A memória do corpo
Todos temos
desses momentos em que não se é mais que tristeza.
A vida,
despida até aos ossos, parece já não ter sentido.
Com a morte
na alma, para te recompores, chamas,
no limite
das forças, a tua enfermeira, a memória.
Mas às vezes
é tudo tão negro, há em ti uma tal desordem,
Que não
serve de nada a memória do coração nem a da razão.
Toda a vida
se apaga nos teus olhos.
Acabam-se os
gestos e as palavras.
Mas tens
outra memória, a memória do corpo.
- Que os
teus pés, então, se lembrem da poeira quente dos caminhos, e da erva tão fresca
onde repousavam descalços;
- Que a tua
fronte culpada recorde a bênção de um beijo que mal se sentiu, dado, quem sabe,
pela tua mãe;
- Que as
tuas mãos se lembrem dos pinheiros, do centeio, da chuva, dos pardais que
chilreiam e da crina do cavalo que estremece;
- Que os
teus lábio se lembrem de outros lábios, que contêm o gelo e o fogo, a noite e a
luz, e todo um mundo perfumado de laranjas e neve;
Então dirás
“perdão” à vida, que, sem saber, acusavas!
Então dirás
“perdão”, deste pecado de ter sido estúpido e mal humorado.
E. Ievtuchencko
morreu ontem
Etiquetas: adeus, Ievtuchenko
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