terça-feira, março 31, 2009

Mundo nos olhos

© Sicó


Subir a serra de Sicó pela manhã é um presente que só merece quem tem olhos suficientemente abertos e disponíveis para a ver. Então, se estás mesmo disponível, ela estende-te um manto vermelho, como quem diz:
- anda, és o meu rei, pisa o manto de flores, desprende-te do mundo, vem cá ao cimo, pertinho de mim, gastar um pouco dos teus olhos!
O mesmo já me fizeram outras mulheres com outros mantos pelos ombros e olhos de várias cores!

quinta-feira, março 26, 2009

Economia das Caldas

A fábrica de faianças Bordalo Pinheiro está em dificuldades. Ou eu não percebo nada de economia ou os produtos ali produzidos, face à crise, teriam um mercado apetecível. Quem não gostaria de enviar de presente aos nossos governantes, aos banqueiros e a todos os responsáveis por este estado de coisas, um bom «Zé Povinho» ou, para os mais exigentes, um bom membro das Caldas, orgulho da cultura popular portuguesa?

Como dizia o Mário Viegas no Manifesto Anti-Dantas do Almada Negreiros… «fique sabendo o Dantas que se todos fossem como eu, haveria tais munições de manguitos que levariam dois séculos a gastar.»

Ora aqui está uma proposta, não achas, Zé Povinho Sócrates? Se a seguirem, talvez não fiquem mais 200 trabalhadores sem fazerem um caralho…

domingo, março 22, 2009

De vez em quando aparece a Guida Geraldes a trazer-me coisas assim... neste caso, uma comemoração da Primavera que chega e duas irmãs que a vão ver para o Sul da Austrália.

Na ilha Lenox há uma árvore. Uma. Indivisível, vertical, pertinaz na sua terrível solidão de farol inútil e verde, entre a bruma de dois oceanos.
É um alerce já centenário e o único sobrevivente de um pequeno bosque derrubado pelos ventos austrais, pelas tempestades que tornam risível a ideia cristã do Inferno, pela implacável gadanha de gelo que ceifa o Sul do mundo.
Como chegou a este lugar reservado de vento? Segundo os ilhéus de Darwin ou de Picton, transportado no ventre de alguma abetarda como semente germinada e emigrante. Assim chegou, chegaram, abriram caminho entre as fendas da rocha, mergulharam as raízes e ergueram-se com uma verticalidade rebelde.
Entre vinte alerces ou mais, dizem os velhos das ilhas, que não tem metade dos anos da árvore sobrevivente nem estão há muito nesse mundo de onde o vento e o frio sussurram “vai-te daqui, salva-te da loucura”.
Foram caindo uma atrás da outra com a lógica das maldições marinhas. Quando o vento polar dobrou a primeira e o seu tronco se partiu com um ruído terrível que só se ouvirá novamente – dizem os mapuches – no dia em que se partir a espinha do mundo, começou a condenação da última árvore da ilha. Mas o camarada ruído tinha nos seus ramos o vigor de todos os ventos sofridos, de todos os gelos suportados e a sua memória vegetal foi sustento dos outros.
Assim tornaram-se fortes, continuaram o desafio de tocar o céu da Patagónia com os seus ramos, e assim foram caindo, um atrás do outro de uma forma definitiva. Sem se vergarem em agonias vergonhosas, bateram da copa ás raízes contra as rochas e aos ventos imoladores disseram: “caí, é verdade, mas assim morre um gigante”.
Uma permaneceu na ilha. A árvore. O Alerce que mal se vislumbra ao navegar pelo estreito. Rodeada por mortos que são seus, impregnada de memória, temporariamente a salvo dos lenhadores porque a sua solidão não compensa o esforço de atracar um navio e de subir pelas rochas escarpadas para a derrubar.
E cresce. E espera.
Na estepe polar, outros ventos afiam a gadanha de gelo que há-de aportar à ilha, e inexoravelmente, lhe há-de morder o tronco. Quando chegar o seu dia, com ela morrerão definitivamente os mortos da sua memória.
Mas enquanto espera o fim inevitável, continua vertical sobre a ilha, altiva, orgulhosa, como o estandarte necessário da dignidade do Sul.

