domingo, abril 09, 2006

Atraiçoada pela chuva a determinação


Os livros invadem-me as paredes de casa como o ar. Escondem o gretar da cal e as marcas do fumo. Envelhecem connosco e ocupam um território cada vez maior no espaço da casa. Vivem connosco. Vejo-os e saúdo-os todos os dias. Tem a intimidade de nos saberem à muitos anos, de nos conhecerem na dor e na alegria. Crescem tanto quanto nós.

Estão ordenados por autores e pela proximidade de temáticas. Tento não os ter em segunda linha, ponho por cima, afasto o pó, encosto uma fotografia de família.

Tem uma outra ordem invisível que se não se sustém nas prateleiras. A ordem da referência, a arqueologia do tempo colada na história da vida de cada um de nós.

Tomo, ensonada, café virada de frente para eles. Gosto de os revisitar com o olhar todos os dias. Mais raro, toca-los. Afecto nocturno. Pegar neles e redescobri-los. Gosto também do que encontro neles perdidos: bilhetes de concertos, anotações na margem, cartas...

Um destes dias, ao pegar num livro de Eduarda Dionísio, “Retrato de Um Amigo enquanto Falo”, propus-me a um exercício de verão: reler alguns dos livros ou autores que numa dada fase me seduziram. Reler a escrita, reler-me. Fazer uma reavaliação da lista de livros ou autores eternos.

Anoto todos de Eduarda Dionísio, Maria Gabriela Llansol, Clarice Lispector. Temo faze-lo com o “ Para Sempre” de Vergilío Ferreira. Faltam alguns mas estes seriam suficientes para o verão.

Gostava ainda de voltar a alguns do Júlio Dinis e uns quantos do Eça. Mais antigos na memória e na curiosidade.

Nesta determinação secreta, eis que hoje encontro um livro que não sei como cá chegou. Dizem-me que fui eu que o trouxe. Estava hoje, por acaso, no cimo da mesa de madeira. “ Rainha da América “de Nuria Amat – Prémio Cidade de Barcelona.

Espreitei-lhe a primeira página e gostei dele. Gostei como fala da chuva forte e ruidosa. Como isso me levou logo na enxurrada duma chuva que sinto quente. Decidi-me a ele.

“A chuva era mais forte que as palavras “

Depois digo-vos o resto desta chuva, o resto deste livro e o que aconteceu com esta traição a uma determinação assumida.

2 Comments:

At 10:51 da tarde, Blogger Mónica (em Campanhã) said...

comecei a ler-te no regresso do sul e de repente não sabia se falavas antes ou depois de estarmos juntas. depois logo percebi.

visitar-te é sempre visitar também os teus livros.

 
At 12:39 da manhã, Blogger David (em Coimbra B) said...

O meu espaço, hipotecado com rancor à CGD, tem de mim já pago a pronto livros e discos. É uma linda decoração. Anda ver...

 

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