domingo, abril 02, 2017

A memória do corpo

Todos temos desses momentos em que não se é mais que tristeza.
A vida, despida até aos ossos, parece já não ter sentido.
Com a morte na alma, para te recompores, chamas,
no limite das forças, a tua enfermeira, a memória.

Mas às vezes é tudo tão negro, há em ti uma tal desordem,
Que não serve de nada a memória do coração nem a da razão.
Toda a vida se apaga nos teus olhos.
Acabam-se os gestos e as palavras.

Mas tens outra memória, a memória do corpo.

- Que os teus pés, então, se lembrem da poeira quente dos caminhos, e da erva tão fresca onde repousavam descalços;
- Que a tua fronte culpada recorde a bênção de um beijo que mal se sentiu, dado, quem sabe, pela tua mãe;
- Que as tuas mãos se lembrem dos pinheiros, do centeio, da chuva, dos pardais que chilreiam e da crina do cavalo que estremece;
- Que os teus lábio se lembrem de outros lábios, que contêm o gelo e o fogo, a noite e a luz, e todo um mundo perfumado de laranjas e neve;

Então dirás “perdão” à vida, que, sem saber, acusavas!

Então dirás “perdão”, deste pecado de ter sido estúpido e mal humorado.

E. Ievtuchencko

morreu ontem

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