sexta-feira, janeiro 30, 2009

respirar atlântico


Estive estes dois dias nos Açores. Ponta Delgada a gelar. A chuva e o nevoeiro a agarrar-se à pedra de vulcão e a esconder o fim do mar. Eu tinha levado um livro escolhido a preceito, “ Confundir a cidade com o mar” do Richard Zimler, na certeza da luz doce do sol e de uma esplanada virada ao atlântico. Mas a chuva e o frio assolou a ilha e depois das lapas grelhadas no “Rapaotacho”, de comprar a pimenta da terra e o pão de lêvedo encomendado, recolhi ao hotel em tarde invernosa no meio do oceano.

As ilhas tem um respirar próprio, quase salgado. Tem um segredo de tranquilidade, qualquer. Conseguem ser espaços confinadamente ilimitados.

Mas gelou até ao granizo, o nevoeiro escondeu os montes verdejantes, os pés gelaram até ao osso e eu trouxe um pacote de tabaco Além Mar para agora poder fumar as ilhas no continente. Com o mesmo inverno antigo.

quarta-feira, janeiro 28, 2009

O Eixo do Bem


Ouvi hoje a correr que Barack Obama, depois das decisões sobre Guantánamo, decidiu sentar-se à mesa com Mahmoud Ahmadinejad, líder do Irão, num acto gracioso de entendimento político sobre o futuro das duas nações. Lembra-me a fábula do lobo e do cordeiro. Quem é agora o lobo? Quem é agora o cordeiro?


Na água limpa de um regato, matava a sede um cordeiro, quando, saindo do mato, veio um lobo carniceiro.
Tinha a barriga vazia, não comera o dia inteiro.
- Como tu ousas sujar a água que estou bebendo? - rosnou o Lobo a antegozar o almoço.
- Fica sabendo que caro vais me pagar!
- Senhor - falou o Cordeiro - encareço à Vossa Alteza que me desculpeis, mas acho que vos enganais: bebendo, quase dez braças abaixo de vós, nesta correnteza, não posso sujar-vos a água.
- Não importa. Guardo mágoa de ti, que ano passado, me destrataste, fingido!
- Mas eu nem tinha nascido.
- Pois então foi teu irmão.
- Não tenho irmão, Excelência.
- Chega de argumentação. Estou perdendo a paciência!
- Não vos zangueis, desculpai!
- Não foi teu irmão? Foi o teu pai ou senão foi teu avô, disse o Lobo carniceiro e o Cordeiro devorou.

Onde a lei não existe, ao que parece, a razão do mais forte prevalece.



terça-feira, janeiro 27, 2009

À bolina

O que é que te faz falta?

Falta-me um mapa.
E a tua cara por lavar, sonolenta de partir.
E um carro mesmo velho.
E tempo. Sobretudo tempo.
Andei para aqui a juntar dinheiro em troca disso!

sábado, janeiro 24, 2009

sábado à noite


vida de cão


Para o Filipe O

Depois de ter estado internada no Natal, gastrite forte e violenta que levou a veterinária a avisar-nos para que preparassemos as crianças para o pior, a cadela resistiu e veio para casa, frágil e pequena.
Tem crescido muito, está gordinha e brincalhona. Roí o chão todo da nossa vida, desde os livros da última prateleira da estante até aos sapatos que, inadvertidamente, encontra.
Adora ouvir tocar a campainha de casa e é a primeira a receber, sentada junto à porta. Sauda um a um, os da casa, quando acordam de manhã e estremunhados vem até à sala ou quando chegamos pela tarde a casa, depois da escola ou do trabalho. Dá muito ao rabo, lambidelas e trincadelas no pijama. É companheira, já se sente Peninha, e não gosta nada de vento na cara. Adora muita gente em casa, como acontece com frequência, e ficou estafada de brincadeira no dia de aniversário da T. Também ressona. Ainda não vai á rua mas em casa, não sabe andar de trela. Fica à espera que a empurremos pelo chão escorregadio.
Mas tem um jeito tão meigo de nos olhar, que compensa a vida de cão a que, ás vezes, nos obriga. Até eu, já escrevo textos de cão.
Disse-me á pouco, antes da soneca, que vos espera no sul.

