terça-feira, maio 02, 2006

Reservado a fumadores

Uma antiga crónica do Mário Zambujal no semanário “Tal & Qual”.


Quando, um dia, o secretário de Estado Macário Correia abarbatou o título de NÃO-FUMADOR DO ANO, os fumadores distraídos a deitar nuvenzinhas pelas narinas não se assustaram; e quando a então ministra Leonor Beleza sucedeu a Macário no “pódio”, distinguida como a NÃO-FUMADORA DO ANO, a numerosa classe dos chupadores de tabaco pensou que também isso seria fumo sem fogo.
Enganaram-se. Enganámo-nos. Até o Diário da República deu a notícia: a partir daquele I de Dezembro, dia da Restauração da Pátria, acabaram-se as fumaças na maioria dos locais públicos. Com cigarrinho, charuto ou cachimbada, vá cada um poluir para a rua dele, da qual, provavelmente, será expulso.
Tratando-se de uma classe numerosa e altamente contribuinte, se bem que pervertida, merece algumas atenções. Daí que o espaço desta crónica seja hoje rigorosamente reservado a fumadores – pedindo-se às leitoras e leitores que não padeçam deste execrando hábito, a generosidade de reconhecer que precisamos de um cantinho para nos reunirmos, analisar a situação, reconhecer as nossas culpas e fazer planos para o futuro. Quem não fuma, tenha paciência, vá não fumar lá para fora.
Companheiras e companheiros!
Não adianta adiar a questão até ao filtro: uma ameaça não menor que o cancro no pulmão paira sobre nós; para além das multas, que são fogo, todos os que fumarem arriscam-se à fogueira. O cerco aperta-se. A dura realidade é que o ambiente se está a tornar irrespirável para os fumadores. O Governo decidiu reduzir a nossa actividade a um monte de cinzas. Nem é preciso recorrer às sondagens para saber que a Opinião Pública está contra nós: um cada vez maior número de pessoas está a viciar-se no ar puro que, segundo fontes fidedignas, não sabe a nada. E se é justo que se recusem a fumar, por tabela, do nosso tabaco – é injusto obrigarem-nos, de uma forma coerciva, antidemocrática e anticonstitucional, a respirar do ar delas. Por outro lado, a economia nacional periga: vamos chegar ao novo ano com a indústria dos cinzeiros de rastos. Enquanto estamos a ser corridos de tudo quanto é sítio, muitos regressam já ao viciozinho cobardola de fumar às escondidas, com que se iniciaram nas escolas, nos colégios e nos liceus. Mesmo assim vão apanhar para o tabaco. É evidente que o Governo, nesta louvável cruzada pela saúde pública, vai já à pressa atacar problemas maiores, como sejam o chumbo na gasolina, o amianto nas canalizações… quando não, era só fumaça.
Mas, certos de que tudo isso será feito, cumpre-nos contribuir, aceitando fumar apenas em reservas semelhantes às dos outros índios, das quais comunicaremos uns com outros através de sinais de fumo.
Em qualquer outro espaço será perigoso, já se houve o grito de guerra: MORTE AOS FUMADORES E A QUEM LHES DER LUME!
Publicada também em:
Zambujal, Mário, Fora de Mão

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