Tratado de Roma
Correu desde que nasceu. Uma primária rápida sem cadernos, nem arquivos, nem memórias e, sempre em velocidade, fez toda a Europa do trabalho. Fala bem mal várias línguas (por isso um bom português, não de língua, mas de origem), não sabia de Eça da cidade e as serras, não buscou o tempo perdido de Proust, vive em Saint-Germain des Près, alma simples reflectida no Sena e desenrasca-se agora com uma loja de alfarrabista, ali próximo da Catedral de Notre-Dame, no centro de Paris, no centro do seu mundo.
«Joaquim, que tal vai a vida?»
«Desenrasco-me!»
«Queres voltar a Portugal?»
«Não. Fui um comboio rápido com partida e destino. O destino foi Paris. Nenhum comboio volta ao lugar de partida como partiu.»
Se tivesse feito a escola regular do Portugal salazarento, seria hoje talvez um manga-de-alpaca ou, mutilado pela insensibilidade da promoção pública, transformar-se-ia num carimbo. Teria a alcunha, para gozo dos colegas do regime, «está conforme o original.»
Pela oferta rara de raros livros no escaparate, contou que uma empresa francesa lhe pediu o curriculum. Escreveu-o com o velho lápis que guardou quando foi carpinteiro em papel de embrulho:
«Chamo-me Joaquim e sou veloz como um comboio com partida e destino.»
O manga-de-alpaca da empresa francesa deu-lhe entrada, tirou cópia e carimbou:
«está conforme o original.»
1 Comments:
Bela crónica!
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