segunda-feira, outubro 27, 2008

Lousã

© Mauro Prates

Andei hoje quase todo o dia pela Lousã. Projecto de trabalho alargado, que inclui uma boa marca, «Aldeias de Xisto». Trememos sempre um pouco quando ouvimos «Talasnal» noutros contextos, que não o da nossa memória colectiva. Não tive coragem de explicar essa dependência a quem ouvia e, cá fora, de subir à eira. Refugiei-me na estrada antiga para Miranda do Corvo, seguindo a linha entre estações, pensando que daqui me vou embora. Não foi assim: a estação! Depois a placa «Tábuas»… e tudo fervilha uma outra vez na caldeira do eterno retorno.

quinta-feira, outubro 23, 2008

Porto Santo

Não escrevi nem telefonei. Decidi voltar. Andei nas areias limpas, afiando aqui e ali os calcanhares nas pedras-pomes, aguçando novos desejos na alma, recolhendo, sim, recolhendo água e iodo com os olhos.
Senti o sal, ouvi do nosso interior dos búzios descendo a escada de madeira do «Pé-na-água» ao fim da tarde, deixando na mesa os bons sabores do bolo de caco e da cerveja coral, pronto, e um pires de tremoços com alho. De um sítio alto guardei uma aguarela com azul e barcos deitados na marola, esperando vento, e outros amigos nas ilhas, que quero acreditar para sempre.

E não me perdi em Porto Santo.
Saltei à Madeira e, lá do cimo do Cabo Girão, percebi o jogo do arrepio, essa vertigem de nos mandarmos para sempre. Mais acima do mapa, do lado de Porto Moniz, vi um Atlântico dormitando nas piscinas naturais, aquoso, azul-cobalto, como se todos os pintores que o pintam lá fossem em romaria lavar os seus pincéis. E vi tudo o que não conto. Que guardei para um dia te contar neste mar à beira-mar.
Carrega nas imagens e vê como eu vi mais de perto.

- Vês o que eu vi?
- Vês? Não demorei!

o dia seguinte


no dia seguinte à aprovação da lei do tabaco, as pontas de cigarro inundaram as ruas. escritórios, quiosques e outros botecos ficaram mais limpos e saudáveis. os donos dos cafés arrumaram os cinzeiros que tinham nas mesas e ao balcão e as empregadinhas de loja foram obrigadas a deitar fora a latinha onde depositavam as picas do que fumavam discretamente atrás do balcão. mas ninguém se lembrou da lei de Lavoisier e, disponibilizar cinzeiros nos espaços abertos onde os fumadores agora se deslocam para cumprir o vício, foi ideia que não deve ter passado pela cabeça de nenhum dos responsáveis. assim, como os cigarros são na mesma fumados, e uma ponta de cigarro não é coisa que se possa guardar no bolso para depositar no cinzeiro de casa, toca a conformar-nos com o tapete de beatas que agora cobre as ruas e floresce nas paragens de transportes públicos, portas de escolas e Centros de Saúde, entradas de cafés, centros comerciais, etc. etc. etc.


sábado, outubro 18, 2008

e por falar em crise


"Hoje no mundo, exactamente neste momento, há pessoas a fazerem fila num campo de refugiados depois de fugirem de uma guerra que não sabem de onde veio nem porquê. Deixaram tudo e esse tudo não são MP3, Telemóveis PC's, roupas de marca e outros acessórios ou gadgets. Deixaram tudo... tudo mesmo: a casa de barro, a esteira que faz de cama, a cadeira e a tigela de madeira onde se come o único alimento quando ele existe: a mandioca. Deixaram apenas isto, porque isto é tudo o que tinham. (...)"

(pela mão do Jó chegou a informação de que em Aveiro, houve uma semana - a Objectivo 2015 - a falar de uma outra espécie de crise)

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sexta-feira, outubro 17, 2008

Aviso de partida

- E quando voltas?
- Talvez quarta ou quinta se não me perder em Porto Santo.
- Vais a Porto Santo?
- Vou. Para acamar a vida destes dias loucos. Talvez devolva de lá um telefonema que a Helena um dia me fez. Falava de areias limpas, mar arejado, coisas nossas como o interior dos búzios, vou saber…
- Mas voltas? Escreves?
- Escrever por tão poucos dias? Se escrever é porque decidi não voltar!
- Não demores!

domingo, outubro 12, 2008

dores de crescimento


ainda vai fazer oito anos, faltam-lhe os dentes da frente, mas já anda às voltas com o corpo que tem: "não me sinto bem de saias", ou "como é que se tiram os pêlos?". começo a sofrer por ela mais que o que sofri comigo própria. é que eu só comecei aos 12 ou 13 anos (uma aflição com os pêlos, com o tamanho do rabo, a forma de tudo, um desassossego de que só recuperei lá para os 18), e lembro-me bem de ter, então, em plena aflição, saudades do bonita que me sentia quando era criança, da segurança que trazia no corpo antes dele crescer. mas esta minha filha, quando é que sentiu bem com o seu corpo se aos 7 já sofre assim? terá direito, como eu tive, ao seu país de cristal?

há dias ao deitar, a carita triste enquanto rezávamos, e uma pergunta mal acabamos: "ó mã-ãe, como é que as senhoras fazem para os bigodes não lhes crescerem muito?". eu a explicar que usavam, entre outras coisas, cera e ela, escandalizada: "dos ouvidos?", não, não, e rio-me muito sem lhe conseguir explicar a tempo doutra pergunta: "então, das velas?"


