A. Aleixo 75
Hoje encontrei António Aleixo nos papéis e lá vem memória. Nos meus 11 anos de 1975, verão quente, pleno PREC, fui apanhado indefeso nas actividades culturais que então proliferavam em todo o país.
Representando a Liga Regional Riovidense integrei o elenco de um grupo de teatro de intervenção (com o beneplácito de uma tia), tendo a meio da peça que entrar de rompante e recitar A. Aleixo.
Os mais velhos tratavam das quadras ditas “inteligentes”. O miúdo, irrequieto que era, cativaria com a sua inocência o público, dizendo as quadras mais vernáculas. Assim foi. Assim me iniciei no teatro amador.
Num palco de tablado velho, pano de boca sujo e roto, cenário de parede caiada com feridas salazarentas, música de fundo que penso do Luís Cília e um medo imenso do público (sala a abarrotar), lá recitei nervoso, de enfiada, decorados numa noite sem sono uns versos para sair a correr:
Uma mosca sem valor
Poisa, c’a mesma alegria,
Na careca de um doutor
Como em qualquer porcaria.
Certas viúvas discretas,
De luto pesado em cima,
Lembram cachos de uvas pretas,
A pedir outra vindima.
Foste beijar o menino
Quando afinal eu vi bem
Que beijaste o pequenino
Porque gostavas da mãe.
Casado que arrasta a asa
À mulher deste e daquele,
Merece que tenha em casa
Outro homem em lugar dele.
O povo que estava com o MFA riu. E eu ganhei uma bifana e uma laranjada. À noite, ainda inocente e leve, subi à escada de madeira, assente no tractor e ajudei o meu primo a colar nas paredes até casa cartazes de propaganda da FEC-ML, que hoje sei de tendência maoista contra o imperialismo americano e o social imperialismo soviético. Coisas que nem o meu primo sabia. Outra forma de inocência.
2 Comments:
juras? tu não existes!
É verdade, verdadinha e um dia conto-te o resto destes tempos.
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