sexta-feira, janeiro 23, 2009

Comboio 44 Obama

Comboio 44 para Washington.
Seguiu na máquina a partir de Philadelphia com o velho carvão do meu avô a soprar desejos futuros. Tomou as posses sem grandes poses. Nos carris do aço de Licoln e ao bater do coração de Luther King, lá seguiu rumo aos desejos futuros. Tem compromissos como nós temos os nossos. Cada um exige de si mesmo a sua medida. Mas de comboio, acreditem, andamos sempre descontraídos e, ainda presumo, alegres e decisivos.

quinta-feira, janeiro 22, 2009

hoje...


quarta-feira, janeiro 21, 2009

mar de inverno


Este é o mar da minha estrada. Este é o mar do inverno de hoje. Hoje é o dia da T. 9 anos e a felicidade feita de coisas pequenas: almoçar em casa com alguns amigos, trazer a turma toda para casa ao fim da tarde, desarrumar o quarto todo e brincar aos polícias e ladrões, na rua, enquanto a escuridão não se faz frio. Hoje foi dia de cumprir estas pequenas felicidades e entre elas, fiz a estrada. Inúmeras vezes a estrada. Esta estrada de mar.

terça-feira, janeiro 20, 2009

FENPROF

Aguentem os meus amigos professores, mas começo a estar farto desta guerrilha e da esfinge de Mário Nogueira. Capitalizar na rua teve o seu auge e a Ministra não caiu. O corporativismo nem sempre é eficaz e, continuar mais do mesmo, é vulgarizar o método. Tantos outros sectores com tantas queixas sem exposição mediática. Há quanto tempo o Mário Nogueira não vende uma aula? Há quanto tempo o Mário Nogueira é uma melga treinada para as luzes? Estamos em ano de eleições. Aí, na urna, é que é o lugar certo, diz a democracia. Cada vez que a FENPROF convoca manifestações já repararam que chove? Deus castiga os professores ou ajuda os agricultores? Do que eu tenho mesmo receio e com tanta exposição, é que o Mário Nogueira ainda me caia de algum telejornal da hora de almoço na sopa.

quarta-feira, janeiro 14, 2009

Agenda 2009

Que inveja viva dessa vossa «ordem vulgar dos dias», que sei não é vulgar nem o é todos os dias. Como disse a Carla de Elsinore, também não tenho uma das fatias desse delicioso bolo, tenho folhas de um bolo folhado, todas as folhas da agenda de Janeiro, recheio de tarefas para cumprir.

Nem sei se nevou em Lisboa ou no Algarve, desejo sempre mediático dos média tocados a centralismo, como se o tempo obedecesse ao directório instalado no Terreiro do Paço.

O tempo ainda cumpre o país. Para o bem e para o mal, nevou onde tinha de nevar, onde ela gosta de poisar.

Um dia destes, acreditem, (eu quase acredito!) vou descansar, que é ter algum tempo também para um copo com o vosso olhar.

Mas ainda não nevou na minha agenda. Diz outro directório que tenho de continuar.

terça-feira, janeiro 13, 2009

auto-retrato em dia de inverno


domingo, janeiro 11, 2009

a ordem vulgar dos dias...




