Som da Frente
Respondo ao Oceano Pacífico com o Som da Frente. Sintonizamos frequências e memórias.
Recordo esse programa da Rádio Comercial, na voz inigualável desse António Sérgio, a que cheguei mais por paixão do que por devoção musical. Eram as noites pesadas de estudo na sebenta, o amor a morar no fim da linha do comboio e era essa sintonização acertada no tempo... ouvia, porque o meu amor ouvia. Enchia a noite e a saudade na voz desse homem. Era um culto interesseiro, confesso hoje.
Depois, o meu amor falava-me longamente do programa, das bandas, oferecia-me cassetes. Eu ouvia, gostava muito do que ouvia – e muita coisa ainda gosto – mas aquele programa Som da Frente ficou colado a uma história. Impregnou-se nela. Separava a hora dos telefonemas nocturnos, às escondidas da casa adormecida, num toque como primeiro sinal de despertar. Morrer de amor na voz, clandestinamente, depois do Som da Frente.
Marcava também a hora de algumas palavras, a escrita de cartas em tinta sôfrega, o colar a pele ao papel por outra pele não haver. Eram, ás vezes, as músicas, a voz do António Sérgio e a noite que faziam esse apelo de respirar na folha e emergir essa vontade de endossar o corpo por dentro do envelope.
Um destes dias, numa loja de centro comercial, vi este cd do Som da Frente ( 1982-1986) vendível a menos de um euro. Baratearam a memória e expuseram-na descarada. Uma vulgaridade para uma invulgaridade. Mas não hesitei. Está agora no carro. Espera as horas em que me apetece ter passado ou só reinventar sensações.
Chega sempre e como sempre, na hora certa.
5 Comments:
ah, inveja! exijo cópia já. ainda tenho uma K7 com o genérico do programa e a voz portentosa de António Sérgio.
saudades do tempo de ouvir rádio.
Que bem que sabes contar-te, dizer-te, lembrar-te, estremecer-te (nos).Que bem me sabe arrepiar-me ao ler-te.
Sem tanta quantidade de sebenta, mas com amores decisivos a que era preciso dar água fresca, também fui consumidor do «Som da Frente».
Mas o «oceano pacífico» pela noite dentro e já agora o «rock in stock» eram o paradigma dessa nossas paixões.
Que bem soubemos amar sem nos julgar...
this is rock'n'roll radio
stay tuned for more rock'n'roll
(ou
voxx
para uma imensa minoria)
vocês a lembrarem-me a minha colecção de genéricos dos programas da minha vida
Era bom, o tempo em que sabiamos amar sem julgamento. Porque não importava quem ou porquê amávamos, mas tão só o impulso, a palpitação, a pulsão e os grandes, enormes gestos que inventávamos ao sabor de cada paixão. Livres, portanto, como só aos 18 podemos ser.
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