Sepúlveda, Luís, A árvore



quinta-feira, março 19, 2009

Há!

(Rua Sousa Martins - Lisboa)

quarta-feira, março 18, 2009

Linha de Benguela

Acabei de ver o episódio do Joaquim Furtado sobre a Guerra Colonial. Não me retive tanto nos diálogos das guerrilhas, tão pouco no mais do mesmo que a segunda série transporta às últimas gerações de portugueses, nascessem onde nascessem, cá ou lá. Perdi-me de assombro pela Linha de Caminhos-de-Ferro de Benguela. Aí sim, ficou-me uma linha imaginária de memórias, daquilo que Portugal já fez nas sete partidas do mundo. Ao pé desta grandeza, o projecto do TGV é uma brincadeira de comboio eléctrico para brincar num dia de Natal na praça da Figueira, à volta da árvore iluminada.
Que imagens a linha de Benguela guarda no tempo? E que cheiros? E que gentes? Do Lobito ao Luau, aí está um percurso que me fascina.

Enki Bilal

Sou um fã incondicional de Enki Bilal. Marcou-me muito ao tempo o primeiro álbum a que tive acesso, «A Mulher Armadilha». Depois foi um acompanhamento de continuidade. Sai amanhã com o jornal Público o último álbum da Tetralogia do Monstro. Não é de deixar escapar…

quinta-feira, março 12, 2009

5ª linha, página 161

" Aumentou a riqueza de todos nós, melhorou o jornal e sabe Deus que ele tinha muitos inimigos lá dentro"

Agustina Bessa Luís, " O Mistério da Légua da Póvoa"

mas gostava mais, desta outra, da pág.88

" (...) os maridos de mulheres felizes esperam a oportunidade de lhes causar tristezas que entendem ser passageiras e assim serem vinganças perdoáveis."

o laço da cadeia da Cristina

"A questão é diferente na biologia, a disciplina mais"

excerto injusto (mas é a regra da cadeia de palavras em que me apanharam) de um livro tão frondoso de ideias como uma árvore no fim da Primavera: O Eco Silencioso, de João Lobo Antunes (Gradiva, 2008). é por essas zonas que tem andado o meu silêncio, ávido de pensar e investir o trabalho.

preferia ter transcrito as últimas linhas do primeiro texto do livro: "De facto, nesta memória falada, a que responde, em silêncio, um eco interior, há algo de esquivo, de intangível, que me obriga a procurar como de facto a medicina me fez médico."

e tu Helena, queres transcrever-nos a 5ª linha da página 161 do livro que andas a ler?

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quarta-feira, março 11, 2009

Ecocardiograma

Acabo de sair de um neste fim de tarde.
Não foi do meu Sporting, foi rotina.
Uma mulher bonita apertou-me nas voltas do peito um bastão.
Dizia, em sussurro, que me estava a ver a vida no écran.
Debruçado de costas nada via e ela sorria a cada informação.
Terá dito a máquina que ainda fazes ninho no meu coração?

domingo, março 08, 2009

fogo


moro mais ou menos no sítio de onde foi tirada esta fotografia e, no entanto, só o despertador me acordou na sexta-feira, já o incêndio lavrava há 2 horas. estranhei a ausência de tráfego ao abrir as persianas mas como há outra casa a tapar-me a visão da rua, não a valorizei até ver uma carrinha da RTP e um carro da polícia a entrarem na rua em sentido proibido. não se ouviam sirenes e não havia fumo nem cheiro a queimado na rua e assim pudemos dormir descansados a nossa madrugada.

fiquei inquieta quando percebi que um prédio inteiro (lindo, que vi, dia após dia, a ser recuperado) tinha ardido nesse sono tranquilo. e se fosse um dos prédios em ruínas que temos mesmo colado ao nosso? e se fosse o nosso (um cigarro mal apagado do fumador inveterado e ínsone que é o nosso vizinho de baixo - já um dia lhe toquei à campainha ao ver o fumo a sair da sua varanda)?

