quinta-feira, agosto 30, 2007

Despedidas que nos agarram pelos carris dentro…

Despedidas, a dor de riscar o território do fim. Despedidas dolorosas, violentas, enlouquecedoras, previsíveis, abruptas. Despedidas na noite, no último barco, na última carta, na última incompreensão, no primeiro silêncio intransponível. Despedir é iniciar definitivamente a memória.

Das minhas memórias de despedidas, duas tem particular beleza. Luz coada. Imensidão. Plenitude. Preservam a tristeza da felicidade. Aconteceram em estação de comboios. As despedidas dos ainda amores e as despedidas dos campos de férias. Em ambas a lei da gravidade impele ao abraço que um comboio com horário certo nos atravessará, enquanto o mundo se quieta para nos celebrar e a luz se derrama dourada mesmo que chova. O aperto na garganta, às vezes o choro como dilúvio, a hora certa do comboio a dizer que acabou ali a felicidade de amar. Um homem ou só um tempo.

Segunda, veio-me à pele o arrepio destas despedidas quando fui à estação, agora azul clara no lugar do nosso ocre, buscar a minha filha do retorno de um campo de férias. A mesma luz dourada, derramada no tempo. O mesmo nó na garganta, a mesma fúria de contradizer o fim que os impele a cantar até à rouquidão, a pular e dançar até ao fim da alma. A dor de ser feliz enquadrável numa estação de comboios. O relógio redondo, em surdina, a atravessar o tempo minuto a minuto. A fazer, minuto a minuto, a memória leve do que ainda é intenso, imenso e infinito.

Certo, certo é que ninguém poder ser inteiramente feliz sem que não lhe caiba, por dentro, uma destas despedidas de felicidade.

3 Comments:

At 7:59 da tarde, Blogger Mónica (em Campanhã) said...

já te disse que anda hoje me arrepia ouvir as vozs dos altifalantes das estações "vai dar entrada na linha 2 o comboio...", como me arrepia quando escreves sobre isso; por isso somos linha do norte

 
At 2:06 da manhã, Blogger David (em Coimbra B) said...

Sta. Apolónia, Campanhã e Coimbra B onde esse jogo se joga ainda com as mesmas regras de ontem...

 
At 12:03 da tarde, Blogger Nuno said...

Ainda lavei tudo, nem organizei papelinhos, pinoskines, pedras pintadas, nem fiz o inventário de tudo o que foi isto. Sei que foi bom.
Beijos.

 

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