caderno de duas linhas
Quando a carta chegou já sabia o desafio. Melhor, sabia-o o coração. Depois foi abrir o envelope com o cuidado de arquivar e confirmar em letra bonita as palavras decisivas. Que sim, que chegava ao fim da tarde de sexta, de comboio, para uma vez mais sairmos pelo Verão.
Arrumei a casa. Lavei a louça dos dias. Passei o pano no chão. Mudei os lençóis para a cor do cortinado. Reabasteci o mini bar (sim, gin como gosta! E muito gelo). Fiz a barba. Preparei-me inteiro para uma única noite. Arrisquei até uma fragrância de Dolce & Gabbana no ombro direito, onde ela por comodidade se me costumava poisar a sussurrar a vida que trazia.
Sabia que partiríamos logo a seguir. Dizia na carta Espanha. Um amor em Verín, logo a sair para a Galiza. Um amor que já não era, apenas queria uma última vez ver-lhe não o corpo mas o espaço. E eu que o confirmasse.
Quando chegou, 18:49 na linha 1, perguntou-me pelo carro.
«Ainda tens o fiesta?»
«Não. Vamos para Espanha de Golfo, dois lugares, a gasóleo, à velocidade do tempo de voltar».
Bebemos ali à estação o primeiro copo. Vinha bonita com uma mala de mão, leve como a roupa que vestia, boa cor e a cheirar a sal. Já trazia um anúncio de Verão fresco na pele morena.
Quando poisou sonolenta no meu ombro direito, percebi que não era o perfume que a atraía. Era o seu antigo jeito de sussurrar. Falou-me de livros de viagem – O (Des) Caminho para Santiago – de Cees Nootboom. Mostrou-me. Trazia frases e palavras sublinhadas como destinos. Com elas escreverá a nossa viagem. Assim falámos. Assim pernoitámos noite ligeira. Amanhã cedo, estaremos prontos para partir.
1 Comments:
Estou doida, doida por ler este caderno de duas linhas. Será a minha (outra) história de verão.
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