pouco depois, ao passar ao largo do incêndio, a casa já destruída, esventrada, fumo intenso a sair por todos os poros sob a chuva miudinha, senti uma angústia aterradora - igual à que senti, em 1992, quando ardeu, também de noite, a minha faculdade e ainda cheguei a tempo de ver as labaredas. um desespero que por instantes me esmagou o peito. como se conhecesse aquele fogo e o seu poder destruidor desde o princípio do mundo. tenho a certeza que o conhecimento do fogo e o medo violento que ele me traz estão inscritos há milhões de anos na minha memória genética.

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sábado, março 07, 2009

Como ardemos na Linha

Quase histórias, com cheiro a fuligem


1 - Era Agosto. Tinha uma carrinha Brasília branca e velha e a carta há muito pouco. Levei-a comigo para Porto de Mós e nela, eu e o David fugíamos para ir beber café forte ao tasco da estrada. Tínhamos os montes, a felicidade do Verão e da vida inteira, a música dos This Mortal Coil.

Eu tinha como destino o de trazer a carrinha para sul e apanhar o comboio para Viana, onde o Verão sempre acabou em mim. O David apanhou boleia do destino. Do meu, nesta quase história.

Começámos a viagem de retorno em Leiria, numa despedida de solteiro de alguém, dormimos no sótão da casa, à época, do David.

Com um mapa ACP e a certeza do mar, decidimos que iríamos chegar a Sul a rentar as falésias, pelas estradas que olham o atlântico. Demorasse o tempo que demorasse. Nessa altura, tínhamos o tempo todo do mundo e o tempo era variável que não entrava em equação alguma. Assim o fizemos.

Deixámos o carro à porta da casa, tomámos um duche de água doce, jantámos rente ao Tejo e dormimos, ao fim de alguns dias a dormir no carro, em cama. Iríamos apanhar o mesmo comboio, na mesma linha do norte, na mesma hora matinal.

Estava escrito que o destino, nesta quase história, acabaria, para o David, em Coimbra e eu continuaria até Campanhã, onde trocaria para a linha do Minho com paragem em todas as estações e apeadeiros.

Acordámos cedo, atravessámos o Tejo no cacilheiro, vimos as nuvens de fumo intensas e só depois, muito depois, soubemos que o Chiado ardera. Sempre tivemos a secreta convicção que Lisboa ardera por nossa causa e, dos escombros, apenas ficou um texto na Antologia do DN-Jovem, dedicado ao David e à carrinha.

2- Era Março e era ontem. Acordo com um sms que diz “grande incêndio na rua da Mónica”. Ligo-lhe duas vezes, sem resposta. Vou às compras do mês, como assim, não trabalho e a ordem da casa e da vida é gostosa de fazer. Tenho duas chamadas não atendidas, da Mónica. Não há história. Foi na rua da Mónica.

Para acrescentar um pouco de ficção, ligo as duas quase histórias e concluo que existem sempre um grande incêndio perto de nós.

quarta-feira, março 04, 2009

Facebook

Já está. Rendi-me ao facebook e lá ando desde ontem. O mais estranho é tropeçar em amigos por outros amigos, gente que pensava já não fazerem assim, de forma breve, parte do meu mundo. É uma outra cadeia de ADN que reforça a nossa identidade, assemelhando-se, vistos no écran, a um desfile de actores de uma antiga série de TV onde participámos em algumas temporadas.

decisão breve

Entretida que estou e continuo na leitura do meu folhetim da Agustina ( de quem não copio mais citações aqui!) , intervalado por uma revista Ler que a tinha como tema central, acabei de decidir que vou deixar de ler livros. Vou passar a ler autores.

Vou fazer deste verão o verão de Agustina, vou comprar mais dos livros que me faltam, vou faze-la de toda a ler.

Talvez seja tarefa mais fácil. Sempre é mais difícil encontrar bons autores do que bons livros.

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