sexta-feira, outubro 27, 2006

limites de adobe nos teus olhos


Poderia ter sido num palheiro
ou num moinho do ribeiro.

Nasci entre paredes de adobe, numa casa gandareza com quintal de muros de adobe, quarto de parir, a pilheira em frente, poço de engenho de adobe com água abundante para os primeiros banhos e as primeiras sedes como nas covas dos adobes. Seria uma prisão antiga, um pátio escuro do Tarrafal, se a Gândara, entre muros, não fosse um cais aberto, janela do Atlântico com caminhos largos de areia, o vento que nos permite voar para outros lugares e toda uma bordadura de sal que lá se solidifica à proa da arte xávega.

Nos limites, a nomenklatura chinesa construiu, ao que vi, 7000 quilómetros de muralha, vê-se do céu – dizem os americanos do espaço! - fechando fronteira com a linha democracia.
Nada que me surpreenda, construído por quem o fez!

Nos limites, o aço político alemão deu ao mundo um muro com «uma palavra redonda». Bola de Berlim.
Nada que me surpreenda, fotografado e escrito por amigos que me ensinaram do ofício.

Nos limites, a democracia americana zurrou, ao que li, uma lei para a construção de 700 quilómetros de muro, fechando a fronteira com o México.
Nada que me surpreenda, vindo de quem vem!

No limite, trabalho nos terrenos do calcário, que não é areia, nem aço, nem muralha. Tem muros? Tem! E deslumbrantes campos de tesselas. São uma espécie de renda de bilros, arestas de pedra difíceis de aparelhar nas capelas imperfeitas do mosteiro da batalha, apenas um bordo de renda na toalha da terra, um contraforte de estuque, uma metáfora.
Nada que me surpreenda, vindo da arte romana.

São estes os meus limites:

A ter de escolher, escolho o berço. Os muros na Gândara são os mais justos. Porque o adobe é mais frágil e, erguido, serve apenas para controlar o vento e, assim, o desejo de diáspora, garantindo o direito gracioso das terras e a raíz nos homens antes do contencioso dos tribunais. Antes da partilha das lágrimas há a soma da partilha dos sorrisos que me levarão sempre no caminho do mar ou da serra, o sal ou o vento, a compensação, o equilíbrio.

A ter que decidir sem desejo de partir, escolho os teus olhos e os amigos crescidos na Gândara, (profunda textura a que não pertences, limite de adobe), saltando o muro onde na sua sombra brilharão de cumplicidades por inteiro. Outra partilha graciosa.
Surpreender-me-ia, isso sim, se um dia o texto estivesse disponível na net em Adobe Acrobat.

1 Comments:

At 1:22 da tarde, Blogger Fanette said...

Muito bom texto - “muro” e “adobe” software de des-construção do homem.

 

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