Sou apreciadora de ordem e de alguma desordem. Mas nenhuma ordem, agora, me fascina mais do que a ordem dos dias vulgares, a sequência dos afazeres pequenos que acompanham a luz do dia e a quietude de fazer a ordem da casa, da família, da vida. Gastar um dia a fazer as coisas pequenas que faltam, a ligar os pontos e o tempo das crianças, a acertar a ordem da casa, do tempo e do vagar. Não há fim mais perfeito para um sábado destes que abrir as portas de casa e ter os amigos num copo de vinho a respirar connosco. Acordar domingo com a luz de janelas abertas, o chão e o resto dos copos para lavar, arejar de ar o espaço, acabar de ler a crónica do jornal, dar de comer às crianças que também acordam tarde, e ter outra ordem a cumprir. A ordem de as ver estudar, de verificar caligrafia e erros ortográficos, de responder a dúvidas e de me encher do saber do que apreendem. Fazer chá e torradas, interromper para lanche, organizar com T a festa de aniversário em Janeiro, replicar dos maus modos, brincar com a cachorra, fumar na varanda o cigarro antes que a luz se escoe toda, e acabar a organizar a semana que me levará na desordem.

quinta-feira, janeiro 08, 2009

parabéns David


quantas estradas ainda?

quantos mares?

quantas guerras mais?

quantos anos? quantas estações? quantas vezes nos encontraremos?

quantos olhos cegos? quantos ouvidos tapados?

quantas mortes?

a resposta sopra-a o vento

assim falava Bob Dylan (o disco pedido do nosso aniversariante passa na carruagem-bar)


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quarta-feira, janeiro 07, 2009

engolida


Vês, vês... já estou a ser engolida. Suga-me a força centrífuga do tempo, vou em espiral por aí abaixo. Vês, vês... não tarda e vou cair no nevoeiro da linha, não por ser inverno, mas por ser quase sem tempo. Conseguir ser quase sem tempo é uma sofridão, essa que se aproxima.

terça-feira, janeiro 06, 2009

V.

Nunca saberei se é a seis ou a nove, porque nunca quis saber, tal a proximidade antiga. Agora arrisco que seja hoje, está feito. A folha caiu no nosso banco de esperas. É um aviso para que uma destas tardes a sopremos. Sei que isso acontecerá, mesmo que com outros contornos, porque às vezes, pela noite dentro, bate o tempo e fervem-me os pés de sangue novo, vindo de um bater pequenito do peito onde trabalha o coração, sempre que me lembro de ti.
Cinzela o teu tempo por um momento. Fecha os olhos. Vês-me? Vês! Aqui tens os meus parabéns!

sábado, janeiro 03, 2009

o nada destes dias cinzentos


Gosto do nada que acontece nestes dias cinzentos, da sonolência a meio do artigo de jornal, das mãos aquecidas na chávena de chá, da humidade pegasosa que se instala nas casas, das paisagens carregadas de chuva e nos restos de cinzento que sobram.

Gosto do nada que acontece nestes dias de inverno, do corpo a refazer-se na cama em horas e horas de sono, dos lençois quentes, da sem urgência do mundo. Gosto de acender o primeiro cigarro, com o primeiro café quente, e não ter necessidade de convicção alguma. Afinal o mundo está despido.

Gosto do silêncio que exala das paisagens , de pousar no livro se o tédio para lá me levar, de fazer com rapidez as tarefas para sobrar mais tempo para nada.

Gosto tanto deste nada que me acontece nos dias cinzentos de inverno.

quinta-feira, janeiro 01, 2009

2009

auto-retrato, dentro do carro, nas estradas do sul


2009


entrei. em festa de família: três gerações (ao ritmo dos mais novos). entrei nostálgica, não do passado, mas do que há-de vir. do tempo que passa, inexorável.

três gerações misturadas mostram o filme da vida de cada um: aquela menina fascinante e transbordando de futuro será um dia aquela avó tranquila e cumprida; aquele casal abraçado será depois um só (lembrando o outro com uma saudade que nada apaga); aquele corpo belo e imparável será mais tarde como aqueloutro, cauteloso e lento. ver tudo isso, tão claro, na mesma fotografia, tudo isso, que já se sabia mas não se lembra todos os dias, deu à minha passagem de ano um gosto de última vez. como se cada dia fosse, doravante, o último do resto da minha vida.

(fotografias do Paço de Gominhães, em Vizela, onde entrei em 2009)

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