domingo, março 30, 2008

Infância a sul


Fomos para sul ter com M e X. Há vários anos que o fazemos. Temos este sul, para onde M foge com a vida e os livros, e nós acabamos por definir esta geografia de encontro.

São as mesmas as dunas mudadas de vento, é o mesmo o sal do mar, é igual o sabor do pão alentejano tão levedado quanto as conversas que temos.

Mas as crianças crescem e já fogem de manhã pela portada em direcção às dunas, inventam histórias que fazem crescer até ao mar, não dizem nada e já tem o mundo até à praia. Nos primeiros tempos, levamo-los lá para apreenderem, hesitantes, a andar e saberem o cheiro do sal. Cresceram. Já sabem os caminhos todos até ao mar. Ousei procura-los, para além das dunas, e desatou a chover como maldição.

Vejo-os, ao longe, sobre a praia ou no contorno da falésia ocre e penso que estão a fazer o vento na memória da infância. Talvez um dia se lembrem deste tempo, destas brincadeiras infinitas, de terem inventado histórias enquanto molhavam as calças até aos joelhos, da sensação conspirativa de combinarem a hora de se acordarem e de fugirem enquanto os pais se deixam no sono, de mais cedo e de forma mais secreta terem ido saber do azul que fica além das canas que arrastam para fazerem uma cabana.

Vejo-os, ao longe, e penso que esta é a longitude da infância, o lado bonito da memória, aquele que tenderá a ficar como sal.

M levou e tem pousado na sala um livro da Sara Adamopoulos, sobre a infância, partindo do depoimento de diversas figuras públicas, do qual li e gostei muito do prefácio do António Barreto. Fala ele do engano que fazemos da memória da infância e da relevância que ela, memória inventada ou não, atribui à felicidade quando a infância é também dolorosa e triste. Tão verdade.

Mas aquele vento sobre as nossas crianças, tendo o mar para além das dunas, é longitude. A fuga, não comunicada, para fazerem uma história que era só deles é o território das suas vivências. Estes foram uns dias bonitos e eu fico, interiormente feliz, de os verem fazer o que não devem para além de os ver inventarem as horas, a vida e o mundo todo. De se sujarem todos, de terem segredos, de andarem em bando, de não os ouvirmos horas a fio, de se instarem na casa branca ao lado da nossa casa branca onde, não nos esquecemos deles, mas lembramos de nós.

Tão simples. Afinal nós ( eu, M e X) encontramo-nos sempre, porque continuamos a fazer a nossa infância. Que mais fazemos senão envelhece-la, a infância, juntas ? Estamos sempre nesse ponto inicial da eternidade. Desta vez, a sul. Com o sal a vir no vento e no vagar da nossa felicidade.

6 Comments:

At 10:32 da manhã, Blogger francisco carvalho said...

Linhas tuas.
Belas, como sempre.

beijos

 
At 7:30 da tarde, Blogger CCF said...

Este sul que é também meu. Visito cada linha tua como se cada uma fosse a minha casa.
~CC~

 
At 3:08 da manhã, Blogger David (em Coimbra B) said...

Que bem, que bem, menina mãe!

 
At 10:53 da tarde, Blogger Isabel said...

que sorte a dos pais, que sorte a dos filhos.
bjs, lena!

 
At 11:05 da tarde, Blogger Mónica (em Campanhã) said...

ainda te vou contar secretamente de que forma intensa o meu F , e acabou de viver, esses dias. e, ao mesmo tempo que digo, contigo, "infância", digo já também eles a crescerem e a partirem de nós para a sua vida.

 
At 8:21 da tarde, Blogger xana said...

Reler através de ti os nossos momentos...como acontece tantas vezes,..., correu-me uma lágrima salgada e feliz, que se juntou a outra que já corria...pelo sentir intenso dos nossos filhos. Que continuemos a envelhecer a nossa “infância” juntas…! Bjs

 

Enviar um comentário

<< Home

Web Pages referring to this page
Link to this page and get a link back!