quarta-feira, março 01, 2006

ACTO DE NOIVAR - O VERBO

Os sitiados, vida afectiva resolvida segundo antigos testamentos, classificam quem o não é em dois géneros:
“encalhada”, s. f.
“vagabundo” s. m.
Vivem felizes tão poucos, assim desejo que continuem. Sei. Vou sabendo. Outros, muitos, desses, encalhariam de novo com prazer se pudessem, ou vagabundeavam uma vez mais por antigos sítios onde foram felizes.
Com artes de vagabundo, mostrava na casa antiga um quadro do mapa de estrelas, cenário de meia-luz. Procurava Capricórnio, constelação que nos agenda, ano a ano, nascimentos felizes. Capricórnio não estava! Não cabia ali todo o hemisfério norte, porque não cabia ali, por segredos do tempo, a vida que não fizemos.
Toca-lhe o telemóvel, uma amiga disse:
- ?
- Sim?
- ?
- Estou a noivar!
- :)
- Amanhã conto!
Nunca tinha ouvido o verbo noivar, muito menos da boca de uma mulher no sussurro de quem pelo momento quer ficar. Privilégio de vagabundos. Foi um tempo bom. Acabou ao começar. A noivar com um carinho e um beijo devagar.
Noivar não é tempo de sitiados. Aos vagabundos é verbo irregular, mas saboroso sempre que uma vez nova se pronuncia. Como a intermitência da luz, que só o é, porque há escuros comuns nas gambiarras em série do tempo.
A ter de o conjugar, vagabundo, uma outra vez, noivar será no pretérito-mais-que-perfeito!

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