o tempo contado por mim
Nunca sei dizer das horas quando por elas me perguntam, tão óbvia está por todo o lado a sua exposição mediática. Aliás, não uso relógio, porque o considero há muitos anos apenas um adorno.
No entanto, gosto de contar o tempo nos relógios que ainda me fascinam: nas clepsidras, nos das gares de comboios, nos dos campanários das igrejas e nos relógios de sol.
Tenho uma clepsidra na mesa do escritório cheia de areia do Sahara, trazida de Erfoud em garrafas de água «Sidi Ali», que vou virando e revirando para entreter o tempo. Aqui o tempo tem uma espessura fina e depende apenas de mim. Alma, diria, para ser impreciso ou circense.
Dos mostradores das gares decorei o suficiente para saber que o tempo também tem coração. Neles o ponteiro bate certo com o ritmo cardíaco, muitas vezes desmesurado tal é a sístole porque não chegas, ou diástole quando te vejo com os pés na plataforma.
Os campanários de onde apenas o ouvimos dizem-me que o tempo tem sons e silêncios. Não os vemos. Sentimos. Nas limpas areias rurais onde cresci
(entre os nevoeiros do Inverno ou os campos de milho no Verão, lembro-me tão bem!)
ouve-se o som do dia e o silêncio das noites por eles.
Os relógios de sol sei fazer, a disposição das pedras como as contas de um rosário em círculo quase perfeito e uma cruz a fazer sombra da luz. Aprendi com um grande mestre no Caima da Serra da Freita, que ao pé deles se recolhia ao fim de tarde, rezando ao seu Deus e por eles conto agora em numeração romana as esperas dos dias e os momentos de Fé que não tenho.
É o único tempo que tenho para contar, porque antigo.
Mas depois sei, olhando-os caso a caso, que em todos estão as horas verdadeiras, porque nos colocam a vida fora da escala das horas, dos minutos e dos segundos. Neles apenas decides do tempo que tens para o poder contar. A vida plena, onde outros com essa velha obsessão de medir o tempo nos dias, pensam que a vida se ganha contra ele a bater recordes e a fazer fortuna, quando o valor essencial é termos simplesmente tempo para a alegria de quando nos apetecer o poder sentir.
2 Comments:
são máquinas à moda antiga, esses relógios, mais humanas, máquinas com que se pode quase conversar.
Tão certo e tão bonito que acho que vou ler 10 vezes. Sem olhar para o relógio. Há coisas de que nunca se dirá que são uma perdade de tempo.
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