domingo, novembro 23, 2008

Pontes de Prata

© Rio Cervantes y Cancelada

Há decisões que só aparecem àqueles que são «resilientes e resistentes a muitos combates». Palavras do amigo Cabrita, que decidiu construir uma ponte de prata nessa Galicia entre o seu Portugal onde se formou e uma Espanha que o deseja e paga por isso. Vai para Lugo exercer na medicina a sua sabedoria. Que país é este que se permite perder os melhores por troca com actores de circunstância?
Ele disse-me:

«Os factos indignam mas não provocam qualquer rebuço na minha vida… a verdade é que este ministério… e tantos outros lugares institucionais são uma depressão conduzida por gente incapaz de decidir e de confrontar. A única dificuldade é a existência de sangue suor e lágrimas. Não contribui para a minha decisão, tão só para uma revolta crescente. O problema está nos salários baixos, na existência de múltiplos empregos e complementos salariais raiando a corrupção. Defendo empregos bem pagos, separação de algumas águas para criar novas oportunidades, presença de vigilância sobre quem governa e não sobre quem obedece. Os factos são: valores hora insustentáveis, economia paralela a rodos, custos crescentes da vida social e das necessidades básicas, um Estado a criar uma obra por vezes incompreensível porque sustentada no empobrecimento à tarraxa da classe média…. Sim, deixo a cidade de Coimbra e muitas actividades que por aqui desenvolvia. Não vamos todos mas vou eu. Sim, parto por estar cansado, por receber mal, por não haver incentivos e por muitas outra razões que vou explicando no meu bilhete-postal do jornal interior (O Interior) onde vou destilando algum fel. Parto, porque cansado, encontro ali um porto de abrigo e uma proposta de trabalho que neste momento representa ser feliz. Nos Covões não o conseguiria agora.»

Esta é, como também disse, «uma força desconexa». Este «Portugal como Destino» como dizia Eduardo Lourenço, mudou a mão-de-obra que exportava. No século passado era a necessidade dura e crua de milhares de portugueses que atravessaram fronteira pelo primário: pão para a boca. Hoje assiste-se à fuga de uma outra mão-de-obra, qualificada, que usa a cabeça e disponibiliza a outros a arte dos seus saberes, porque por cá ninguém reconhece mérito ao mais simples cidadão, antes se promove a incompetência no aquoso mundo partidário e se distribui o dinheiro nos negócios da banca em colarinho branco e no jogo da bolha de manga arregaçada.

A geração do Cabrita, a minha geração, merecia da anterior respeito e oportunidade. Neste país isso não existe. Essa geração anterior, instalada no sistema, vive ainda do último resquício que resta do antigo regime e do centrão da pomposa social-democracia, esteja ela mais à esquerda ou mais à direita, seja o que isso for, desde que todos se governem.

Então temos outra vez que partir. Perco um excelente médico de proximidade, não perco o amigo. Se preciso for e se conseguir neste país dobrar dinheiro, lá irei a Lugo instalar-me no seu serviço para tratar das minhas maleitas. Perde o SNS um doente. Ganham os restaurantes e bares de Lugo um cliente.

O Director Gerente que o contratou, Justo Jorge López, é pelo nome um homem justo. Depois também o será pela escolha que fez.

1 Comments:

At 10:23 da tarde, Blogger Mónica (em Campanhã) said...

tenho uma paciente, educadora de infância que ao fim de uns anos de trabalho ficou desempregada, por encerramento do infantário privado onde trabalhava e emigrou para a Escócia onde, além de ter emprego, ganha o dobro do que ganhava cá numa fábrica, e com direito a um ótimo sistema de saúde - pensa até em ficar por lá, ter lá filhos, etc. se por cá houvesse educadoras a mais, e não crianças que só conseguem entrar na pré-escola pública aos 5 anos, isto não seria tão absurdo.

só discordo com o bocado de texto do Cabrita onde parece que isto é só um problema do governo. acho que é pior, é mais geral, mais impregnado, nos serviços e chefes e chefezinhos que nos comandam. o Cabrita e os como ele nunca serão valorizados por gentinha dessa. nunca encaixaremos.

 

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