sábado, julho 22, 2006

caderno de duas linhas - VII



VII
É, decisivamente, uma mulher que me aquece em fogo lento. Daquelas que quando não está provoca desejo. Não apareceu com palavras decisivas porque simplesmente falhou o pequeno-almoço no hotel Corderí. Porque egoísta não quis, isso basta-me. Quem não vem tem motivos. Quem não vem tem outros objectivos. Quem não vem move-se pelos sentidos. Cheira-me que se divertiu na noite e deitou o corpo tarde na velha Orense. Apenas isso.

A mulher maçã madura foi um jogo de troca de cartas que arrisquei, confesso agora a premeditação. Carteiro que troca carta para usufruir a estação do Verão. Setembro traz Outono e um velho desafio em antigas mulheres. O Verão trará sempre mulheres novas como as revistas cor-de-rosa – disse-me o experiente pescador à linha! Terá perguntado pelo gin embrulhada no xaile vermelho, meio ombro de fora a provocar, quando saí. Divertiu-se na noite? Que importa. Bem, importa, mas sinto que estamos no fim. Não terá hipótese de pôr gelo na conversa juntando limão com gin, acender o cigarro na arte dos dedos e provocar!

Nem sei do homem que perdeu a sua correspondência decisiva porque, convicto, a troquei também propositadamente. Naquele fundo de mar onde vivo, apenas desejado pela pele morena e sal na ponta da língua, não há assim mulheres disponíveis para uma aventura de Verão. Nas que por lá vivem apertam-se-lhe as coxas, tolhem-se-lhes os seios, reduz-se-lhes a uma linha de cal o limbo ocre dos lábios.

Troquei as cartas para um jogo. Joguei-lhe o jogo do corpo e a sua sedução. Não quis.

Mas do jogo ela sabia tudo. Tinha sussurrado as regras no meu ombro e marcadas as palavras certeiras no livro das viagens. Quando me tapou a boca para dançar, senti que o melhor era boca calada. Quando me levou pela mão para o hotel Zarampallo, sabia do destino e da sua independência criadora. Por isso dancei sem saber dançar junto ao balcão, mãos nos bolsos a largar o resto do perfume no suor e Deus, esse breve equilíbrio do desejo, que compusesse as arestas e me explicasse porque na primeira noite me chorou no ombro direito sem motivação da fragrância ali depositada.

Esperava no jogo da sorte uma mulher que tivesse parado para o gin no Alto de Allariz. Não parou. Foi a sua queda e a minha dúvida. E confundir cigarrilhas com cheiro de «cuabas» foi o seu altar na distância que por mim erigiu.

O resto está contado no curso do rio Amoia, escrito em alfabeto «amar-te uma única vez» pelo andar e andar dos grilos na areia da nascente. Ficou com as chaves do carro. Regresso de comboio com motivado prazer.

A mulher trará num novo Verão, por sobre os ombros, o xaile vermelho, o novo papel de carta, o carro com que ficou, mas faltar-lhe-á o leque, onde com código de anos me indicará entre outros homens o caminho mais breve para os lábios.

Foi um fogo lento. Vou voltar a baralhar as cartas no casino da pouca terra com gente na rua do mar. Preversão. Como no final do livro do Molero, alguém que pegue neste caderno de duas linhas. M, por exemplo, que estará disponível depois de férias no regresso a casa!
Mas nestes três dias, o que eu gostei dela, caramba!
«Ainda tens tempo para me escreveres uma carta e pôr as chaves do carro lá dentro? E um beijo surpreso doce?»

1 Comments:

At 10:49 da manhã, Blogger Gabbiano said...

Gostar tudo e eternamente durante três dias - o drama das almas inquietas. Parabéns, H e D, o passo saíu-vos bem acertado nesta dança inesperada!

 

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