caderno de duas linhas - x - Fim
X
Apanhou o primeiro comboio. A madrugada deixava adivinhar Agosto e o calor. Confirmou, ainda na gare, a presença do “voucher “ no bolso interior do casaco de linho. Subiu para a carruagem e escolheu a janela. «Vou... pensou... ter com ela ou tão só recuperar o carro».
Os comboios têm uma dolência sincopada, levam-nos com vagar ao fim. Ás vezes o mar, ou tão só os milheirais. Deixou entrar a paisagem num olhar vazio de janela. Se é certo que ia ter com ela, também certo é que nada esperava. Sentia-se quase vazio, quase esgotado. Barba por fazer. Desalinho no linho do casaco. Charuto por fumar. Livro de poemas por ler. Dormitou em sobressalto. Sonhou com cartas, muitas muitas cartas das quais saiam rostos vagos de mulheres misturados com palavras a tinta azul. Muitas, muitas mulheres. Muitas, muitas palavras.
A estação, outrora ocre, era agora de um claro azul abeirado ao azul do rio grande. Apanhou um táxi até ao hotel. Sentou-se no hall a ler os jornais e acendeu o charuto. Deixou-se a ver a tarde e a cidade. Também o mundo em viagens nos homens e mulheres que ao hotel aportavam. «Esperarei por ela na cama...», pensou, enquanto dava entrada no quarto sombrio. Cortinados grossos e antigos. Cheiro a madeira nobre.
Adormeceu cansado no meio do poema que acordou com a manhã a raiar na última estrofe e na primeira janela. Estremunhado, pressentiu o fumo sem o saber. Pensou no charuto ou no amor a arder. Abeirou-se da janela e afastou os cortinados grossos e antigos. Soube então que a cidade ardia a partir da colina.
Destruída cidade em parte do corpo. Agosto ficou cinzento de fumo. Nos escombros de uma casa velha, a caminho da colina, restava ao vento uma só folha onde se podia ainda ler a carvão "caderno de duas linhas“ ...
FIM
2 Comments:
Breve, mais breve do que julgas, o homem voltará. E terás, terão? um novo desafio...
em grande (o fim)
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