sábado, fevereiro 10, 2007

pedaços de sábado

Venho leve, entre terna e chuvosa. Venho encostar a boca junto à folha e dizer: respirar.

Tenho-me revoltado com o despertador que tenho de usar, sábados de manhã, para ir por a criança às aulas de inglês. Comecei por deixa-la junto ao muro. Depois, continuei a deixa-la junto ao muro e a retornar pela estrada que contorno o mar. Continuei a deixa-la junto ao muro, a descer a estrada pelo nevoeiro e a parar no café.Continuei a deixa-la junto ao muro, a descer a estrada com o vento a bater na janela, a parar no café e tomar um pequeno almoço vagaroso. Continuei a deixa-la junto ao muro, a descer a estrada do Guincho, a parar no café, a comprar jornais e a saborear vagarosamente o pequeno almoço e o olhar matinal de sábado.

As horas saqueadas ao sono premente passaram a constituir um prazer sublime. Uma revelação. O apelo da ternura.Relembrar a respiração.

Chovia hoje e eu tive tempo para encontrar uma rara história de verão na crónica do Luís Fernando Verissímo – “ do lado de lá”. Nada, mesmo nada me sabe tão bem quanto este vagar de sábado...dormir, dormir isso é para domingo.

Venho leve contar que estou neste estado de procurar a respiração. Deixo-a registada como pequena causa, minha. Mas amanhã lá estaremos, a votar, depois de dormir e a chover a convicção de acreditar.

Mais um coisinha pequena e sem causa... esta tarde, Mia Couto, levou-me pela mão a Moçambique. Transcrevo o texto que fica aqui bonito :

Sou de um tempo e lugar em que os comboios eram lentos, tão vagarosos que pareciam arrependidos da viagem. Na estação, não havia despedida. Nada de separação traumática, o golpe definitivo da partida. Tudo era lento e esfumado que se convertia em irrealidade. A despedida como repentina ruptura eu aprendi mais tarde, no meu primeiro aeroporto. Voar é sonho da própria poesia. Mas o voo tem despesas de afecto muito pouco poéticas.
Nasci e vivi entre meandros de rios, preguiçosas águas que se apegavam ás margens. A estação ferroviária obedecia a essa líquida paisagem. O comboio era um barco e eu entendia porque se chamava “cais” áquela plataforma onde as mães agitavam os lenços brancos. Para mim, os modos lentos do comboio não resultavam de incapacidade motora. Eram,sim,gentileza. Uma afabilidade para com essas pequenas mortes, que são as despedidas.
Muitas vezes me desloquei para a estação dos caminhos-de-ferro com o fim de não me deslocar para lado nenhum.Ficava no banco de madeira a olhar gente transitando. E me abandonava naquele assento durante horas, sem que o tempo me pessasse. Talvez eu viajasse mais que os próprios passageiros que chegavam e partiam. A minha cidade era pequena, tão pequena que os domingos, com o seu tédio antecipado, não eram notados. Eu inventava os meus tempos fora do Tempo, ali na arrastada azáfama da estação ferroviária.
(...) Algo me ficou desse estacionamento de alma, como se eu ganhasse resid~encia perene nas velhas estações de todo o mundo. Afinal, essa contemplação me trouxe como que um irreparável vício: ter um banco de madeira onde eu possa ver desfilar pessoas em flagrante viagem “

1 Comments:

At 10:53 da tarde, Blogger j said...

O Guincho é um bom local para procurar a respiração, sobretudo "fora de época" Já me aconteceu. :-)

 

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