a náusea
foi o mais perto que estive do inferno: hoje fui a um condomínio de luxo, com vista (ampla e aberta) para o bairro do Aleixo. em tempos soube que existia este lugar de horror, mas tinha-me esquecido. regresso lá e vejo, à esquina do condomínio fechado e do seu segurança minúsculo, todo o trânsito em roda das torres, a confluência apressada de gente magra e de olhos vazios, o fervilhar de carros: velhos e amassados umas vezes, outras potentes (mas sempre amassados), num vai-vém que dura há anos indiferente ao mundo.
ao longe uma voz levanta-se a espaços: sonora e repetida. um pregão, um pregão a anunciar o pó. num dos carros, um comercial (amassado), ao lado de mais um cliente desesperado, uma criança... a náusea, profunda, infecciosa, fatal.
fujo de lá trancada por dentro e a pensar: como é possível? ser autarca, ser polícia, neste lugar? como é possível viver nesta cidade, neste mundo? como poderei agora: respirar? como se existe depois disto? fujo, do vómito, e no desespero perco-me, na minha própria cidade perco-me e ando às voltas até reencontrar as ruas de todos os dias.
tenho de lá voltar daqui a pouco, a resgatar os meus filhos da festa de anos em que ficaram, nas varandas do aleixo. estive lá hoje mas depois vou poder apagar outra vez o conhecimento que tenho deste lugar, desta cratera no centro do meu mundo.
Etiquetas: droga
1 Comments:
Noutras gavetas desta gente que é o meu trabalho, também as conheço assim, incómodas, certeiras, na dor dos dias onde conseguem ser imensamente felizes
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