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nostalgia


hoje subitamente saudades da inquietação que bebi, comi e respirei nos anos 80 e que me levava a procurar, procurar sem cessar, encontrando pérolas como esta voz, esta música, estas palavras escritas da perturbação e para gerar perturbação.



(The Power Game, LP Pressure Points, 1985)

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outono





Outono em Castelo de Vide. Com chuva e sem frio.

Este tom amarelo das folhas das árvores da praça. O nevoeiro na serra de São Mamede. O rio Sever à espera da chuva. Os castanheiros a rebentar.

Outono.

sexta-feira, outubro 10, 2008

Pausa

Três silêncios cúmplices. Três formas de respirar, cada um na sua gare.
Deste jogo de linha nunca discutiremos as regras.
As pausas servem para que cada um arrume a sua vida sem os outros.

domingo, outubro 05, 2008

homenagem, não última


temos a consciência traquila: não foi preciso Dinis Machado morrer para ser homenageado em posts e comentários aqui na linha. O que diz Molero é um livro que nos foi todo um universo e isso só podia revelar-se para sempre naquilo que fazemos:
da epígrafe d'O que diz Molero, atribuída ao próprio Molero, saiu também uma das minhas expressões mais amadas ("país de cristal"), e que me serve de título a posts sobre a infância:
  • "Ó país de cristal, que longe que eu estou, dava um ano de ordenado por um momento da minha infância perdida"

da contracapa do livro (cujo autor não vem mencionado na minha edição, uma 13ª pois a 1ª que li, que já não sei de quem era, me fugiu das mãos alguns anos depois) retirei a minha imagem na blogosfera (reproduzida neste post).

(rip Dinis, ninguém como tu pode dizer que morreu cumprido)

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o dia do Colégio


amanhã é o dia do Colégio. andam há mais de uma semana em contagem decrescente (a mais pequena nas últimas manhãs pergunta sempre "já é hoje?"). ao fim da tarde começaram a pegar-se, aos risinhos nervosos e brincadeiras parvinhas que habitualmente lhes nascem antes de um grande evento. aquilo a que chamamos (nós, adultos) uma imensa excitação, cheios mas é de inveja de já nada nos excitar assim.

o dia do Colégio é festejado todos os anos. um programa simples mas sábio: jogos e brincadeiras variáveis que num dia misturam nas mesmas equipas ou ateliers alunos de todo os anos (da sala dos 3 anos até ao 12º) e professores das mais variadas disciplinas. andam nisto, almoçam como de costume e à tarde há um bolo gigante para todos e no fim uma largada de balões (este ano de látex biodegradável) com as cores do colégio.

desde a primeira vez que vêm felizes: pelos colegas mais velhos que contactam e que dali em diante reconhecem e cumprimentam nos recreios; pelos jogos mirabolantes; pelo bolo tão grande; pelo dia inteirinho de folia. desde a primeira vez que foi nítida a diferença em relação à anterior escola e percebi como se ali se constrói comunidade, se tecem e se alimentam laços. por isso é legítimo o que apregoam: "colégio com alma".

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metereologia(s)

A casa está quieta. Nocturna. De forma súbita, apercebo-me de que não sei que é feito de mim. Como me distraí do mundo. Como apaguei as luzes. Como se deixou o vento e o começo do frio.

Li esta tarde a pequena notícia da morte dele no jornal, ele Dinis, e vim à Linha dizer. Heis quando me apercebo de que o mundo já sabe, que M já disse tudo, que a Isabela escreveu um texto bonito, bonito.

Distraída do mundo. Mas distraída de mim ? ... não tenho sido feita de palavra nenhuma. Nada se escreve em mim, se diz em mim, se solta de mim. Nada. Nada mesmo.

Trouxe tanto sal de uma viagem, que achei que iria escrever três posts de mar. Já selecionei as fotografias, e não tenho tido o tempo nem o apelo das palavras... e fiquei assim, ausente.

Se me desafio... «tenta um segredo», nada, mas mesmo nada me ocorre que me faça palavras. Sem qualquer gravidade, vamos agora ter a chuva.

