuidar, em conjunto com quem de nós cuida, de recompensar e ser recompensado. agora os meus filhos andam num "colégio com alma". e ter uma alma também dá muito trabalho, outro trabalho.
Teimaste, teimaste, que querias lareira, não te importando que fosse num resguardado rés-do-chão. Ainda te cheguei o cobertor, sabendo que pelo chão vives, sempre cúmplice das sombras.
Este já penoso sol contraria a lareira em que vais insistindo, acesa como todos os meus desejos, paveia a paveia para arder e dar luz aos copos, dois, o meu e o teu sobre a mesa.
Até te esqueceste das nozes prometidas. Queres que fique! Sem varanda onde é que penduro p’ra secar a roupa que à lareira me prometeste comprar?
a pólvora
olha, descobriram agora o faz-de-conta que é a existência de listas de espera infinitas para algumas especialidades. escandalizam-se com 90000 à espera de uma consulta de Oftalmologia e esquecem-se de dizer que a esses 90000 havia que somar todos aqueles que todos os dias os médicos de família não enviam à consulta hospitalar por saberem que simplesmente não há resposta.
Oftalmologia, como a Estomatologia, é um cancro nacional. depois há tumores mais ou menos localizados: Dermatologia, por exemplo, no concelho em que trabalho simplesmente não há (mais uns quantos que todos os dias não vão engrossar o amazonas que é também esta lista de espera). outras especialidades fingem que existem, mas depois levam mais de um ano a marcar uma consulta: Cardiologia, Imunoalergologia, etc.
depois dizem que em Reumatologia a espera é mínima: falta dizer que como só há consultas desta especialidade em 3 ou 4 hospitais do país, a maioria dos doentes deste foro nunca é encaminhada.
mas não há razões para alarme. segundo a Dra. Carmo Pignatelli (notícias de hoje na TV), os números não são exactos: alguns hospitais nem sequer responderam (presumimos que aqueles com diminutas listas...); alguns doentes já terão tratado da saúde na medicina privada; outros ainda, até já morreram, enquanto esperavam. não há quaisquer razões para alarme, portanto.
Diz o semanário Sol que cientistas descobriram o animal mais velho do mundo. Parece que é uma amêijoa de Quahog, das águas geladas do Árctico, contando com 405 anéis de crescimento na sua concha. Ando mesmo desactualizado, ou ignorante. Eu que pensava que o bicho mais antigo do mundo era o Fidel Castro.
Sou tão enthusiasta pelos caminhos de ferro, que, se fosse possível, obrigava todo o paíz a viajar de comboio durante 6 meses (Fontes Pereira de Mello)