quarta-feira, julho 19, 2006

caderno de duas linhas - III


III


Quando saímos pela manhã senti que ia ser guiado. Ou conduzido, para firmar um termo mais certeiro. Sentou-se ao volante dizendo que me entregaria o carro depois da fronteira. Trazia com ela um mapa amarrotado de viagens – daqueles “Portugal Espanha Michelin” numa só proposta em duas pátrias – abriu-o no regaço e apontou Norte com o cigarro na mão, agulha acesa magnética. Ainda me sabia a surpreso beijo doce quando pensei que o Verão moraria logo após a linha da pátria portuguesa. Há, pois, que fazer caminho por ele.

Passar a linha já não é o que era. As cabines vazias de carabineros, a placa Espanha em constelação europeia e, depois, caminho denso para andar.

Chegados a Verín tinha o primeiro desafio. Que faria? Surpreendeu-me! «Encosta ali perto da Plaza Mayor», disse, saindo do carro para uma volta solitária como os toureiros fazem à praça depois da lide.

Andar nos espaços de um amor perdido não é o mesmo que andar nos seus passos. No Verão os passos deixam uma vertical sombra, réstia de esperança, mas os espaços permitem apenas encher o peito do seu antigo respirar.

Chegou-me à esplanada. Parecia satisfeita. Ou desfeita, não o disse. Abriu o mapa, traçou um risco com um lápis negro sobre todo o percurso da N 525 para Orense, marcou com uma pequena cruz o Alto de Allariz onde pararíamos para um gin e, deixado o corpo ao descanso da cadeira, pediu um chá.

Entrei no bar, coisa que adoro fazer, sair do calor para a sombra e, confesso, procurar um vaso de vinho branco Rueda com espárragos trigueros a la prancha. Perguntei por um estanco, para comprar uns “cuabas” para a noite. Trouxe o chá. Pareceu-me distante. «Que tens?»
«Tenho um caminho e uma reserva doble no hotel Zarampallo em Orense para cumprir. Queres ir?».
«Quero, se tu quiseres!»

Se me sentia conduzido quando partimos, agora sinto-me mesmo guiado. Vale ainda o sabor do surpreso beijo doce e, intuição, a falta de uma vertical sombra de passos na praça de Verín. Quando chegou à mesa trazia apenas o peito cheio de ar de um antigo respirar. A esperança foi-se.

Do bar saía agora um som bonito, meu conhecido, enchendo de fulgor o ar húmido do resto da tarde. Patxi Andión. Quem sabe se é com esta música que a minha companheira alegra o caminho para o Alto de Allariz. Trago o carro. Cá vamos!

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