A única, mesmo única coisa que me ocorre dizer é « No verão, já não há noites de verão. Quentes. Sem vento frio». É ridículo, não é ? mas é da quietude das noites de verão, depois do calor, que me ocorre. Como quem lhes sente a falta. Inconsequente ocorrência.

sábado, outubro 04, 2008

as estações misturadas

as minhas árvores (do meu trabalho)
um doce a quem souber dizer-me o seu nome

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Açores


Estas ilhas chegaram-me um dia à vida com vida nos contos do Simas, destilando hortências. Terra partida no Atlântico, nenúfares de lava. Por aqui andei estes dias saltitando como um beija-flor. A ilha Terceira, plataforma entre a Europa e os «novos mundos» durante os descobrimentos. O Faial e o Pico, amantes de copos e cama de barcos, onde os homens se entretêm a marear. Tudo no seu devido lugar: o património construído, a paisagem e as gentes; o Atlântico deixando-nos um aroma de sal fino na pele (fins de tarde a olhar para o Pico nebuloso com o iodo forte a poisar nos lábios como morrinha); os portos disponíveis para os camones do Molero e toda essa arca de Noé do mundo dos mares em festa no bar do Peter, «Café Sport», lavando a alma com os gins; a língua portuguesa, límpida, nas vozes pausadas sem o acento de S. Miguel.
Um barco da Horta para o Pico, esse mito altaneiro de Portugal, levou-me aos prazeres do vinho e seus manjares: «Terras de Lava», branco e tinto, feito da vindima do verdelho e do terrantez, protegido pelos muros de lava como mosteiros dos sabores, entre a imaginação em lapas grelhadas, barrigas de atum, torresmos como só comi na Gândara e olhos azuis de mulheres cheias de mar nas pupilas, meninas do nosso olhar.

A viagem ao centro de interpretação dos capelinhos, coisa que recomendo. A hospitalidade dos nossos amigos. As viagens de avião entre ilhas como passeios de autocarro com asas. Mas a festa é na Horta e no bar do Peter. Lá está o mundo todo à mesa, globo iluminado, divertindo-se. Tabuleiros de gin como pires de tremoços. Alegria de viver. Trouxe o desejo de voltar e o fígado em cacos.

sexta-feira, outubro 03, 2008

A morte de Molero

aqui escrevi sobre o homem e sobre a obra. O grande Dinis Machado faleceu hoje e, com ele, muitas das vidas de «O que Diz Molero.» Talvez tenha sido a testemunha daquele duelo de florete que escreveu, entre o presidente ortodoxo e o secretário desorbitado, fazendo de Sparrow, angariado no próprio local para o efeito, balbuciando, atravessado o peito pelo florete, ah, grandes filhos da puta que me mataram e eu não tinha nada a ver com isto. Talvez tenha sido um soco de Willard, «daqueles que levam neles o fim de tudo, os socos combinados de tempo, força, certeza e sorte…».
«Parafraseando Zuca: voilá, desapareceu no ar como o Mandrake.»

«Estou sentado à beira-mar, olhando o mar sem o ver. Voa no meu pensamento a dança e a contradança de lembrar e de esquecer. Não sei se vou lembrar. Não sei se vou esquecer. E enquanto sei e não sei, estou sentado à beira-mar, olhando o mar sem o ver. Na tal dança-contradança de pensar e não pensar, pressinto que vou sentir lágrimas no meu olhar. E enquanto sinto e não sinto atiro pedras ao mar…».

Machado, Dinis, O que Diz Molero, pág 127.


O autor do nosso livro de anos deixou-nos. Dedicar-me-ei, esta noite, a ler-lhe todas as palavras essenciais. Sei que vai ser um prazer com bom vinho, boa música e cigarrilhas que bastem para o cumprir. Lena e Mónica, antecipei-me?




quinta-feira, outubro 02, 2008

"É para isso que serve a escrita"

PM diz que escrever lhe dá uma noção mais justa das coisas. subscrevo em absoluto: mesmo escrevendo muito menos e muito pior que ele, a procura das palavras ajuda-me a pensar melhor, a perceber a natureza das coisas e o que sinto sobre elas.

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quarta-feira, outubro 01, 2008

crescer a caminho da escola

o meu filho, de 10 anos, ao fim de 3 semanas no 5º ano, declarou que queria começar a vir sozinho da escola para casa. há já mais de 1 ano que lhe dizíamos que um dia o faria, quando se sentisse preparado.

guardo comigo, nestes primeiros dias, uma réstea de ansiedade: não só pela natureza humana potencialmente hostil que existe lá fora, mas, mais ainda, pelo trânsito enlouquecido que é o da zona (a escola fica na nossa rua, a cerca de 500 metros de casa, por passeios estreitos e com uma conjugação de semáforos que privilegia os aceleras).

começou por querer vir à hora de almoço, altura em que pode fazer boa parte do caminho com alguns colegas. protegido pelo seu (tão invocado) anjo-da-guarda, logo teve que quebrar a regra "e não dás conversa a ninguém" ao encontrar, primeiro, uma tia e, depois, uma educadora dos seus anos de infantário. ontem quis vir também à tarde. espreitei a sua chegada, ansiosa, à varanda e pude ver como, ao esperar na passadeira, se encontrou com a única vizinha com quem temos relações sólidas. hoje de manhã, face a uma ameaça de atraso da irmã, despediu-se com um "vou indo".

ando feliz porque eu trazia, antes destas, uma ansiedade maior: a de que este filho, hiperatento e profundamente sensível aos climas emocionais e comportamentais, não fosse capaz de dar este salto, não quisesse arriscar esta autonomia.

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