sábado, outubro 07, 2006

versão masculina


Disse-me que o que a chateia mesmo são os homens novos apenas a olharem como peça de fancaria, esbeltos, contornados por deuses que lhes moldam corpos perfeitos; e a sua ignorância nas artes, nas músicas e nas letras.

A idade caiu-lhe no corpo como um ácido.
O olhar, que agora apenas se foca no longe,
deixa-lhe uma visão difusa na imagem que vê: a existência exacta.

Disse-lhe que o que me chateia mesmo são as mulheres novas apenas a olharem-me como peça de olaria, esbeltas, contornadas por deuses que lhes moldam as curvas e a ciência que compram a colocar-lhes os seios nos antigos lugares do desejo; e a sua ignorância nas artes, nas músicas e nas letras.

A idade caiu-me no corpo como um meteorito.
Todos os músculos do meu corpo são agora descanso, não fosse o vinho e o espanto a agitar a maresia.

Sabemos ambos, por conversa de copos e noites de desassossego, que fomos estreitos rios que inquietamente se alargam para o mar em delta perfeito e temos, na disputa da vida entre as margens, rolando os seixos, uma coisa em comum: sabedoria; que com os novos, esbeltos, esbeltas, por falta de assunto, que não o corpo, dificilmente partilhamos.

E, sabendo tudo isto, porque morreremos jovens na ousadia de começaremos sempre pelo corpo, ainda não encontrámos espaço e tempo para nos entendermos!

1 Comments:

At 7:20 da tarde, Blogger Mónica (em Campanhã) said...

fiquei agarrada a essa frase fantástica: "a idade caíu-me no corpo como...". é uma boa frase para começar um livro.

 

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